São Paulo, quinta-feira, 08 de junho de 2000


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FUTEBOL
Taquicardia, julgamentos e sorrisos

SONINHA
COLUNISTA DA FOLHA

Taquicardia , boca seca, olhos esbugalhados. Mãos frias, sensação de pânico, respiração acelerada. Vontade de fechar os olhos, incapacidade de desviar a atenção.
A imagem de um torcedor diante de um aparelho de televisão é a de quem presencia uma cena horrível, ou teme pela própria vida.
Arrancar os cabelos, gritar, chorar: em quais situações um homem crescido passa por isso? Quando nasce o primeiro filho? Quando morre o melhor amigo? É mais provável que ele se descontrole assistindo a uma partida decisiva de futebol.
Por que, meu são Domingos, por que sofrer tanto se uma bola entra (ou não entra) na casinha formada por três paus?
Outro dia, li um artigo de revista científica que dizia que ainda se sabe muito pouco sobre as razões pelas quais os humanos gostam tanto de música; qual o efeito das diferentes melodias no cérebro e a relação disso com as preferências de cada um. Imagine quanto falta para descobrir por que um país gosta tanto de um esporte, envolvendo-se com ele mais que com qualquer outro. Mais que com qualquer outra coisa!
Por que o Brasil (negro, índio, europeu, árabe, japonês...) é tão refém desta paixão pelo esporte bretão?
Vejo um ginásio lotado para uma partida de hóquei no gelo e não entendo como tanta gente gosta daquilo; de onde veio o interesse, o que eles vêem que eu não vejo? No mundo todo, apesar de todo conforto ou injustiça, toda guerra e desonestidade, todo progresso ou "progresso", milhares de pessoas estão sofrendo amargamente porque seus times de basquete, rúgbi, futebol americano ou beisebol perderam para o maior rival, foram eliminados no último minuto ou sucumbiram no seu melhor momento.
Seu envolvimento com esses esportes é tão alienígena para mim quanto o meu amor por futebol é incompreensível para eles.
Final de campeonato deve motivar tantas "resoluções de ano novo" quanto a própria virada do milênio. Imagino milhões de sobreviventes (e não só os perdedores) fazendo promessas: nunca mais passarei por isso. Da próxima vez, não vou me envolver tanto. O que eu ganho com isso? O que eu tenho a ver com aqueles onze caras?
Assim como as juras de amor, a firme determinação de nunca mais brigar, de largar o cigarro ou começar a fazer ginástica, a promessa só dura até a próxima campanha promissora do time adorado.
Alguém quer apostar?

Se uns gostam de uma música e outros detestam; uns apostam em um político que outros consideram uma ameaça; uns compram os livros que outros jogariam na fogueira, não poderia ser de outro jeito: cada um vê o jogo de futebol da sua maneira.
Mesmo pessoas que têm informações semelhantes, uma cultura muito próxima e os mesmos hábitos de julgamento têm opiniões opostas sobre a mesma partida.
Um jornal diz que tal jogador esforçou-se e causou problemas ao adversário; outro diz que ele estava em péssimo dia e não devia ter jogado.
Terça-feira, assistindo ao jogo histórico (sim, foi mais um deles!) pela televisão, palmeirenses reclamavam: "Por que, para o Corinthians, parece tudo tão fácil? Tocam a bola, avançam, e em três toques já estão na nossa área. O Palmeiras pena para passar do meio-de-campo e logo perde a bola. Cadê o Galeano? César Sampaio está morto! Como o Euller perde a bola!".
Ao lado, torcedores corintianos desesperavam-se: "O Corinthians deixa o Palmeiras fazer o que quiser! Nem parece que o nosso time é melhor que o deles, que é todo remendado! Ninguém marca esses caras? Estamos tomando um baile!".
É difícil não enxergar mais defeitos em seu time do que no outro. Principalmente se a sua equipe perde.
Mas, assim como a derrota em Tóquio não podia significar que a "Era Luiz Felipe" era um fracasso, a desclassificação do Corinthians não pode, de jeito nenhum, "provar" que o Oswaldo não é e nunca foi bom técnico, que o time está em decadência, que é "doméstico" ou outra bobagem "definitiva" qualquer.
Se o Marcos não defendesse o último pênalti -um pênalti apenas- jogadores, dirigentes e o técnico do Palmeiras estariam, hoje, condenados ao paredão dos julgamentos implacáveis: o Euller é fominha e não tem categoria; César Sampaio não é mais sombra do que era; Galeano nunca serviu para nada; Alex "dorme" e não decide; Felipão é ultrapassado com seu jeito "feio" de jogar; a Parmalat errou em não reforçar o time com craques. Todas essas seriam as conclusões inevitáveis da derrota na semifinal da Libertadores... Agora, temporariamente, aplicadas ao time adversário. E-mail
soninha.folha@uol.com.br

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