São Paulo, quinta, 7 de janeiro de 1999

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Disputa bienal esvazia sentido afetivo da Copa

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

Os gregos antigos -que não tinham nenhum Cristo para servir de referência- balizavam seu tempo pela Olimpíada e pelos quatro anos que separavam uma de outra.
Dizia-se, por exemplo, que fulano nasceu "no terceiro ano da sexta Olimpíada".
Vinte e tantos séculos depois, nosso calendário oficial conta o tempo a partir do ano que se supõe ser o do nascimento de Jesus, mas nosso calendário afetivo tem como balizas inevitáveis as Copas do Mundo.
Faça o teste. Mesmo quem não gosta muito de futebol geralmente sabe com exatidão onde estava e o que fazia na época desta ou daquela Copa. Não raro, sabemos onde e com quem assistimos ao jogo decisivo em que o Brasil tornou-se campeão ou foi eliminado.
Eu, pelo menos, lembro-me vivamente das circunstâncias em que assisti às partidas mais importantes desde a Copa de 70 -esta, aliás, foi um marco decisivo e inesquecível para as pessoas da minha geração (eu tinha 13 anos, na ocasião).
Um episódio da "Comédia da Vida Privada" explorou muito bem esse mote: quatro amigos de juventude (três homens e uma mulher) reencontravam- se a cada quatro anos, para ver a Copa juntos. Em cada vez, eles estavam modificados, assim como o país e o mundo.
Essas reflexões vêm a propósito da idéia do presidente da Fifa, Joseph Blatter, de realizar o Mundial de dois em dois anos.
O caderno de Esporte da Folha publicou opinião de uma porção de gente sobre o tema.
Figuras respeitáveis -como Pelé, Ronaldinho, Beckenbauer e Rivaldo- mostraram-se favoráveis, por motivos diversos, à mudança. Mas fico com o ex- craque Bob Charlton, para quem o aumento da frequência do torneio diluiria seu sentido e sua força.
Os motivos alegados pelos defensores da Copa bienal não se sustentam.
Ronaldinho dá uma razão imediatista e ingênua: esquecer o fracasso na competição anterior. Ora, o interessante é justamente ter um tempo para curtir a derrota e alimentar a expectativa da volta por cima.
Rivaldo, por sua vez, argumenta com a possibilidade de um atleta poder jogar mais Copas em boas condições físicas. É um argumento corporativo. Do ponto de vista da carga dramática de uma Copa, é melhor que um jogador só possa jogar três ou quatro.
É cruel dizer isso, mas os dramas de Baresi e Maradona em 94 seriam totalmente esvaziados se estivesse programada uma Copa para 1996.
Para Pelé, a nova periodicidade "permitiria às seleções recuperar o prestígio". Não acho. A conquista de uma Copa bienal teria menos peso. O Brasil ficou 24 anos (cinco Copas) sem um título mundial, e nem por isso seu prestígio caiu. Suas derrotas em 82 e 86 tingiram-se de uma tonalidade épica, senão trágica.
Não se trata de apego à tradição. Há mudanças que aspiram ao aperfeiçoamento do futebol -e são bem-vindas. Há outras, motivadas por interesses alheios ao esporte.
Não é difícil perceber que nos cálculos do sr. Blatter há muito mais dividendos políticos e comerciais em jogo do que amor ao esporte de Pelé.
Em suma: futebol é arte, mas Copa é Copa e Bienal é Bienal.
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E-mail: jgcouto@uol.com.br


José Geraldo Couto escreve às quintas



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