São Paulo, sábado, 07 de agosto de 2010

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Dedo na ferida

Mano Menezes aponta erros de estrutura na CBF, como Granja Comary obsoleta, falta de plano único para divisão de base e falta de acompanhamento de jogadores

MARTÍN FERNANDEZ
RODRIGO MATTOS
DE SÃO PAULO

Dunga e Felipe Mello são apontados como culpados pelo fracasso na Copa-2010.
Carlos Alberto Parreira e Roberto Carlos foram os vilões da vez no Mundial de 2006.
O diagnóstico se alastrou pela maior parte da mídia e refletiu-se no público. Os técnicos também sofreram ataques públicos do presidente da CBF, Ricardo Teixeira.
Mas esse não é o diagnóstico feito pelo novo treinador da seleção, Mano Menezes, em entrevista à Folha.
Para ele, falhas na organização da CBF pesaram nas duas eliminações. A falta de planejamento do trabalho na divisão de base, a de infraestrutura na Granja Comary e a de acompanhamento dos atletas da seleção no exterior são apontadas como erros.
Segundo o técnico, a confederação tem a mesma visão e já prepara mudanças.
Em campo, Mano disse que é preciso tempo e uma base para montar um time dominante e com posse de bola como a Espanha.

Folha - Já tem uma rotina como técnico da seleção? Mano Menezes - Interajo com as instituições antes de propor qualquer alteração ou nova maneira de trabalhar. Justamente para não chegar com aquela arrogância. Chega, quer tudo novo, destrói tudo, como se a gente fosse o único a saber como funciona.

Como vai ser o relacionamento com os jogadores?
Muito próximo, mesmo. Muitas vezes você não conta com a boa vontade do clube. Então, para não incorrer nesse risco maior, é bom sempre estabelecer uma relação muito próxima com os jogadores. Para isso, em determinados momentos, vamos viajar. Em outros momentos, vamos expor projetos que temos aos clubes. Falo especificamente sobre a seleção olímpica.

Como convencer os clubes?
A Olimpíada não é um torneio reconhecido pela Fifa. Existe até a intenção contrária: de a Fifa não valorizar o torneio olímpico para não esvaziar a Copa. Então você precisa estabelecer uma ideia de que vai ser bom para o clube que determinado jogador esteja na Olimpíada como valorização. E, para isso, é preciso mostrar organização, projeto sério, deixar claro o período em que os atletas estarão à disposição.

Houve um jogador que não queria jogar nesta primeira convocação...

Não foi assim. Estamos em pré-temporada. O que nós fizemos: fizemos uma pré-lista de 55 jogadores, um contato prévio. Não falamos que seriam convocados. Apenas perguntamos se estavam em condições de serem. Fomos nós que, a partir dessa informação, soubemos quem não seria convocado.

Você já sabia sobre a operação de Kaká?
Sabíamos da informação pelo doutor Runco [médico da seleção]. Já era uma situação que vinha nos últimos dias sendo analisada.

Conversou com Kaká desde que assumiu a seleção?
Não. Porque os jogadores que jogaram a Copa, os mais titulares, que se desgastarammais, que se expuseram mais, eu tinha uma ideia de nesse primeiro momento de não inclui-los. Exatamente por isso: perde uma possibilidade de ser campeão, o desgaste é inevitável, jogadores já com trajetória na seleção...

Há um limite de idade máxima para jogar a Copa?
Usou-se muito o exemplo da Alemanha, que jogou uma Copa muito boa, e que tinha como média de idade 24, 23, 25 anos. E aí, comparativamente com a nossa, se estabeleceu que a nossa estavanuma média mais alta do que todas. Mas eu penso que vai depender muito do rendimento dos jogadores quando estiverem próximos de uma Copa. Não deve ter um limitador. Mas me parece que a média, a situação normal, é que seja um pouco mais abaixo do que foi na [Copa] passada.

A seleção de Dunga era fechada sobre o ponto de vista de informação. Como vai ser a sua seleção?
A seleção brasileira é um dos assuntos que mais interessam ao povo brasileiro. A grande maioria das informações você pode tranquilamente tornar pública. Existem outras pequenas informações, num número muito menor, que você guarda. Porque é assim o jogo. Não sou técnico de fechar ou podar este ou aquele. Temos que ser responsáveis, porque cada um vai ocupar uma parte importante da seleção, que é nossa como um todo.

É a segunda Copa em que o diagnóstico é que tudo foi errado. Você tem diagnóstico?
Embora de maneiras diferentes de conduta, as duas últimas seleções tiveram trajetórias muito parecidas. Nós vencemos quase tudo até a Copa. E não fizemos uma grande Copa. Falo de maneiras diferentes, porque a outra se falou que foi tudo muito aberto, que não nos preparamos adequadamente. E nesta falamos exatamente o contrário, tudo muito fechado, e isso atrapalhou. O que prova que talvez não seja nem por uma situação nem por outra. Parece a mim que é isso que temos que prestar atenção, procurar as causas. Por que não chegamos tão bem? Por que nossos principais jogadores não chegaram tão bem? Provavelmente existe uma relação com as suas temporadas europeias.

Talvez tenhamos que cuidar individualmente de nossos jogadores, nos seus clubes. Mais do que fazemos hoje. Porque temos informações que em termos de recuperação, os nossos jogadores estão tendo dificuldade na Europa, porque o trabalho é diferente, porque as concepções são diferentes de recuperação de um jogador, muitos deles vêm ao Brasil...

Pretende mandar mais profissionais à Europa para isso?
É difícil trazer os jogadores para cá porque há uma desconfiança muito grande dos clubes. Eles têm contratos com os clubes e precisam estar lá. Então talvez tenhamos que fazer o inverso. Já acontece isso em alguns casos. E agora, na conversa que tivemos, discutimos internamente com a confederação, temos essa visão. Muitos deles encontraram dificuldades, e há pouco tempo você citou o Kaká. Foi um deles.

Pela sua leitura, para além da mídia, houve problemas técnicos, estruturais, ligados ao rendimento em campo?
Claro, claro. Isso é assim. Esses jogadores, a grande maioria, fez parte dessa sequência muito boa. Se a gente olhar para trás, na outra Copa do Mundo, também. Ganhamos a Copa das Confederações, um ano antes, e a outra também. E eram praticamente os mesmos jogadores. E neste um ano as coisas aconteceram, nós temos que investigar bem. Há coisas aleatórias, mas tem coisas que são padrão, e tem que atacar aquilo que se repetiu.

Você pretende ter influência na escolha dos adversários em amistosos da seleção?
Na temporada europeia, nas eliminatórias, vai acontecer que uma das seleções que fica sobrando. E sempre uma vai sobrar, essa geralmente vai ser a preferência do amistoso pelo nível técnico, porque é importante. Já que não jogaremos as eliminatórias, vamos estabelecer um grau de exigência maior.

Sua chegada sinaliza um estilo mais ofensivo e brasileiro. Até que ponto o pragmatismo de obter resultados para se manter vai interferir?
Não tenho ilusões quanto a isso. Considero o resultado parte importante do trabalho de afirmação de um trabalho. Objetivamente, não vamos poder ficar perdendo para todo mundo e achar que as coisas estão bem e que tudo não vai mudar porque o plano e a ideia são bons.

Você tem uma ideia de como quer que seu time jogue? O time do Dunga ficou caracterizado pelo contra-ataque.
A grande maioria das seleções jogou em contra-ataque na Copa. Até a Alemanha, que eu gostei muito, jogou no contra-ataque. A exceção foi a Espanha. Que era a equipe que trabalhava a posse de bola no campo do adversário. E que, quando perdia a bola, fazia marcação pressão para fazer a retomada dentro do campo do adversário. A gente não consegue isso porque quer. Não basta boa intenção. A Espanha chegou a esse ponto depois de muito tempo, com a confirmação da Euro. Também trouxe a base do Barcelona. Nós ainda não temos a base de uma equipe brasileira assim. Tivemos os primeiros passos do Santos, que infelizmente já começa a se desmanchar.

Precisamos ter mais sustentação para jogar assim e ficar próximo da vitória.

Nesta rotina de reuniões, qual sua primeira impressão sobre Ricardo Teixeira?
Minha impressão foi boa. Trata as questões bem objetivas. Dá respaldo para quem trabalha. Com relação à confederação, fiz uma visita à Granja Comary. Estamos um pouquinho defasados nos aspectos estruturais, o que já era de conhecimento da CBF.

Por exemplo, aparelhos, fisioterapia?
Campos, aparelhos, dependências onde os jogadores ficam. É natural, porque o local já tem 23 anos.

Os últimos treinadores viraram vilões. A CBF os criticou. Preocupa o fato de você ser o próximo quando há outros problemas?
Não é só o meu diagnóstico. Ele existe dentro da confederação. Precisamos cuidar um pouco com o que é exteriorizado e com aquilo que se pensa mesmo. Essa situação só comprova a necessidade de reestruturação, que é uma consciência geral. É inadmissível que se trabalhe durante quatro anos e se descubra depois de quatro anos que alguém não era a pessoa. Nós precisamos descobrir isso mais rápido.

Houve pedido seu à CBF?
A ideia inicial era que haveria renovação. Digo que é importante. E que esse talvez seja o maior erro: a gente convidava um técnico para a seleção sub-20, um para a sub-17 e um para a principal e cada um fazia o trabalho como achava que devia. A dissonância na forma como cada um vê o trabalho é muito maléfica. Queremos definir uma linha, metodologia. Na seleção principal, devemos ter atleta que provavelmente foi da sub-20, da sub-17.


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