São Paulo, domingo, 07 de janeiro de 2001

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FUTEBOL
Todo mundo sabe; o mundo todo sabe

RODRIGO BUENO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Dizem que o Rio tem duas estações: o verão e o fogo do inferno. O diabo certamente fez o pior na final da Copa JH.
Isto não é um conselho de vida depois do evento. Eu mencionei minhas preocupações na apresentação do jogo que eu mandei para o serviço mundial da BBC.
Eu tenho frequentemente difundido advertências sobre os perigos deste estádio. Realmente não é preciso ser um gênio para apontar os principais problemas.
Extra-oficialmente, dirigentes do Vasco compartilharam minhas angústias. O jogo começou às 16h, um absurdo no forte verão, mas necessário devido à toda-poderosa TV Globo, que quer a partida terminada às 18h para o início de suas novelas sem fim.
Eu cheguei duas horas antes do jogo, e o estádio estava quase abarrotado. Os assentos reservados para a imprensa ficam na sombra; apesar disso o calor foi intenso. Deve ter sido insuportável do outro lado, onde as bancadas sentem toda a força do sol.
Pouco depois de uma hora antes do início do jogo, parecia que o estádio estava superlotado. Tinham sido vendidos mais ingressos -ou deixaram pessoas entrar- do que o estádio poderia racionalmente comportar.
Muitos torcedores viram pouco ou nada dos 24 minutos de futebol que foram jogados. Superlotação é uma prática padrão em São Januário. É fácil para os jornalistas perceberem porque ficamos cercados por torcedores que não encontram espaço e têm de implorar aos seguranças por um lugar vazio no meio da imprensa.
Por anos, o problema da superlotação no estádio tem sido um vulcão adormecido. O calor e a importância do jogo resultaram em uma força explosiva que colocou em risco a vida de milhares.
A substituição de Romário foi o catalisador. Depois de 22 minutos, ele saiu mancando com um de seus frequentes problemas musculares. Uma briga teve início logo após a saída dele de campo.
Assim que o goleiro Hélton se preparou para bater o tiro de meta, houve movimento nas arquibancadas à sua esquerda. O calor e a tensão deixaram os torcedores mais propensos ao pânico.
Pessoas iam se empurrando a partir do foco do problema, e a onda humana foi ganhando intensidade, movendo-se para a parte de baixo da arquibancada, atirando muitos para a frente com uma força que derrubou 30 metros de grades. Uma frota de ambulâncias estava logo em cena, e, depois, os helicópteros.
Mais de uma hora depois do incidente os feridos ainda estavam sendo carregados em macas.
Com surpreendente intensidade, o Vasco queria retomar o jogo. Uma chamada do governador do Rio pôs fim ao tamanho absurdo.
O Vasco respondeu à notícia de que o jogo tinha sido cancelado se proclamando campeão e enviando jogadores para volta olímpica.
Isso poucos minutos depois de o excepcional goleiro Hélton ter feito a melhor dupla defesa que já vi. Poderia ter ficado na minha memória o tempo de uma vida, mas foi eclipsada por cenas de evitável sofrimento humano, produto da negligência, da ganância e da estupidez daqueles que fazem o futebol brasileiro."
Eis o relato do jogo do enviado da BBC. O mundo sabe a história.


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