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FUTEBOL
Taquicardia, julgamentos e sorrisos
SONINHA
COLUNISTA DA FOLHA
Taquicardia , boca seca,
olhos esbugalhados. Mãos
frias, sensação de pânico, respiração acelerada. Vontade de fechar
os olhos, incapacidade de desviar
a atenção.
A imagem de um torcedor diante de um aparelho de televisão é a
de quem presencia uma cena horrível, ou teme pela própria vida.
Arrancar os cabelos, gritar, chorar: em quais situações um homem crescido passa por isso?
Quando nasce o primeiro filho?
Quando morre o melhor amigo? É
mais provável que ele se descontrole assistindo a uma partida decisiva de futebol.
Por que, meu são Domingos,
por que sofrer tanto se uma bola
entra (ou não entra) na casinha
formada por três paus?
Outro dia, li um artigo de revista científica que dizia que ainda
se sabe muito pouco sobre as razões pelas quais os humanos gostam tanto de música; qual o efeito
das diferentes melodias no cérebro e a relação disso com as preferências de cada um. Imagine
quanto falta para descobrir por
que um país gosta tanto de um esporte, envolvendo-se com ele mais
que com qualquer outro. Mais
que com qualquer outra coisa!
Por que o Brasil (negro, índio,
europeu, árabe, japonês...) é tão
refém desta paixão pelo esporte
bretão?
Vejo um ginásio lotado para
uma partida de hóquei no gelo e
não entendo como tanta gente
gosta daquilo; de onde veio o interesse, o que eles vêem que eu não
vejo? No mundo todo, apesar de
todo conforto ou injustiça, toda
guerra e desonestidade, todo progresso ou "progresso", milhares de
pessoas estão sofrendo amargamente porque seus times de basquete, rúgbi, futebol americano
ou beisebol perderam para o
maior rival, foram eliminados no
último minuto ou sucumbiram
no seu melhor momento.
Seu envolvimento com esses esportes é tão alienígena para mim
quanto o meu amor por futebol é
incompreensível para eles.
Final de campeonato deve motivar tantas "resoluções de ano
novo" quanto a própria virada do
milênio. Imagino milhões de sobreviventes (e não só os perdedores) fazendo promessas: nunca
mais passarei por isso. Da próxima vez, não vou me envolver tanto. O que eu ganho com isso? O
que eu tenho a ver com aqueles
onze caras?
Assim como as juras de amor, a
firme determinação de nunca
mais brigar, de largar o cigarro
ou começar a fazer ginástica, a
promessa só dura até a próxima
campanha promissora do time
adorado.
Alguém quer apostar?
Se uns gostam de uma música e
outros detestam; uns apostam em
um político que outros consideram uma ameaça; uns compram
os livros que outros jogariam na
fogueira, não poderia ser de outro
jeito: cada um vê o jogo de futebol
da sua maneira.
Mesmo pessoas que têm informações semelhantes, uma cultura
muito próxima e os mesmos hábitos de julgamento têm opiniões
opostas sobre a mesma partida.
Um jornal diz que tal jogador
esforçou-se e causou problemas
ao adversário; outro diz que ele
estava em péssimo dia e não devia ter jogado.
Terça-feira, assistindo ao jogo
histórico (sim, foi mais um deles!)
pela televisão, palmeirenses reclamavam: "Por que, para o Corinthians, parece tudo tão fácil? Tocam a bola, avançam, e em três
toques já estão na nossa área. O
Palmeiras pena para passar do
meio-de-campo e logo perde a bola. Cadê o Galeano? César Sampaio está morto! Como o Euller
perde a bola!".
Ao lado, torcedores corintianos
desesperavam-se: "O Corinthians
deixa o Palmeiras fazer o que quiser! Nem parece que o nosso time
é melhor que o deles, que é todo
remendado! Ninguém marca esses caras? Estamos tomando um
baile!".
É difícil não enxergar mais defeitos em seu time do que no outro. Principalmente se a sua equipe perde.
Mas, assim como a derrota em
Tóquio não podia significar que a
"Era Luiz Felipe" era um fracasso, a desclassificação do Corinthians não pode, de jeito nenhum,
"provar" que o Oswaldo não é e
nunca foi bom técnico, que o time
está em decadência, que é "doméstico" ou outra bobagem "definitiva" qualquer.
Se o Marcos não defendesse o
último pênalti -um pênalti apenas- jogadores, dirigentes e o
técnico do Palmeiras estariam,
hoje, condenados ao paredão dos
julgamentos implacáveis: o Euller
é fominha e não tem categoria;
César Sampaio não é mais sombra do que era; Galeano nunca
serviu para nada; Alex "dorme" e
não decide; Felipão é ultrapassado com seu jeito "feio" de jogar; a
Parmalat errou em não reforçar o
time com craques. Todas essas seriam as conclusões inevitáveis da
derrota na semifinal da Libertadores... Agora, temporariamente,
aplicadas ao time adversário.
E-mail
soninha.folha@uol.com.br
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