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Foco
"Se fôssemos grandes, ninguém teria marcado um penálti como aquele"
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A LISBOA
A manchete do jornal "Público", um dos grandes de
Portugal, antecipava o conformismo ante uma eventual
derrota de Portugal contra a
França: "Já ganhámos tudo
mesmo se perdermos", dizia
o título, com o acento no segundo "a" de "ganhamos",
como é de praxe no país.
À noite, confirmada a derrota, o conformismo aparecia com clareza nas figuras
públicas: o primeiro-ministro José Sócrates, por exemplo, dizia estar "orgulhoso
desta seleção" e manifestava
a certeza de que "todos os
portugueses também estão".
Reforçava Marcelo Rebelo
de Souza, ex-primeiro-ministro e agora comentarista
político (e esportivo) da
RTP, a Rádio Televisão Portuguesa: "O percurso desta
equipe foi notável. Estamos
eternamente gratos".
Nas ruas de Lisboa, açoitadas por uma brisa fria, muito
fria para o verão, o conformismo só era quebrado pela
revolta contra o árbitro uruguaio, por conta do pênalti
que definiu a partida.
"Somos pequeninos. Se
fôssemos grandes, ninguém
teria marcado um penálti como aquele", diz Jorge Justino, engenheiro, acentuando
o pênalti também no "a", como é o usual em Portugal. Ao
lado dele, sua mulher, Elisabete Morgado, sinaliza a
concordância da rua com as
palavras do mundo oficial:
"Já chegou até aqui, já está
muito bom". Ao fundo, gritos
de "viva Scolari, viva Scolari"
misturam-se às buzinas dos
poucos carros que começam
a chegar ao Marquês de
Pombal, a rotatória que é o
ponto habitual de concentração dos lisboetas em momentos de comemoração
política ou esportiva.
Bandeiras de Portugal ou o
cachecol vermelho-e-verde
são agitadas ao ventinho frio,
coisa impensável de se ver
no Brasil em caso de derrota.
O fato de Portugal ter, pela
primeira vez em 40 anos,
chegado às semifinais ajuda
a entender o porquê de se
festejar um resultado adverso. Mas o que mais explica é a
mobilização extraordinária
que a seleção provocou, o
que, por sua vez, causou uma
chuva de reflexões que invadiram todos os territórios,
muito além do futebol.
Exemplo: o comentário
(na página política do "Diário de Notícias") do colunista
Vicente Jorge Silva. Diz: "Se
porventura acabarmos campeões do mundo de futebol,
como havemos de conciliar a
alma de vencedores desta
guerra mitológica com o velho fado de derrotados na vida concreta da Nação? A selecção já fez o que tinha a fazer por nós -mesmo que
não ganhe a Taça do Mundo.
Resta saber o que podemos
fazer para merecermos a selecção". É exatamente o
oposto do que aconteceu
com a seleção brasileira, atacada pesadamente pela mídia em geral por ter traído a
confiança do público.
Mas a torcida é, de todo
modo, muitíssimo mais contida. Lisboa demorou muito
para vestir-se de vermelho-e-verde e, quando o fez, já no
final da tarde (o jogo em Lisboa começou às 20h), não
dava a sensação febril que a
torcida brasileira transmite
nos dias de jogos da seleção.
Durante a partida, houve
mais sofrimento do que torcida propriamente dita. Menos quando o árbitro deu o
pênalti em Henry, claramente cometido por Ricardo
Carvalho. Aí, explodiram todos os complexos de país que
já foi grande, já foi um império, e hoje é sócio menor do
conglomerado europeu. Parecia que Portugal havia sido
de novo invadida pelas tropas napoleônicas.
Ao final, no entanto, "não
há lágrimas em parte alguma", concluía a RTP, depois
de repassar as manifestações, poucas de toda forma,
nas grandes cidades do país.
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