São Paulo, Sábado, 06 de Novembro de 1999
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Justiça meia-boca é pura politicagem

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

Mais uma vez os assuntos extracampo ocupam as manchetes dos cadernos esportivos e ofuscam o jogo praticado dentro das quatro linhas. O caso Sandro Hiroshi, por exemplo, continua dando pano para mangas.
A pergunta que não quer calar é a seguinte: se é para ser rigoroso, por que não tirar do São Paulo todos os pontos conquistados em partidas nas quais Hiroshi participou? Por que só do jogo contra o Botafogo-RJ?
Mais que isso: se a questão é a transferência irregular do atleta do Tocantinópolis para o Rio Branco, por que não tirar todos os pontos do time de Americana no último Campeonato Paulista e assumir a confusão que isso causaria, retrospectivamente, na evolução daquele torneio?
Claro que nada disso vai acontecer. O São Paulo será prejudicado "um pouco" (pode ficar fora da próxima fase do Brasileirão) para que o Botafogo seja beneficiado "um muito" (ao se afastar do rebaixamento).
O futebol brasileiro segue à risca a tradição que herdamos dos tempos da Colônia e do Império: aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei. Quem pode mais chora menos. É tudo política, e quem disser que a lei está prevalecendo ou é otário ou tem má-fé.
  Reportagem publicada há alguns dias neste caderno mostrou que os clubes que baixaram o preço dos ingressos para suas partidas (como o Atlético-MG e o Vasco) conseguiram encher as arquibancadas, e os que mantiveram preços altos tiveram que se conformar com públicos mais baixos.
A conclusão é óbvia: pouca gente, no Brasil de hoje, pode se dar ao luxo de gastar R$ 10 por um ingresso de arquibancada, aos quais se adicionam os custos de condução, lanche etc.
Num frio raciocínio contábil, os executivos dos grandes clubes -ou das empresas que os sustentam- podem concluir que dá no mesmo vender 10 mil ingressos a R$ 10 ou vender 100 mil a R$ 1.
É nesse ponto que quero chegar quando digo que o lucro não pode ser o valor supremo e que os interesses das empresas nem sempre coincidem com os interesses dos aficionados e do futebol como um todo.
O que está por trás de uma decisão sobre o preço do ingresso é muito mais que uma mera relação custo/benefício. É uma questão de política cultural e até de política no sentido mais amplo.
O que se decide, no caso, é se o futebol é um lazer popular ou um espetáculo para a classe média remediada e a elite. No fundo, a questão é: queremos um país de cidadãos participantes ou de telespectadores passivos?
Mesmo quem não tem a menor preocupação com o destino das massas, mas gosta de futebol, há de concordar que um estádio lotado contribui muito mais para a qualidade do espetáculo que uma arquibancada vazia.
  Há uma vantagem adicional na ampliação do público que frequenta os estádios. Quanto mais gente na arquibancada, mais se diluem e perdem força os núcleos violentos de torcedores (as chamadas torcidas organizadas).
A vocação fascista desses agrupamentos ficou mais uma vez evidente esta semana, quando os líderes de um deles ameaçaram de agressão física jogadores do Palmeiras que forem "pegos na noite". Só faltava essa.
Coincidência ou não, o Palmeiras é um dos clubes que vendem o ingresso mais caro.

E-mail jgcouto@uol.com.br


José Geraldo Couto escreve aos sábados e às segundas-feiras

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