São Paulo, sábado, 06 de julho de 2002

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MOTOR

F-1 ao xadrez

JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
EDITOR-ADJUNTO DE ESPORTE

O treino livre de ontem em Silverstone tinha apenas 19 carros. Um grid de F-1 tem espaço, determinado pelo regulamento, para 24. As duas vagas da Prost foram para o vinagre antes mesmo de a temporada começar. As duas da Arrows foram ontem -contam que a situação de Tom Walkinshaw é péssima, e o pedido de falência, iminente. Faltou ainda o Toyota de Salo, que mal conseguiu terminar uma volta por conta de intensas dores no estômago. A coisa está bem feia.
A categoria vive sua pior crise em muitos anos. Talvez caminhe para a pior de sua história organizada, que já acumula mais de 50 anos. Para tanto bastaria um terceiro time desistir do negócio até o final deste ano. Minardi e Jordan, a primeira mais que a segunda, são sérias candidatas. A crise é conjuntural, financeira, esportiva e, graças à Ferrari, igualmente moral. Não há solução fácil, não há solução rápida.
O que há é um público dividido entre o apreço ao esporte e a perplexidade diante das barbaridades que ele vem oferecendo. Dividido entre encarar passivo mais um título do alemão ou curtir o excelente momento de Barrichel- lo, talvez o mais profícuo de sua carreira. É um momento difícil para o torcedor. Ponderar esse momento ou deixar-se iludir por ele? Havia muito desde a última vitória. Talvez seja pedir demais para o aficionado do automobilismo racionalizar tanto o esporte. Crise por crise, a dele, pessoa física, sempre será maior.
Um leitor assíduo escreve para dizer que a coluna está "ácida" e que, portanto, vai abandoná-la. Acha um exagero falar de domínio da Ferrari, cita como parâmetro a McLaren de Prost e Senna no final dos 80. Detecta, acredito, um certo desprezo do colunista por Barrichello e pela própria F-1.
Existe uma clara diferença entre as duas épocas, a começar pelos protagonistas, que corriam, como se dizia antigamente, com a faca nos dentes. Nasceu ali o duelo entre Prost e Senna, aquele que seria um dos maiores da história. O que existe hoje na Ferrari não é um duelo, é um jogo de golfe, com a última tacada sendo decidida pelo cavalheirismo conveniente (pronto, lá veio a acidez de novo).
Sobre o suposto desprezo, é necessário reconhecer não o suposto desprezo, mas uma certa descrença. Acompanhar uma corrida clássica de F-1 de maneira séria é algo como disputar uma simultânea de xadrez. É necessário prestar atenção em vários jogos ao mesmo tempo, ir resolvendo um a um. No final ainda é preciso encontrar uma solução comum, que satisfaça e dê todos os resultados.
A maioria não faz isso, não entende, por exemplo, como é possível uma corrida acachapante de Schumacher ser espetacular. Ou uma de Barrichello ser arruinada pelo congelamento via rádio das posições. O resultado final, a tal solução comum, não bate com o desenvolvimento das partidas intermediárias. A equação não fecha ou é muito fácil, não tem mistério resolver, não tem graça.
Essa é a descrença. Não acreditar mais que a F-1 consiga produzir essa espécie de desafio para o público. Pior, muito pior, constatar que o público talvez não queira mais esse tipo de desafio, que prefira contentar-se, diante de tantas outras dificuldades, com a sensação fortuita, leniente da musiquinha após a bandeirada.
Outros esportes seguiram esse caminho. Afundaram. Ignorar o fato, isso sim seria desprezo.

Jogo de equipe
A FIA resolveu democratizar a discussão. Instalou um fórum em seu site (www.fia.com) para que os fãs possam sugerir modificações no regulamento que inibam palhaçadas no futuro. Ou que promovam, como escreve a entidade em comunicado, "uma revisão nas ordens de equipes no esporte a motor". O fórum ficará no ar até 1º de setembro, quando as sugestões serão enviadas para um grupo de trabalho criado pela FIA. Divirta-se.

Indy
O homem a ser batido neste fim de semana, em Toronto, aliás, no campeonato, atende pelo nome de Cristiano da Matta. Ganhou as três últimas, ganhou quatro das sete corridas deste ano, além das últimas duas da temporada passada. Um bom piloto, um excelente trabalho. Pena que o momento da categoria seja tão ruim. Fosse outra a realidade da Indy, Cristiano já poderia acalentar sonhos maiores e melhores.

E-mail mariante@uol.com.br



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