São Paulo, segunda-feira, 08 de março de 2010

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ENTREVISTA DA 2ª

PATRÍCIA AMORIM

Meu técnico dizia: "Você é homem". E isso era um elogio para mim

A ex-nadadora e atual presidente do Flamengo diz que, para ser aceita como cartola, não precisa usar lógica masculina

DOIS MESES após chegar à presidência do clube mais popular do país, Patrícia Amorim, 41, ainda não se deu conta do que representa simbolicamente ser mulher e prosperar em um universo tão marcadamente masculino -e machista- quanto o futebol. "Não parei para pensar nisso. Não deu tempo. Acho até bom. Se parasse, talvez chegaria à conclusão de que, de repente, cheguei longe demais, e essa não é a ideia", afirma.

MARIANA BASTOS
ENVIADA ESPECIAL AO RIO

Seja na sede do Flamengo, na Câmara dos Vereadores do Rio ou em casa, a ex-nadadora vive cercada por homens. Na entrevista à Folha, Patrícia Amorim, que também é vereadora pelo PSDB, conta que tem que apresentar "o dobro de resultados" para ser aceita em um universo profissional masculino.
E, como outras tantas mulheres que hoje celebram o Dia Internacional da Mulher, Patrícia acaba tendo que sacrificar seu convívio com os quatro filhos em prol de sua carreira. Mesmo assim, ela já pensa na reeleição daqui a três anos.

 

FOLHA - Depois de dois meses como presidente de um clube de futebol, você sentiu a materialização de algum tipo de preconceito?
PATRÍCIA AMORIM -
Continuo sentindo, mas na campanha foi mais gritante. Eu ouvia pessoas falando: "Não voto em mulher". E, na campanha, existiam candidatos que eram mais agressivos. Diziam que quem ia ser o presidente era o meu marido [o economista Fernando Sihman], porque eu não teria tempo. E, como sempre estive no ambiente masculino, isso para mim era motivação.

FOLHA - Você já lidava com tantos homens na natação?
PATRÍCIA -
Quando eu nadava, nos anos 80, as mães rejeitavam a natação porque a mulher fica com ombro largo, forte, masculinizada. Até a minha mãe tinha esse conceito. E, para ser a melhor nadadora, eu tinha que treinar com os homens. No treino, meu técnico dizia: "Patrícia, você é homem". Aquilo era um elogio para mim. Sou muito resolvida com isso, mas o que ele dizia representava que eu tinha chegado lá.

FOLHA - Para ter sucesso em um campo dominado por homens, é necessário ter uma lógica masculina?
PATRÍCIA -
Não necessariamente, mas a mulher tem que ter o dobro do resultado para ser aceita. Mas não é porque você está num universo masculino que você tem que adotar uma postura masculina. Sei que tenho uma contribuição a dar com a minha sensibilidade.

FOLHA - Você entra no vestiário?
PATRÍCIA -
Nunca quis. Posso entrar a hora que eu quiser, mas não quero. Fico na porta.
Então, quando estou ali, uns apertam a minha mão, uns me dão beijo no rosto. Cada um tem um jeito de lidar comigo.
Acho que eles se sentem mais incomodados com a minha presença. Então, os palavrões são medidos, ou se tem palavrão, depois vem um pedido de desculpa. E eu acho isso legal.

FOLHA - Com a ausência de punição a Adriano pelas faltas nos treinos, você não teme que o clube fique refém dos caprichos dele?
PATRÍCIA -
Determinados jogadores, como o Adriano, abrem mão de ganhar milhões para jogar num clube. Esse "abrir mão" faz com que o clube tenha que dar uma certa liberdade. Ele é tratado de uma maneira diferente porque de fato ele é um jogador diferenciado.
E ele só é tratado dessa forma porque a comissão técnica e os jogadores passam para mim que esse é o melhor caminho.
Então eu divido a responsabilidade com o grupo. Se não estiver atrapalhando a equipe, os outros não estiverem se sentido incomodados e o resultado estiver aparecendo, tenho que analisar com outro prisma. Mas, se eu sentir que as atitudes dele atrapalham o Flamengo, haverá punição.

FOLHA - Você acredita que em três anos de mandato conseguirá reduzir em quanto a dívida de R$ 333 milhões do Flamengo?
PATRÍCIA -
Não sei dizer ainda quanto vou reduzir, mas já tenho previsão de aumento de receita para os próximos três anos. A minha meta é chegar ao final de 2010 com receitas de R$ 160 milhões, que é maior do que os R$ 148 milhões previstos. Em 2011, quero me aproximar dos R$ 200 milhões e, no terceiro ano, dos R$ 250 milhões. Isso é uma loucura? Não é. Quero aumentar o quadro associativo, fazer um controle maior das despesas e promover um investimento maior no departamento de marketing. É inacreditável que o Flamengo receba por ano de royalties por produtos licenciados um quarto do que o São Paulo recebe. O Flamengo vende infinitamente mais do que o São Paulo.

FOLHA - Já teve muitas reuniões com outros dirigentes? Já se sentiu intimidada por algum deles?
PATRÍCIA -
Tive, mas não tanto assim. Geralmente encontro, cumprimento, falo. Mais os do Rio mesmo. Não me sinto nem um pouco intimidada. Sei que alguns são grosseiros, mas eu sou vereadora. Tenho assunto para lidar com pessoas de todos os níveis e com a diversidade.

FOLHA - Qual a sua avaliação sobre Luiz Gonzaga Belluzzo, que, quando assumiu o Palmeiras, era tido como modelo de cartola moderno?
PATRÍCIA -
A única crítica que posso fazer é que, em determinado momento, ele foi torcedor. O Palmeiras ia ser campeão, tinha o melhor elenco, e de repente ele chutou o balde.

FOLHA - Você se refere ao fato de ele ter dito "Morte aos bâmbis" à torcida organizada do Palmeiras?
PATRÍCIA -
É, é isso. Eu não queria falar, mas, quando você se comporta como torcedor... A coisa degringolou. Para ele, foi pior porque não se esperava isso, e o efeito veio em dobro.

FOLHA - Entre a Câmara de Vereadores e o Flamengo, qual é a sua prioridade?
PATRÍCIA -
É o Flamengo. Minha posição sempre foi muito clara. O eleitor que vota em mim tem total entendimento que eu tenho uma relação estreitíssima com essa instituição. E nem por isso eu faço alguma coisa errada para privilegiar o Flamengo. Jogo muito limpo. Sei que não vou agradar a todos, talvez eu não agrade aos vascaínos.

FOLHA - Você sentiu em algum momento que não conseguiria conciliar suas duas atividades?
PATRÍCIA -
Não tem necessidade. Dou muita atenção à Câmara e ao Flamengo. Eu dou pouca atenção à minha família. Além disso, não tenho mais lazer. O máximo que eu consigo fazer é ir às vezes ao cinema, a uma pré-estreia à meia-noite.

FOLHA - Quando você decidiu se candidatar, sua família estava ciente de que acabaria sacrificada?
PATRÍCIA -
Sabia. O meu filho mais velho foi o primeiro a fazer campanha, o primeiro a ficar na boca de urna que nem um maluco, então tem o ônus e tem o bônus. Os gêmeos, coitados... Fiz minha primeira campanha para vereadora quando eu estava grávida deles, então minha vida desde sempre foi uma eterna corrida. Agora, o pequeno é que está mais enrolado. Mas a gente está tocando.

FOLHA - Você acha que aguenta uma reeleição para mais três anos?
PATRÍCIA -
Sim. Se eu fizer uma boa gestão, por que não?


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