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Com chuvas, a "curva do Sol" apavorou o GP
DA REPORTAGEM LOCAL
Interlagos nunca viu tanta confusão. Aliás, já viu sim algo parecido, mas há muito tempo atrás.
Em 1977, para ser mais exato.
Época em que na pista estavam
monstros do automobilismo, como Emerson Fittipaldi, Niki Lauda, James Hunt, Carlos Reutemann, Ronnie Peterson e José
Carlos Pace. Em que Interlagos
era muito maior, mas também tinha uma curva chamada 3.
Era no final da Reta Oposta, onde hoje fica o setor G, as arquibancadas mais populares e, por isso
mesmo, mais animadas.
Naquela corrida, um recapeamento mal feito fez descolar pedaços do asfalto no trecho. Resultado: um cemitério de carros se
formou no local, sete pela memória de testemunhas da corrida, oito pelo livro de estatísticas. Um
deles era o Brabham de Moco, como Pace era chamado -o brasileiro morreria dois meses depois
em um acidente de avião.
Ontem, em Interlagos, outra
curva 3 resolveu fazer seu cemitério. A curva que agora fica no começo da Reta Oposta, ex-curva do
sol, ontem rebatizada curva da
chuva, da drenagem, do trator e
do medo. Michael Schumacher,
mais ilustre visitante da barreira
de pneus do local, confessou que
sentiu "medo" no acidente, que
poderia ter tido consequências
muito mais graves. O tal do trator,
na verdade um guindaste, estava
na área de escape da curva na operação de retirada do Williams de
Juan Pablo Montoya, que rodara
duas voltas antes. Por muito pouco o alemão não atingiu o carro rival e o veículo de serviço.
Schumacher, mais que qualquer outro, assume o discurso de
que a profissão é feita de riscos e
que não pensa nisso quando está
no carro. Dessa vez, porém, assumiu. "Mas vários pilotos rodaram
lá?", foi a pergunta seguinte à revelação. A resposta foi seca: "Isso
não muda o medo que senti".
Uma falha no sistema de drenagem, que foi inclusive objeto de
reforma para este GP, cerca de
25% da pista sofreu alterações,
criou um verdadeiro rio no setor.
Para piorar, naquela área do autódromo a impressão era que chuva
caía mais intensamente -talvez
não só uma impressão, já que a dimensão do autódromo, mais de
uma vez, proporcionou corridas
meio secas meio molhadas.
Era o caso ontem. O termômetro eram os pneus Bridgestone da
Ferrari. Com pista muito molhada, como no começo da prova,
condições ideais para os carros
calçados pela Michelin. Pista menos molhada, segundo parte da
prova, melhor rendimento para a
escuderia italiana. Na curva 3, porém, empate: ruim para todos.
Na contabilidade fatídica, seis
carros, seis pilotos, pela ordem,
Justin Wilson, Antonio Pizzonia,
Montoya, Schumacher, Jos Verstappen e Jenson Button. O cemitério atraiu ainda outros quatro,
que escaparam: Ralf Schumacher,
Jarno Trulli, Mark Webber e
Heinz-Harald Frentzen. No total,
dez ocorrências, cena rara de destroços reunidos pateticamente
atrás dos pneus pelo trator.
Mais de um piloto classificou o
trecho não apenas como rio, mas
rio com correnteza. A explicação
faz sentido. A dificuldade desse tipo de condição para um carro de
F-1 é chamada aquaplanagem.
Em alta velocidade, o carro perde aderência pois uma fina camada de água separa os pneus do asfalto. Se as ranhuras da borracha
perdem a capacidade de retirar a
água da frente, o carro flutua sobre a lâmina, e o piloto perde o
controle. "Meu carro passou por
uma correnteza e flutuou para fora da pista. Depois disso, eu era
apenas um pouco mais que um
passageiro. Enquanto eu rodava,
pude ver a BMW do Montoya no
lugar que eu iria ocupar", declarou Pizzonia, cinematográfico.
Depois da última vez que uma
curva 3 vitimou tantos pilotos, Interlagos, coincidência ou não,
perdeu o GP Brasil para o carioca
Jacarepaguá. Só voltaria a abrigá-lo novamente a partir de 1990,
quando não choveu.
(FÁBIO SEIXAS E JOSÉ HENRIQUE MARIANTE)
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