São Paulo, sábado, 07 de março de 2009

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JOSÉ GERALDO COUTO

Futuro do pretérito


No dérbi paulistano de amanhã, a 600 km de SP, o veterano é uma promessa e o novato é uma realidade


O FENÔMENO entra em campo amanhã como titular, no dérbi Palmeiras x Corinthians. Se você pensou em Ronaldo, esclareço: estou falando de Keirrison, o garoto que, em dez jogos com a camisa do Palmeiras, fez 13 gols e que no ano passado, atuando pelo Coritiba, foi o artilheiro do Brasileirão.
Já o atacante corintiano, que foi verdadeiramente fabuloso alguns anos atrás, é hoje um imenso e despropositado fenômeno de mídia, como se viu na última quarta-feira em Itumbiara.
Claro que também torci para ele entrar logo no jogo, para que fosse acionado, para que suas jogadas dessem certo, para que fizesse gols. Era como se o Brasil inteiro quisesse entrar em campo para dar uma forcinha para o sujeito.
Até meu amigo jornalista Marcelo Lyra, santista doente, confessa que, assim que Ronaldo entrou em campo, ele se pegou torcendo pelo Corinthians. Deve ter engrossado o coro dos que xingaram Douglas quando o meia corintiano, em vez de deixar o atacante na cara do gol, resolveu ele próprio arriscar e chutou para fora.
Mas, pensando bem, se já houve tanto estardalhaço em torno da meia dúzia de toques que Ronaldo deu na bola, devemos agradecer a Douglas pela saúde de nossos maltratados tímpanos.
Invertendo a lógica e a cronologia, o veterano Ronaldo é hoje uma esperança, uma promessa, e o novato Keirrison é uma realidade incontestável. Veloz, inteligente, objetivo, voraz, o rapaz é uma arma letal. Tomara que fique no Brasil pelo menos esta temporada inteira. Não será pequena a pressão para levá-lo embora para outras plagas mais prósperas.
O absurdo da situação é que o confronto entre esses dois fenômenos, o presente e o, digamos, futuro do pretérito acontecerá em Presidente Prudente, a 600 quilômetros de São Paulo, berço e sede dos dois clubes rivais. Por que não em Marília, que pelo menos fica 200 quilômetros mais perto? Por que não em Santos, que pelo menos tem praia?
Nada contra Presidente Prudente, com suas pujantes boates e casas noturnas louvadas pelo Xico Sá (cuja coluna de ontem estava uma delícia, aliás). Mas Palmeiras x Corinthians é um jogo com a cara de São Paulo. Figurava já em crônicas de Alcântara Machado, em plena década de 1920. Está entre os dérbis mais tradicionais e eletrizantes do mundo. Que seja realizado em Presidente Prudente é como um Milan x Inter jogado em Nápoles, um Boca x River em Mendoza, um Gre-Nal em Nova Petrópolis.
Segundo o historiador Hilário Franco Júnior, em seu livro "A Dança dos Deuses", o termo "dérbi", surgido na cidade inglesa de Derby no século 19, passou a designar, desde 1909, as partidas entre times rivais de uma mesma localidade. É o "enfrentamento entre clubes ao mesmo tempo próximos e diferentes".
Ao ser retirado do solo geográfico e social que o produziu, o dérbi perde o sentido, vira quase um jogo virtual, um videogame da globalização, uma dessas promoções artificiais como "o confronto das estrelas" ou "Amigos de Zidane" x "Amigos de Ronaldo".
Mas também pode ser que o velho dessa história toda seja eu e que o futebol do futuro seja mesmo esse espetáculo globe-trotter, itinerante e sem raízes.


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