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Lanterna da B-2, a quinta divisão do Paulista, São Bernardo caminha para ser rebaixado pelo 8º ano seguido
O pior time do mundo não é o Tabajara FC
FÁBIO VICTOR
PAULO COBOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Nos subterrâneos do futebol
paulista se encontra uma equipe
que faz o Tabajara FC, do programa humorístico "Casseta & Planeta", ou o pernambucano Íbis,
internacionalmente conhecido
como o pior time do mundo, parecerem potências do esporte.
O Esporte Clube São Bernardo
não vence há mais de um ano,
desde 21 de maio de 2000, quando
fez 1 a 0 no Tupã. De lá para cá,
disputou 27 jogos, com 23 derrotas e quatro empates, pela Série B-2, a quinta divisão do Paulista.
O catastrófico retrospecto é
uma rotina para o São Bernardo
nos últimos anos (veja quadro).
De 1994 até hoje, o clube de São
Bernardo do Campo (21 km a sudeste de São Paulo), no ABC paulista, foi último ou penúltimo colocado das últimas divisões do Estadual. Desde então, foram 195 jogos, com 136 derrotas, 39 empates
e minguadas 20 vitórias.
Caso permaneça na lanterna,
será rebaixado pelo oitavo ano
consecutivo. O time só disputa
neste ano a quinta divisão, e não a
sexta, porque, como em outras
vezes, aproveitou a desistência ou
a desclassificação de outros clubes para ficar na mesma série.
O presidente do clube, Felipe
Cheidde, o mesmo há 35 anos, admite que já quis fechar a equipe,
mas nunca o fez porque perderia
o terreno do clube, única fonte de
renda do São Bernardo, que aluga
espaços comerciais no local.
A área foi cedida ao clube por
um industrial da cidade, que, no
contrato, condicionou a doação
ao funcionamento de um time de
futebol -se a equipe parar, o vexame acaba, mas a sede também.
O dia-a-dia do "pior time do
mundo" em nada lembra a prosperidade que marca a industrializada região do ABC paulista.
No São Bernardo, todos os jogadores ganham salário mínimo. O
técnico Luiz Carlos Pressuti acumula a função de preparador físico e treinador de goleiros. Muitos
atletas vão treinar a pé ou de bicicleta e não há patrocinador.
Mas pelo menos os salários não
costumam atrasar, o clube manda
seus jogos e realiza alguns treinos
no bem cuidado estádio municipal 1º de Maio, na Vila Euclides
(berço do movimento sindical no
país), possui material de treino e
um ônibus para viagens.
Há pobreza, não miséria, situação que não difere muito -em alguns casos é bem melhor- da de
qualquer clube de quinta divisão.
Tanto que, para os jogadores, o
maior problema do time não é a
falta de estrutura. É a ruindade.
"Sinto vergonha. O time da Metodista é melhor", diz o meia Juninho, em alusão à universidade
onde estuda publicidade e propaganda. "Eles pegam jogadores de
várzea, gente sem condições técnicas", reforça o meia Zaqueu.
A série de vexames neste ano está provocando uma debandada
no São Bernardo. Só na manhã da
última quarta-feira, a reportagem
da Folha presenciou duas "deserções" durante o treino do time.
Sorumbático, o zagueiro Célio
apareceu no 1º de Maio de jeans e
camiseta para comunicar uma decisão radical: largar o futebol.
"Decidi parar. Meus amigos, os
vizinhos, o pessoal da faculdade,
todos me encontram e sou obrigado a contar que perdi de novo.
Meu pai já pergunta de quanto foi
que perdemos. Tenho vergonha."
Aos 21 anos, ele virou profissional no ano passado no próprio
São Bernardo. Nesse período a
equipe jogou 35 vezes: perdeu 28,
empatou cinco e venceu duas.
O outro abandono foi do goleiro
Rafael. Acompanhado do pai, o
taxista Agostinho dos Santos, ele
chegou ao estádio transtornado.
No último domingo, Rafael sofreu cinco gols na derrota por 5 a 1
que o São Bernardo sofreu para o
Palmeirinha, de Porto Ferreira.
Após a partida, o técnico Luiz
Carlos Pressuti criticou a atuação
do goleiro em entrevista a uma rádio de Porto Ferreira. Foi o suficiente para revoltar Rafael e seu
pai, que foram pedir a rescisão do
contrato ao supervisor do clube.
"Maltratou meu filho, amigo,
mexeu comigo. Apesar dos 5 a 1, o
Rafael foi o melhor em campo naquele dia. Mas o Pressuti disse que
ele estava abalado psicologicamente. Meu filho não joga mais
com esse treinador", disse, irado,
o pai do goleiro de 18 anos.
"Eu pago para o meu filho treinar. Ele ganha R$ 180, e eu dou R$
10 todo dia para a condução dele.
R$ 300 por mês para ouvir isso?"
O técnico tentou contemporizar. "Só disse que ele falhou, uma
crítica construtiva. É que o menino é novo. O time é muito imaturo", afirmou Pressuti, em referência à média de idade de 20 anos do
grupo -na Série B-2 só são permitidos jogadores de até 23 anos.
Há 16 anos no São Bernardo, a
maior parte do tempo como preparador físico, ele virou técnico
do time neste ano e acumulou a
função que exercia antes. Há poucas semanas o treinador de goleiros Marola deixou o clube, e Pressuti também ocupa seu lugar.
Para ele, o acúmulo de funções
não é problema. "Não atrapalha.
A gente já tem as manhas."
Entre as suas "manhas" está o
rodízio de jogadores. Do grupo de
25, todos já foram titulares.
Os métodos do treinador não
agradam aos atletas. "Ele não tem
muito jeito, mas é a única opção
do São Bernardo", diz Zaqueu.
Há três anos no time, ele é o
mais antigo do elenco. No ano
passado, Zaqueu, cujo sonho é jogar num clube grande ("Não falo
nem na seleção, mas no Corinthians"), havia decidido parar.
Em dificuldades, retornou. Os
R$ 180 são uma ajuda significativa
para ele, que caminha 16 km todo
dia para ir e voltar do treino.
Zaqueu e o resto do grupo não
gostaram de Pressuti ter afastado
dois atletas no início da semana, o
meia Luizinho e o volante Oséas,
sob a alegação de que ambos atrasaram a viagem a Porto Ferreira
por liderarem a ida do time a uma
quermesse -além de, na volta,
promoverem algazarra no ônibus, apesar da derrota de 5 a 1.
A "indisciplina" de Luizinho e
Oséas são fichinha perto do que
ocorreu em agosto de 1995, quando a polícia deteve seis atletas do
São Bernardo com uma pedra de
crack e cinco cachimbos.
Embora acredite na recuperação e diga que não se arrepende
de ter assumido a equipe, Pressuti
sugere a mudança de comando.
"Todo time que está perdendo
tem que mudar o técnico. Talvez
desse uma chacoalhada aqui."
Para o supervisor do clube, Jurandir Martins, a culpa não é de
Pressuti nem dos jogadores.
"Não tem dinheiro. E sem dinheiro não se pode fazer nada."
Desde 84 no clube, ele relembra
as glórias daquela década, quando jogadores como o zagueiro
Luís Pereira e o atacante Tião Marino defenderam o clube, que por
três vezes esteve perto de ir à primeira divisão -em 2002, dois times do ABC jogarão a Série A-1
(São Caetano e Santo André).
"Se vivi bons momentos aqui,
seria covardia ir embora agora. A
gente sempre espera dar a volta
por cima. Será que não vamos dar
a volta por cima?"
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