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TÊNIS
Campeã em Wimbledon, brasileira crê que nova geração tomará conhecimento de seus feitos nos anos 50 e 60
Maria Esther espera ser 'redescoberta'
ALEXANDRE GIMENEZ
enviado especial a Itaparica (BA)
A ex-tenista Maria Esther Bueno,
58, ganhadora de 20 títulos de
Grand Slam (os mais importantes
do circuito mundial), acha que o
interesse do público em Gustavo
Kuerten fará a nova geração tomar
conhecimento de seus feitos nas
décadas de 50 e 60, quando dominou o circuito mundial feminino.
Maria Esther venceu, no total,
589 competições. As mais importantes foram os títulos em Wimbledon (59, 60 e 64, em simples).
Em 1978, a brasileira foi incluída
no International Tennis Hall of Fame. Em 1993, foi a vez do Sports
Hall of Fame, de Nova York, homenagear a tenista, que já teve
uma estátua de cera exibida no
museu Madame Tussad, em Londres, o mais famoso do mundo.
Maria Esther Bueno está em Itaparica (BA) para ministrar uma
clínica de tênis durante o torneio
de exibição de veteranos Citibank
& Diners Club Champions.
Folha - As pessoas voltaram a se
lembrar das suas vitórias depois
da ascensão do Gustavo Kuerten?
Maria Esther Bueno - Na época,
os meus títulos foram muito comentados no Brasil. Mas não sabiam exatamente a importância.
Afinal, éramos o país do futebol.
Foi difícil atender a todos e explicar o que tinha acontecido. Não tinha tempo para isso, além de ser
muito tímida. Confundiram isso
com arrogância.
Hoje o país tem uma grande variedade de ídolos no esporte. Na
minha época, eram apenas eu, o
Pelé e o Éder Jofre.
Folha - A senhora fica magoada
com esse esquecimento?
Maria Esther - Não adianta eu
ficar chateada. Não ia resolver nada. Depende muito de vocês da imprensa em divulgar. Mas não vou
correr atrás de cada um de vocês.
A história precisa ser contada,
passada adiante. O que eu fiz foi
muito importante. Você pode pegar todos os livros sobre a história
do tênis. Meu nome vai estar lá.
História é história. As ondas passam, o que é bom fica. Muita gente
nova não viu meus jogos e não sabe quem eu sou.
Folha - Quais os motivos para esse esquecimento?
Maria Esther - Naquela época
não existia televisão ao vivo.
Hoje, você pode acompanhar na
mesma hora uma partida que está
acontecendo no outro lado do
mundo, no Japão, por exemplo.
Além disso, eu passei a maior
parte da minha vida fora do Brasil.
Folha - Existe uma explicação para o surgimento de fenômenos como a senhora e o Kuerten em um
país sem tradição no tênis?
Maria Esther - Não. Sempre vão
aparecer talentos no esporte brasileiro. Em todas as modalidades.
Folha - O tênis atual é atraente?
Maria Esther - Muita gente nova está aparecendo, no masculino
e no feminino.
Estamos vivendo uma época
muito especial, em que vários tenistas importantes, que se destacaram nos últimos anos, estão parando. Como o Boris Becker (Alemanha), o Pat Cash (Austrália), o
Stefan Edberg (Suécia) e outros.
Não existe uma diferença muito
grande entre os atletas. Hoje, o sétimo ou oitavo colocado do ranking pode perder para o 150º do
mundo. Com exceção do Pete
Sampras, todos os outros se equivalem. Não há muita qualidade,
mas o equilíbrio é maior.
Folha - O que falta?
Maria Esther - Não existe atualmente grandes rivalidades entre
jogadores, como Connors contra
McEnroe, McEnroe contra Lendl
ou Lendl contra Becker.
Talvez, daqui algum tempo, isso
volte a acontecer. É muito importante para o esporte, e um estímulo grande para o público. Talvez se
existisse outro atleta do nível do
Sampras isso ficasse mais fácil.
Folha - E o Kuerten?
Maria Esther - Ele teve um excelente desempenho até agora.
Ninguém ganha um torneio como o de Roland Garros por acaso
ou por pura sorte. Acho que ele
veio para ficar.
Pelo que eu sei, o Kuerten é muito bem recebido em todos os lugares em que joga. Vamos ver como
seus empresários vão aproveitar
essa imagem, de tenista surfista.
Quando ele jogou melhor, em
Roland Garros, não pude acompanhar. Minha mãe estava no hospital (morreu logo depois). Não tinha
cabeça para isso. Também não o
conheço pessoalmente.
Folha - Dá para comparar a situação em que a senhora ganhou seu
primeiro título de Grand Slam com
a dele?
Maria Esther - São duas situações muito diferentes. Quando eu
fui para a Europa tinha 16, 17 anos.
E era apenas Deus e eu. Nunca ninguém tinha feito nada parecido.
Até hoje ninguém chegou perto.
Folha - A senhora guarda mágoas da sua carreira profissional?
Maria Esther - Fico chateada
por não ter podido jogar mais tempo. Tive muitas contusões e doenças. Em 1961, por exemplo, estava
muito bem. Poderia ter fechado o
Grand Slam. Mas tive hepatite.
Folha - O circuito mundial era
mais exigente naquela época?
Maria Esther - Cheguei a jogar
120 games seguidos. Não jogávamos por dinheiro, mas para saber
quem era o melhor do mundo.
Não só em simples, mas em duplas
e duplas mistas. Era moça e pensei
que nada me aconteceria.
Folha - Ninguém orientou a senhora sobre os riscos que estava
correndo?
Maria Esther - Não tinha um
agente ou um técnico para falar essas coisas ou fazer imposições com
os organizadores dos torneios. Deveria ter tido mais juízo.
Nunca pensei em abandonar
uma partida por cauda de dores
que estava sentindo.
Folha - A senhora recebe mais
homenagens no exterior do que
no Brasil, não?
Maria Esther - Nesse ano, por
exemplo, fui homenageada em
Wimbledon. Convidaram para a
inauguração da nova quadra 1 os
tenistas que conquistaram por três
vezes o torneio. Só existem sete vivos. Pena que não pude ir.
Folha - O tênis atual movimenta
uma quantidade enorme de dinheiro. A senhora às vezes pensa
na quantia que poderia ter ganho
se ganhasse o mesmo número de
títulos atualmente?
Maria Esther - Acho que todos
os tenistas da minha época pensam um pouco nisso. Mas o que eu
posso fazer?
Recebi apenas 15 libras (aproximadamente R$ 24,00, hoje) quando fui campeã em Wimbledon.
Folha - Como a senhora sobrevive atualmente?
Maria Esther - Me convidam
para todos os torneios importantes. Também dou clínicas e faço
palestras.
O jornalista Alexandre Gimenez viaja a convite
da organização do Torneio de Itaparica
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