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WILL SELF
E se a rainha se engasgasse?
Escrevi na semana passada
sobre o espírito derrotista
da Inglaterra em relação
à seleção e sobre o meu desinteresse a respeito disso. O fim de semana significou, se é possível tal
metafórica contradição, o ponto
mais alto da minha indiferença.
No domingo, os ingleses fizeram sua primeira partida na Copa, que deveria ter sido um massacre impiedoso dos inferiores
-embora obstinados- suecos.
Em vez disso, como eu havia
previsto aqui, a seleção inglesa,
com sua insuperável habilidade
de tornar qualquer partida um
tedioso e indigesto evento, se empenhou para segurar o empate
em 1 a 1 com os escandinavos.
Tinha pensado, no início da semana, em ir a uma casa de apostas (na Inglaterra, toda área comercial tem um lugar onde podem ser feitas apostas legais em
competições esportivas) e perguntar quanto pagaria o empate em
1 a 1. A pergunta seria vista como
ainda mais absurda do que indagar sobre as possibilidades de
uma contundente derrota, porque esta hipótese era tão inconcebível à psique inglesa quanto à de
a rainha se engasgar com um
amendoim durante as celebrações do jubileu de seu reinado e
morrer de um choque anafilático.
Quer dizer, sugerir que a rainha pudesse morrer assim (ou
mesmo perguntar se é possível
apostar nisso) faria de mim um
traidor, enquanto que cogitar
uma derrota da seleção inglesa
seria "só" um caso de heresia.
Para compreender a dimensão
religiosa do que afirmei, basta
observar os cartazes colocados
nos pubs, informando as próximas partidas da seleção (e as
marcas de cerveja que serão servidas durante) com o slogan "Nós
confiamos em Sven". Ninguém
acha inexplicável ou no mínimo
bizarro comparar o técnico ao
Deus Todo-Poderoso. Exceto eu.
Não, a Inglaterra não podia
mesmo começar a Copa perdendo -embora o revés seja inevitável. Antes, tem de obter um empate sofrido, talvez uma valorosa
e magra derrota para a Argentina -o que deve estar ocorrendo
justamente enquanto você lê isto.
Para que os ingleses sintam que
conquistaram a derrota que inconscientemente desejam, o time
precisa tê-la merecido.
Assim, a seleção nacional joga
na Copa num domingo, e na segunda e na terça a monarquia
celebra os 50 anos de -suposto- glorioso reinado, com um
grandioso show pop em sua casa.
Todo o estúpido mundo pop foi
chamado para o evento, incluindo sexagenárias "estrelas do
rock", como sir Paul McCartney,
sir Elton John e sir Cliff Richard.
Deus nos livre de todos esses cavaleiros pop da távola quadrada.
Consegui me manter longe de
Inglaterra x Suécia usando o simples expediente de levar meus filhos para passear de moto no
campo. Era uma região bonita, o
vale de Pershore, área bem conservada bem no coração da Inglaterra. Quão adequado foi me
distrair, evitando todo o nacionalismo exacerbado, vagabundeando ao lado de caminhões
empoeirados, enquanto o sol batia nas crianças, que gritavam de
felicidade. Só descobri quem havia feito os gols quando perguntei
ao meu filho de 11 anos ontem de
manhã, pouco antes de me sentar
para escrever este texto.
Foi mais difícil me livrar do
show em comemoração ao jubileu. A casa da rainha está a poucos quilômetros da minha. Se eu
convidasse um milhão de pessoas
à minha casa para ouvir música
altíssima, teria a decência de pedir permissão antes. Mas a rainha não fez nada disso, e ainda
permitiu que estourassem fogos
de artifícios durante horas.
No dia seguinte, Mike, o taciturno indiano que toma conta do
armazém da vizinhança, indagou por que eu parecia tão mal-humorado. "Bem", disse a ele,
"sou republicano, não gosto de
futebol, e seu país natal está à
beira de detonar uma guerra nuclear". "Deu para entender?"
Will Self, 38, é autor de "Cock and Bull"
e "Quantity Theory of Insanity" e um
dos mais importantes nomes da nova
geração de escritores britânicos
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