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Disputa bienal esvazia sentido afetivo da Copa
JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
Os gregos antigos -que não
tinham nenhum Cristo para
servir de referência- balizavam seu tempo pela Olimpíada
e pelos quatro anos que separavam uma de outra.
Dizia-se, por exemplo, que fulano nasceu "no terceiro ano da
sexta Olimpíada".
Vinte e tantos séculos depois,
nosso calendário oficial conta o
tempo a partir do ano que se supõe ser o do nascimento de Jesus, mas nosso calendário afetivo tem como balizas inevitáveis
as Copas do Mundo.
Faça o teste. Mesmo quem não
gosta muito de futebol geralmente sabe com exatidão onde
estava e o que fazia na época
desta ou daquela Copa. Não raro, sabemos onde e com quem
assistimos ao jogo decisivo em
que o Brasil tornou-se campeão
ou foi eliminado.
Eu, pelo menos, lembro-me vivamente das circunstâncias em
que assisti às partidas mais importantes desde a Copa de 70
-esta, aliás, foi um marco decisivo e inesquecível para as pessoas da minha geração (eu tinha 13 anos, na ocasião).
Um episódio da "Comédia da
Vida Privada" explorou muito
bem esse mote: quatro amigos
de juventude (três homens e
uma mulher) reencontravam-
se a cada quatro anos, para ver
a Copa juntos. Em cada vez, eles
estavam modificados, assim como o país e o mundo.
Essas reflexões vêm a propósito da idéia do presidente da Fifa, Joseph Blatter, de realizar o
Mundial de dois em dois anos.
O caderno de Esporte da Folha publicou opinião de uma
porção de gente sobre o tema.
Figuras respeitáveis -como
Pelé, Ronaldinho, Beckenbauer
e Rivaldo- mostraram-se favoráveis, por motivos diversos,
à mudança. Mas fico com o ex-
craque Bob Charlton, para
quem o aumento da frequência
do torneio diluiria seu sentido e
sua força.
Os motivos alegados pelos defensores da Copa bienal não se
sustentam.
Ronaldinho dá uma razão
imediatista e ingênua: esquecer
o fracasso na competição anterior. Ora, o interessante é justamente ter um tempo para curtir
a derrota e alimentar a expectativa da volta por cima.
Rivaldo, por sua vez, argumenta com a possibilidade de
um atleta poder jogar mais Copas em boas condições físicas. É
um argumento corporativo. Do
ponto de vista da carga dramática de uma Copa, é melhor que
um jogador só possa jogar três
ou quatro.
É cruel dizer isso, mas os dramas de Baresi e Maradona em
94 seriam totalmente esvaziados se estivesse programada
uma Copa para 1996.
Para Pelé, a nova periodicidade "permitiria às seleções recuperar o prestígio". Não acho. A
conquista de uma Copa bienal
teria menos peso. O Brasil ficou
24 anos (cinco Copas) sem um
título mundial, e nem por isso
seu prestígio caiu. Suas derrotas
em 82 e 86 tingiram-se de uma
tonalidade épica, senão trágica.
Não se trata de apego à tradição. Há mudanças que aspiram
ao aperfeiçoamento do futebol
-e são bem-vindas. Há outras,
motivadas por interesses
alheios ao esporte.
Não é difícil perceber que nos
cálculos do sr. Blatter há muito
mais dividendos políticos e comerciais em jogo do que amor
ao esporte de Pelé.
Em suma: futebol é arte, mas
Copa é Copa e Bienal é Bienal.
²
E-mail: jgcouto@uol.com.br
José Geraldo Couto escreve às quintas
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