São Paulo, domingo, 6 de julho de 1997.



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PATINAÇÃO
Cumpridos três anos em liberdade condicional, atleta enfrenta vaias e cheques sem fundo em seu regresso
Tonya, a malvada, volta aos rinques

STEPHANIE MANSFIELD
da "Sports Illustrated"

Asmática, levando consigo uma muda de roupa e uma tosse passageira, Tonya Harding abre a janela do carro para deixar a fumaça do cigarro escapar e pisa, com seu pequeno tênis, no acelerador.
O ponteiro do velocímetro passa dos 130 km/h e há um estreitamento de pista à sua frente.
Batendo com suas unhas postiças no volante, ela se aproxima de um caminhão e então desvia para a direita no último segundo, passando para a outra faixa dessa rodovia molhada e escorregadia de Portland (noroeste dos EUA).
Eu peço a ela para ir um pouco mais devagar. Ela franze os lábios e dispara, rispidamente. "Não me diga como dirigir."
Tonya está um pouco irritada. Um estranho de cabelos pretos a abordou há algumas semanas, colocou uma faca em seu pescoço e a fez atravessar a cidade.
O departamento de polícia do condado de Clackamas está investigando, mas ela ainda tem medo de ir a qualquer lugar sozinha.
Além do mais, o cheque do cachê tão esperado que deveria ter recebido por uma entrevista exclusiva na TV, logo após sua reestréia como profissional na patinação artística, ainda não foi saldado por seu empresário.
A apresentação de dois minutos, sua primeira aparição pública desde a Olimpíada de Inverno de 1994, foi uma espécie de aquecimento para um jogo de hóquei entre times de segundo escalão na cidade de Reno, próxima a Las Vegas.
Tonya teve que enfrentar torcedores, vaias, gozações e assobios. Ainda teve que desviar de objetos arremessados no rinque, como uma caneca de cerveja pela metade e alguns buquês de flores comprados em supermercados.
Apropriadamente vestida de preto, a semente ruim da patinação artística feminina executou apenas um salto, o triplo Salchow.
"Todos querem o triplo Axel", diz Tonya, referindo-se ao famoso salto de três piruetas e meia no ar, que apenas ela, entre todas as norte-americanas, conseguiu executar em uma competição.
"Mas eles não irão vê-lo por enquanto. Vou fazê-lo quando houver a necessidade, entendeu? Se houvessem me pedido antes, e pagado muito dinheiro, eu teria treinado mais."
Ela sabe que os especialistas criticaram sua performance, mas acredita que os torcedores, em sua maioria, ficaram satisfeitos.
"Eu estava muito nervosa", revela. "Mas eu queria aparecer para as pessoas. Eu adoraria estar me exibindo por aí."
Crime
"Eu cometi um erro e há muita gente que não quer me perdoar. Eu não estou roubando, fumando crack ou violentando pessoas. Será que não posso viver minha vida? Aprendi minha lição. Me dêem a chance de provar que melhorei."
Em 94, Tonya se envolveu em um crime que abalou os EUA. A pouco mais de um mês da Olimpíada de Inverno de Lillehammer (Noruega), ela planejou, com o então marido, Jeff Gillolly, um ataque à sua principal rival, a compatriota Nancy Kerrigan.
Condenada a três anos de liberdade condicional, multa de US$ 160 mil e a 500 horas de serviços comunitários, Tonya viu seu mundo ruir (leia texto ao lado).
Excluída da Federação de Patinação dos EUA, não pode mais competir em seu país. Tem que se contentar com apresentações.
Segundo uma pesquisa realizada para revelar a credibilidade de 84 atletas, Tonya foi a última, atrás de Mike Tyson e O.J. Simpson.
E pensar que ela já chegou a receber US$ 2.500 por aparição e assinou contratos estimados em US$ 75 mil entre 91 e 92. Hoje, Tonya não pode pagar suas contas.
Tonya está perto de cumprir sua pena pelo ataque a Nancy. Completou os serviços comunitários -tentou escapar das últimas 100 horas, mas teve o pedido negado por um juiz- e pagou as multas.
Por dois anos ela entregou jantares, lavou panelas e frigideiras. Durante todo esse tempo, precisou de autorização para sair do Estado do Oregon, onde mora.
Com o fim da pena, Tonya tenta uma reaproximação com os homens da patinação nos EUA.
"'Quero deixar claro que minha cliente não guarda rancores em relação à federação. Quero que eles saibam que nossos corações estão abertos", disse David Schmidt, empresário de Tonya, logo após sua apresentação em Reno.
"Muitas pessoas ainda me pedem autógrafos", afirma Tonya, no volante de seu carro, viajando em direção a Vancouver, no Estado vizinho de Washington, onde pretende alugar uma casa.
Um dia, ela foi a melhor coisa que aconteceu na patinação artística. Não há dúvidas de que o rebuliço em que esteve envolvida serviu para dar impulso à modalidade.
Seu atual namorado, Jason Stupfel, um pedreiro de Portland, tem uma definição.
"Ela é uma sobrevivente", afirma. "Definitivamente."



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