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ENTREVISTA DA 2ª
PATRÍCIA AMORIM
Meu técnico dizia: "Você é homem". E isso era um elogio para mim
A ex-nadadora e atual presidente do Flamengo diz que, para ser aceita como cartola, não precisa usar lógica masculina
DOIS MESES após chegar à presidência do
clube mais popular do país, Patrícia Amorim, 41, ainda não se deu conta do que representa simbolicamente ser mulher e
prosperar em um universo tão marcadamente masculino -e machista- quanto o futebol. "Não parei para
pensar nisso. Não deu tempo. Acho até bom. Se parasse, talvez chegaria à conclusão de que, de repente, cheguei longe demais, e essa não é a ideia", afirma.
MARIANA BASTOS
ENVIADA ESPECIAL AO RIO
Seja na sede do Flamengo, na
Câmara dos Vereadores do Rio
ou em casa, a ex-nadadora vive
cercada por homens. Na entrevista à Folha, Patrícia Amorim,
que também é vereadora pelo
PSDB, conta que tem que apresentar "o dobro de resultados"
para ser aceita em um universo
profissional masculino.
E, como outras tantas mulheres que hoje celebram o Dia
Internacional da Mulher, Patrícia acaba tendo que sacrificar seu convívio com os quatro
filhos em prol de sua carreira.
Mesmo assim, ela já pensa na
reeleição daqui a três anos.
FOLHA - Depois de dois meses como presidente de um clube de futebol, você sentiu a materialização de
algum tipo de preconceito?
PATRÍCIA AMORIM - Continuo
sentindo, mas na campanha foi
mais gritante. Eu ouvia pessoas
falando: "Não voto em mulher".
E, na campanha, existiam candidatos que eram mais agressivos. Diziam que quem ia ser o
presidente era o meu marido [o
economista Fernando Sihman], porque eu não teria tempo. E, como sempre estive no
ambiente masculino, isso para
mim era motivação.
FOLHA - Você já lidava com tantos
homens na natação?
PATRÍCIA - Quando eu nadava,
nos anos 80, as mães rejeitavam a natação porque a mulher
fica com ombro largo, forte,
masculinizada. Até a minha
mãe tinha esse conceito. E, para ser a melhor nadadora, eu tinha que treinar com os homens. No treino, meu técnico
dizia: "Patrícia, você é homem".
Aquilo era um elogio para mim.
Sou muito resolvida com isso,
mas o que ele dizia representava que eu tinha chegado lá.
FOLHA - Para ter sucesso em um
campo dominado por homens, é necessário ter uma lógica masculina?
PATRÍCIA - Não necessariamente, mas a mulher tem que ter o
dobro do resultado para ser
aceita. Mas não é porque você
está num universo masculino
que você tem que adotar uma
postura masculina. Sei que tenho uma contribuição a dar
com a minha sensibilidade.
FOLHA - Você entra no vestiário?
PATRÍCIA - Nunca quis. Posso
entrar a hora que eu quiser,
mas não quero. Fico na porta.
Então, quando estou ali, uns
apertam a minha mão, uns me
dão beijo no rosto. Cada um
tem um jeito de lidar comigo.
Acho que eles se sentem mais
incomodados com a minha presença. Então, os palavrões são
medidos, ou se tem palavrão,
depois vem um pedido de desculpa. E eu acho isso legal.
FOLHA - Com a ausência de punição a Adriano pelas faltas nos treinos, você não teme que o clube fique refém dos caprichos dele?
PATRÍCIA - Determinados jogadores, como o Adriano, abrem
mão de ganhar milhões para jogar num clube. Esse "abrir
mão" faz com que o clube tenha que dar uma certa liberdade. Ele é tratado de uma maneira diferente porque de fato
ele é um jogador diferenciado.
E ele só é tratado dessa forma
porque a comissão técnica e os
jogadores passam para mim
que esse é o melhor caminho.
Então eu divido a responsabilidade com o grupo. Se não estiver atrapalhando a equipe, os
outros não estiverem se sentido incomodados e o resultado
estiver aparecendo, tenho que
analisar com outro prisma.
Mas, se eu sentir que as atitudes dele atrapalham o Flamengo, haverá punição.
FOLHA - Você acredita que em três
anos de mandato conseguirá reduzir em quanto a dívida de R$ 333 milhões do Flamengo?
PATRÍCIA - Não sei dizer ainda
quanto vou reduzir, mas já tenho previsão de aumento de receita para os próximos três
anos. A minha meta é chegar ao
final de 2010 com receitas de
R$ 160 milhões, que é maior do
que os R$ 148 milhões previstos. Em 2011, quero me aproximar dos R$ 200 milhões e, no
terceiro ano, dos R$ 250 milhões. Isso é uma loucura? Não
é. Quero aumentar o quadro associativo, fazer um controle
maior das despesas e promover
um investimento maior no departamento de marketing. É
inacreditável que o Flamengo
receba por ano de royalties por
produtos licenciados um quarto do que o São Paulo recebe. O
Flamengo vende infinitamente
mais do que o São Paulo.
FOLHA - Já teve muitas reuniões
com outros dirigentes? Já se sentiu
intimidada por algum deles?
PATRÍCIA - Tive, mas não tanto
assim. Geralmente encontro,
cumprimento, falo. Mais os do
Rio mesmo. Não me sinto nem
um pouco intimidada. Sei que
alguns são grosseiros, mas eu
sou vereadora. Tenho assunto
para lidar com pessoas de todos
os níveis e com a diversidade.
FOLHA - Qual a sua avaliação sobre
Luiz Gonzaga Belluzzo, que, quando
assumiu o Palmeiras, era tido como
modelo de cartola moderno?
PATRÍCIA - A única crítica que
posso fazer é que, em determinado momento, ele foi torcedor. O Palmeiras ia ser campeão, tinha o melhor elenco, e
de repente ele chutou o balde.
FOLHA - Você se refere ao fato de
ele ter dito "Morte aos bâmbis" à torcida organizada do Palmeiras?
PATRÍCIA - É, é isso. Eu não queria falar, mas, quando você se
comporta como torcedor... A
coisa degringolou. Para ele, foi
pior porque não se esperava isso, e o efeito veio em dobro.
FOLHA - Entre a Câmara de Vereadores e o Flamengo, qual é a sua
prioridade?
PATRÍCIA - É o Flamengo. Minha posição sempre foi muito
clara. O eleitor que vota em
mim tem total entendimento
que eu tenho uma relação estreitíssima com essa instituição. E nem por isso eu faço alguma coisa errada para privilegiar o Flamengo. Jogo muito
limpo. Sei que não vou agradar
a todos, talvez eu não agrade
aos vascaínos.
FOLHA - Você sentiu em algum
momento que não conseguiria conciliar suas duas atividades?
PATRÍCIA - Não tem necessidade. Dou muita atenção à Câmara e ao Flamengo. Eu dou pouca
atenção à minha família. Além
disso, não tenho mais lazer. O
máximo que eu consigo fazer é
ir às vezes ao cinema, a uma
pré-estreia à meia-noite.
FOLHA - Quando você decidiu se
candidatar, sua família estava ciente de que acabaria sacrificada?
PATRÍCIA - Sabia. O meu filho
mais velho foi o primeiro a fazer campanha, o primeiro a ficar na boca de urna que nem
um maluco, então tem o ônus e
tem o bônus. Os gêmeos, coitados... Fiz minha primeira campanha para vereadora quando
eu estava grávida deles, então
minha vida desde sempre foi
uma eterna corrida. Agora, o
pequeno é que está mais enrolado. Mas a gente está tocando.
FOLHA - Você acha que aguenta
uma reeleição para mais três anos?
PATRÍCIA - Sim. Se eu fizer uma
boa gestão, por que não?
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