São Paulo, quinta-feira, 06 de julho de 2006

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"Se fôssemos grandes, ninguém teria marcado um penálti como aquele"

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A LISBOA

A manchete do jornal "Público", um dos grandes de Portugal, antecipava o conformismo ante uma eventual derrota de Portugal contra a França: "Já ganhámos tudo mesmo se perdermos", dizia o título, com o acento no segundo "a" de "ganhamos", como é de praxe no país.
À noite, confirmada a derrota, o conformismo aparecia com clareza nas figuras públicas: o primeiro-ministro José Sócrates, por exemplo, dizia estar "orgulhoso desta seleção" e manifestava a certeza de que "todos os portugueses também estão".
Reforçava Marcelo Rebelo de Souza, ex-primeiro-ministro e agora comentarista político (e esportivo) da RTP, a Rádio Televisão Portuguesa: "O percurso desta equipe foi notável. Estamos eternamente gratos".
Nas ruas de Lisboa, açoitadas por uma brisa fria, muito fria para o verão, o conformismo só era quebrado pela revolta contra o árbitro uruguaio, por conta do pênalti que definiu a partida.
"Somos pequeninos. Se fôssemos grandes, ninguém teria marcado um penálti como aquele", diz Jorge Justino, engenheiro, acentuando o pênalti também no "a", como é o usual em Portugal. Ao lado dele, sua mulher, Elisabete Morgado, sinaliza a concordância da rua com as palavras do mundo oficial: "Já chegou até aqui, já está muito bom". Ao fundo, gritos de "viva Scolari, viva Scolari" misturam-se às buzinas dos poucos carros que começam a chegar ao Marquês de Pombal, a rotatória que é o ponto habitual de concentração dos lisboetas em momentos de comemoração política ou esportiva.
Bandeiras de Portugal ou o cachecol vermelho-e-verde são agitadas ao ventinho frio, coisa impensável de se ver no Brasil em caso de derrota.
O fato de Portugal ter, pela primeira vez em 40 anos, chegado às semifinais ajuda a entender o porquê de se festejar um resultado adverso. Mas o que mais explica é a mobilização extraordinária que a seleção provocou, o que, por sua vez, causou uma chuva de reflexões que invadiram todos os territórios, muito além do futebol.
Exemplo: o comentário (na página política do "Diário de Notícias") do colunista Vicente Jorge Silva. Diz: "Se porventura acabarmos campeões do mundo de futebol, como havemos de conciliar a alma de vencedores desta guerra mitológica com o velho fado de derrotados na vida concreta da Nação? A selecção já fez o que tinha a fazer por nós -mesmo que não ganhe a Taça do Mundo. Resta saber o que podemos fazer para merecermos a selecção". É exatamente o oposto do que aconteceu com a seleção brasileira, atacada pesadamente pela mídia em geral por ter traído a confiança do público.
Mas a torcida é, de todo modo, muitíssimo mais contida. Lisboa demorou muito para vestir-se de vermelho-e-verde e, quando o fez, já no final da tarde (o jogo em Lisboa começou às 20h), não dava a sensação febril que a torcida brasileira transmite nos dias de jogos da seleção.
Durante a partida, houve mais sofrimento do que torcida propriamente dita. Menos quando o árbitro deu o pênalti em Henry, claramente cometido por Ricardo Carvalho. Aí, explodiram todos os complexos de país que já foi grande, já foi um império, e hoje é sócio menor do conglomerado europeu. Parecia que Portugal havia sido de novo invadida pelas tropas napoleônicas.
Ao final, no entanto, "não há lágrimas em parte alguma", concluía a RTP, depois de repassar as manifestações, poucas de toda forma, nas grandes cidades do país.


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