São Paulo, sexta-feira, 06 de outubro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

XICO SÁ

Tempo de bundões


Hoje temos medo de tudo, de cair, do chefe, de ser gente, de se apaixonar, do atacante amarelo diante do pênalti


AMIGO TORCEDOR, amigo secador, tudo bem, vamos admitir que vivemos uma certa crise de craques, mas acho que os técnicos, digo, treinadores, têm colaborado para tornar tudo mais medíocre ainda. Eles enriquecem à custa de tornar o futebol mais feio a cada dia que passa. São uns Ivos Pitanguis às avessas, para citar apenas o homem que faz nariz de fêmea muito melhor do que Deus, confesso.
A maioria dos treinadores não passa de bedéis, sempre atentos para evitar qualquer coisa que se assemelhe a um futebol decente. Opa, jogou bonito, volta para o banco, castigo. Não pode tratar a bola por "meu bem", fazer juras, acariciá-la, dar colo, rolar no solo, fazê-la mulher, como no samba genial de Agepê.
Viram que cena patética anteontem? Rogério dá uma cavadinha de leve e se livra lindamente de um atordoado avante cruzmaltino... Aplauso do distinto público, porque futebol bonito é melhor que Shakespeare. Corta para Renato Gaúcho. E não é que o ex-boleiro se vira para Muricy e presta queixa-crime, como se o arqueiro tivesse faltado com o respeito!? Pior, o são-paulino pede desculpas ao vascaíno e acena para o time ser mais franciscano.
Ora, ora, o Milton Leite, no Sportv, não entendeu nada; meu corvo Edgar, secador-mor, grasnou no meu ombro; meu papagaio Florbé chutou o poleiro... Até a dadivosa Cilene, exímia e bilíngue secretária a quem dito pausadamente esta crônica, ficou possuída, perdeu o ônibus e dormiu aquela noite no emprego. Como assim, não pode fazer jogadas refinadas? O Rogério teria que dar um chutão lá no garoto do placar, paciência, teria que mandar a pelota lá na Serra do Rola Moça?
Lembro de uma época em que o Robinho era reprimido toda semana. Chegou até a ser advertido pelos árbitros. Tempos bundões estes que vivemos! Medo de cair, medo do esporro do chefe, medo de se apaixonar, medo de adoecer, medo de dar vexame, medo de ser gente, medo do atacante amarelo diante do pênalti.
Outro dia ouvi o Marinho, o beque do Corinthians, dizer que antes gostava de matar no peito, sair jogando, naquela cadência bonita de Neném Prancha (jovens, envelheçam ou vão ao Google, please!), a lógica de que a bola é de couro, o couro é da vaca, a vaca come grama... então é por aí, nessa várzea óbvia onde a redonda se alimenta. Dizia o Marinho, nada mais nada menos, que apreciava tentar jogar bonito. Mas eis que o "professor" vem e exige que ele esqueça tudo, pede para dar bicão, "isola, isola, isola", manda a vaca para o espaço, numa espécie de lição de Mobral ludopédico.
Que falta faz um Telê Santana. O mineirinho era capaz de fazer do Júnior Baiano um moço esporte fino trato, sim, no São Paulo Telê conseguiu fazê-lo um zagueiro de classe. O professor Leão, entre tantos outros que se consagraram, trabalha com a pedagogia do pára-brisa, a velha lição de limpar a área. Esses caras não passam de uns Joéis Santanas mais elegantes e impostados.
Até o Luxemburgo, que prezava pela técnica, agora vive a dizer que faz o possível com o que tem na mão, não tem elenco etc., como assim, cara pálida? Ora, ninguém incentiva os garotos ao abuso, à fuzarca, ao salseiro na área. Todo mundo com medo de perder a pose, o status, o cargo. Então melhor chamar um Benazzi, um Giba, um Hélio dos Anjos, esses bravíssimos ciganos da bola que fazem o que podem com a missão de apenas fugir da degola.
Dos treinadores milionários se espera bem mais, pelo menos que ousem, que não atrapalhem a vocação dos craques, que deixem os meninos brincarem. Duvido que nos CTs dos grandes só tenha isso que a gente vê. Prefiro crer na cegueira dos que apostam cada vez mais e mais só nos meninos obedientes. Como em tudo hoje em dia nos nossos tempos!

xico.folha@uol.com.br


Texto Anterior: Tênis: Em blog, Federer descreve pesadelo e palavrão
Próximo Texto: Adversário de Popó diz que baiano "amarelou"
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.