São Paulo, sábado, 07 de julho de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Lanterna da B-2, a quinta divisão do Paulista, São Bernardo caminha para ser rebaixado pelo 8º ano seguido

O pior time do mundo não é o Tabajara FC

FÁBIO VICTOR
PAULO COBOS


DA REPORTAGEM LOCAL

Nos subterrâneos do futebol paulista se encontra uma equipe que faz o Tabajara FC, do programa humorístico "Casseta & Planeta", ou o pernambucano Íbis, internacionalmente conhecido como o pior time do mundo, parecerem potências do esporte.
O Esporte Clube São Bernardo não vence há mais de um ano, desde 21 de maio de 2000, quando fez 1 a 0 no Tupã. De lá para cá, disputou 27 jogos, com 23 derrotas e quatro empates, pela Série B-2, a quinta divisão do Paulista.
O catastrófico retrospecto é uma rotina para o São Bernardo nos últimos anos (veja quadro).
De 1994 até hoje, o clube de São Bernardo do Campo (21 km a sudeste de São Paulo), no ABC paulista, foi último ou penúltimo colocado das últimas divisões do Estadual. Desde então, foram 195 jogos, com 136 derrotas, 39 empates e minguadas 20 vitórias.
Caso permaneça na lanterna, será rebaixado pelo oitavo ano consecutivo. O time só disputa neste ano a quinta divisão, e não a sexta, porque, como em outras vezes, aproveitou a desistência ou a desclassificação de outros clubes para ficar na mesma série.
O presidente do clube, Felipe Cheidde, o mesmo há 35 anos, admite que já quis fechar a equipe, mas nunca o fez porque perderia o terreno do clube, única fonte de renda do São Bernardo, que aluga espaços comerciais no local.
A área foi cedida ao clube por um industrial da cidade, que, no contrato, condicionou a doação ao funcionamento de um time de futebol -se a equipe parar, o vexame acaba, mas a sede também.
O dia-a-dia do "pior time do mundo" em nada lembra a prosperidade que marca a industrializada região do ABC paulista.
No São Bernardo, todos os jogadores ganham salário mínimo. O técnico Luiz Carlos Pressuti acumula a função de preparador físico e treinador de goleiros. Muitos atletas vão treinar a pé ou de bicicleta e não há patrocinador.
Mas pelo menos os salários não costumam atrasar, o clube manda seus jogos e realiza alguns treinos no bem cuidado estádio municipal 1º de Maio, na Vila Euclides (berço do movimento sindical no país), possui material de treino e um ônibus para viagens.
Há pobreza, não miséria, situação que não difere muito -em alguns casos é bem melhor- da de qualquer clube de quinta divisão.
Tanto que, para os jogadores, o maior problema do time não é a falta de estrutura. É a ruindade.
"Sinto vergonha. O time da Metodista é melhor", diz o meia Juninho, em alusão à universidade onde estuda publicidade e propaganda. "Eles pegam jogadores de várzea, gente sem condições técnicas", reforça o meia Zaqueu.
A série de vexames neste ano está provocando uma debandada no São Bernardo. Só na manhã da última quarta-feira, a reportagem da Folha presenciou duas "deserções" durante o treino do time.
Sorumbático, o zagueiro Célio apareceu no 1º de Maio de jeans e camiseta para comunicar uma decisão radical: largar o futebol.
"Decidi parar. Meus amigos, os vizinhos, o pessoal da faculdade, todos me encontram e sou obrigado a contar que perdi de novo. Meu pai já pergunta de quanto foi que perdemos. Tenho vergonha."
Aos 21 anos, ele virou profissional no ano passado no próprio São Bernardo. Nesse período a equipe jogou 35 vezes: perdeu 28, empatou cinco e venceu duas.
O outro abandono foi do goleiro Rafael. Acompanhado do pai, o taxista Agostinho dos Santos, ele chegou ao estádio transtornado.
No último domingo, Rafael sofreu cinco gols na derrota por 5 a 1 que o São Bernardo sofreu para o Palmeirinha, de Porto Ferreira.
Após a partida, o técnico Luiz Carlos Pressuti criticou a atuação do goleiro em entrevista a uma rádio de Porto Ferreira. Foi o suficiente para revoltar Rafael e seu pai, que foram pedir a rescisão do contrato ao supervisor do clube.
"Maltratou meu filho, amigo, mexeu comigo. Apesar dos 5 a 1, o Rafael foi o melhor em campo naquele dia. Mas o Pressuti disse que ele estava abalado psicologicamente. Meu filho não joga mais com esse treinador", disse, irado, o pai do goleiro de 18 anos.
"Eu pago para o meu filho treinar. Ele ganha R$ 180, e eu dou R$ 10 todo dia para a condução dele. R$ 300 por mês para ouvir isso?"
O técnico tentou contemporizar. "Só disse que ele falhou, uma crítica construtiva. É que o menino é novo. O time é muito imaturo", afirmou Pressuti, em referência à média de idade de 20 anos do grupo -na Série B-2 só são permitidos jogadores de até 23 anos.
Há 16 anos no São Bernardo, a maior parte do tempo como preparador físico, ele virou técnico do time neste ano e acumulou a função que exercia antes. Há poucas semanas o treinador de goleiros Marola deixou o clube, e Pressuti também ocupa seu lugar.
Para ele, o acúmulo de funções não é problema. "Não atrapalha. A gente já tem as manhas."
Entre as suas "manhas" está o rodízio de jogadores. Do grupo de 25, todos já foram titulares.
Os métodos do treinador não agradam aos atletas. "Ele não tem muito jeito, mas é a única opção do São Bernardo", diz Zaqueu.
Há três anos no time, ele é o mais antigo do elenco. No ano passado, Zaqueu, cujo sonho é jogar num clube grande ("Não falo nem na seleção, mas no Corinthians"), havia decidido parar.
Em dificuldades, retornou. Os R$ 180 são uma ajuda significativa para ele, que caminha 16 km todo dia para ir e voltar do treino.
Zaqueu e o resto do grupo não gostaram de Pressuti ter afastado dois atletas no início da semana, o meia Luizinho e o volante Oséas, sob a alegação de que ambos atrasaram a viagem a Porto Ferreira por liderarem a ida do time a uma quermesse -além de, na volta, promoverem algazarra no ônibus, apesar da derrota de 5 a 1.
A "indisciplina" de Luizinho e Oséas são fichinha perto do que ocorreu em agosto de 1995, quando a polícia deteve seis atletas do São Bernardo com uma pedra de crack e cinco cachimbos.
Embora acredite na recuperação e diga que não se arrepende de ter assumido a equipe, Pressuti sugere a mudança de comando. "Todo time que está perdendo tem que mudar o técnico. Talvez desse uma chacoalhada aqui."
Para o supervisor do clube, Jurandir Martins, a culpa não é de Pressuti nem dos jogadores.
"Não tem dinheiro. E sem dinheiro não se pode fazer nada."
Desde 84 no clube, ele relembra as glórias daquela década, quando jogadores como o zagueiro Luís Pereira e o atacante Tião Marino defenderam o clube, que por três vezes esteve perto de ir à primeira divisão -em 2002, dois times do ABC jogarão a Série A-1 (São Caetano e Santo André).
"Se vivi bons momentos aqui, seria covardia ir embora agora. A gente sempre espera dar a volta por cima. Será que não vamos dar a volta por cima?"



Texto Anterior: Paysandu: Após título, time contrata reforços
Próximo Texto: Perto dele, atual equipe do Íbis é um esquadrão
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.