São Paulo, quinta, 6 de novembro de 1997.



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TÊNIS
Campeã em Wimbledon, brasileira crê que nova geração tomará conhecimento de seus feitos nos anos 50 e 60
Maria Esther espera ser 'redescoberta'

ALEXANDRE GIMENEZ
enviado especial a Itaparica (BA)

A ex-tenista Maria Esther Bueno, 58, ganhadora de 20 títulos de Grand Slam (os mais importantes do circuito mundial), acha que o interesse do público em Gustavo Kuerten fará a nova geração tomar conhecimento de seus feitos nas décadas de 50 e 60, quando dominou o circuito mundial feminino.
Maria Esther venceu, no total, 589 competições. As mais importantes foram os títulos em Wimbledon (59, 60 e 64, em simples).
Em 1978, a brasileira foi incluída no International Tennis Hall of Fame. Em 1993, foi a vez do Sports Hall of Fame, de Nova York, homenagear a tenista, que já teve uma estátua de cera exibida no museu Madame Tussad, em Londres, o mais famoso do mundo.
Maria Esther Bueno está em Itaparica (BA) para ministrar uma clínica de tênis durante o torneio de exibição de veteranos Citibank & Diners Club Champions.

Folha - As pessoas voltaram a se lembrar das suas vitórias depois da ascensão do Gustavo Kuerten?
Maria Esther Bueno -
Na época, os meus títulos foram muito comentados no Brasil. Mas não sabiam exatamente a importância. Afinal, éramos o país do futebol.
Foi difícil atender a todos e explicar o que tinha acontecido. Não tinha tempo para isso, além de ser muito tímida. Confundiram isso com arrogância.
Hoje o país tem uma grande variedade de ídolos no esporte. Na minha época, eram apenas eu, o Pelé e o Éder Jofre.
Folha - A senhora fica magoada com esse esquecimento?
Maria Esther -
Não adianta eu ficar chateada. Não ia resolver nada. Depende muito de vocês da imprensa em divulgar. Mas não vou correr atrás de cada um de vocês.
A história precisa ser contada, passada adiante. O que eu fiz foi muito importante. Você pode pegar todos os livros sobre a história do tênis. Meu nome vai estar lá.
História é história. As ondas passam, o que é bom fica. Muita gente nova não viu meus jogos e não sabe quem eu sou.
Folha - Quais os motivos para esse esquecimento?
Maria Esther -
Naquela época não existia televisão ao vivo.
Hoje, você pode acompanhar na mesma hora uma partida que está acontecendo no outro lado do mundo, no Japão, por exemplo.
Além disso, eu passei a maior parte da minha vida fora do Brasil.
Folha - Existe uma explicação para o surgimento de fenômenos como a senhora e o Kuerten em um país sem tradição no tênis?
Maria Esther -
Não. Sempre vão aparecer talentos no esporte brasileiro. Em todas as modalidades.
Folha - O tênis atual é atraente?
Maria Esther -
Muita gente nova está aparecendo, no masculino e no feminino.
Estamos vivendo uma época muito especial, em que vários tenistas importantes, que se destacaram nos últimos anos, estão parando. Como o Boris Becker (Alemanha), o Pat Cash (Austrália), o Stefan Edberg (Suécia) e outros.
Não existe uma diferença muito grande entre os atletas. Hoje, o sétimo ou oitavo colocado do ranking pode perder para o 150º do mundo. Com exceção do Pete Sampras, todos os outros se equivalem. Não há muita qualidade, mas o equilíbrio é maior.
Folha - O que falta?
Maria Esther -
Não existe atualmente grandes rivalidades entre jogadores, como Connors contra McEnroe, McEnroe contra Lendl ou Lendl contra Becker.
Talvez, daqui algum tempo, isso volte a acontecer. É muito importante para o esporte, e um estímulo grande para o público. Talvez se existisse outro atleta do nível do Sampras isso ficasse mais fácil.
Folha - E o Kuerten?
Maria Esther -
Ele teve um excelente desempenho até agora.
Ninguém ganha um torneio como o de Roland Garros por acaso ou por pura sorte. Acho que ele veio para ficar.
Pelo que eu sei, o Kuerten é muito bem recebido em todos os lugares em que joga. Vamos ver como seus empresários vão aproveitar essa imagem, de tenista surfista.
Quando ele jogou melhor, em Roland Garros, não pude acompanhar. Minha mãe estava no hospital (morreu logo depois). Não tinha cabeça para isso. Também não o conheço pessoalmente.
Folha - Dá para comparar a situação em que a senhora ganhou seu primeiro título de Grand Slam com a dele?
Maria Esther -
São duas situações muito diferentes. Quando eu fui para a Europa tinha 16, 17 anos. E era apenas Deus e eu. Nunca ninguém tinha feito nada parecido. Até hoje ninguém chegou perto.
Folha - A senhora guarda mágoas da sua carreira profissional?
Maria Esther -
Fico chateada por não ter podido jogar mais tempo. Tive muitas contusões e doenças. Em 1961, por exemplo, estava muito bem. Poderia ter fechado o Grand Slam. Mas tive hepatite.
Folha - O circuito mundial era mais exigente naquela época?
Maria Esther -
Cheguei a jogar 120 games seguidos. Não jogávamos por dinheiro, mas para saber quem era o melhor do mundo. Não só em simples, mas em duplas e duplas mistas. Era moça e pensei que nada me aconteceria.
Folha - Ninguém orientou a senhora sobre os riscos que estava correndo?
Maria Esther -
Não tinha um agente ou um técnico para falar essas coisas ou fazer imposições com os organizadores dos torneios. Deveria ter tido mais juízo.
Nunca pensei em abandonar uma partida por cauda de dores que estava sentindo.
Folha - A senhora recebe mais homenagens no exterior do que no Brasil, não?
Maria Esther -
Nesse ano, por exemplo, fui homenageada em Wimbledon. Convidaram para a inauguração da nova quadra 1 os tenistas que conquistaram por três vezes o torneio. Só existem sete vivos. Pena que não pude ir.
Folha - O tênis atual movimenta uma quantidade enorme de dinheiro. A senhora às vezes pensa na quantia que poderia ter ganho se ganhasse o mesmo número de títulos atualmente?
Maria Esther -
Acho que todos os tenistas da minha época pensam um pouco nisso. Mas o que eu posso fazer?
Recebi apenas 15 libras (aproximadamente R$ 24,00, hoje) quando fui campeã em Wimbledon.
Folha - Como a senhora sobrevive atualmente?
Maria Esther -
Me convidam para todos os torneios importantes. Também dou clínicas e faço palestras.


O jornalista Alexandre Gimenez viaja a convite da organização do Torneio de Itaparica


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