São Paulo, domingo, 08 de agosto de 2004

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393 d.c. a 1896 d.c.

No hiato olímpico de mais de 1.500 anos, o mundo driblou a Igreja Católica

Jogos proibidos

DO PAINEL FC

Entre 393 d.C., quando um decreto de Teodósio 1º baniu os Jogos Antigos, e 1896, ano da primeira Olimpíada da era moderna, as práticas esportivas foram, na maior parte do mundo civilizado, atividades marginais.
A decisão do imperador romano foi causada por pressões da Igreja Católica, sob o argumento de que as competições helênicas eram uma expressão do paganismo. Naquele momento os Jogos já não tinham o esplendor de outrora, talvez nem mais existissem oficialmente -os últimos campeões conhecidos são de 369 d.C.
O Império Romano no Ocidente ruiu pouco menos de um século depois da proibição, mas permaneceu o poder do catolicismo.
Em 1.503 anos de paralisação olímpica, essa autoridade tornou transgressores os que se atreveram a jogar. Por motivos óbvios, na Europa é que foi travada a queda-de-braço entre povo e clero.
Num primeiro momento, o corpo, maligno e depreciado em detrimento do espírito, só tem valor quando é usado para atividades guerreiras. Dos séculos 5º ao 12, predominam então os torneios militares, com destaque para justas (combate de lança entre cavaleiros) e provas de arco-e-flecha. Nesse período também joga-se xadrez, provável influência árabe, e pelo menos um dos antepassados do futebol, o "harpastum". Muito violento -outro motivo para que fosse proibido-, era praticado em Roma, com uma bola de couro cheia de areia, e podiam-se usar os pés e as mãos.
"Só a partir do século 12, com a expansão do feudalismo e a consolidação dos centros urbanos, a prática de modalidades lúdicas proibidas pelo cristianismo volta a ser tolerada", explica o professor de história da USP Flávio de Campos, pós-doutorando em jogos medievais e co-autor da coleção "O Jogo na História" (editora Moderna, quatro volumes).
Teólogos como São Tomás de Aquino e Hugo de São Vítor passam a defender a prática de jogos.
Há registros de que na Itália dos séculos 13 e 14 havia, além do "calcio", provas eqüestres e regatas. No século 15, até alguns papas organizavam corridas no centro de Roma, com prêmios para os vencedores, relata, em seu "História dos Esportes" (sem edição no Brasil), o alemão Carl Diem.
Os ancestrais do futebol atuaram na abertura. Com diversos nomes -"soule" na França, "calcio" na Itália, "hurling" na Grã-Bretanha-, variações da modalidade são praticadas na Europa.
Da França do século 13 veio o "jeu de paume", precursor do tênis. No início as bolas eram impulsionadas com as mãos contra a parede. Depois surgem bastões, que virariam raquetes, e a rede.
Vale observar que, na Ásia e na América pré-colombiana, já se praticava bem antes disso atividades com bolas, muitas das quais permaneceram na Idade Média. Antepassados dos mexicanos tinham jogos de pelota cerca de 300 anos antes da Era Cristã.
Os chineses reclamam para si a invenção do futebol, por conta do "cuju", praticado desde o século 4 a.C. Uma variação do jogo foi batizada no Japão de "kemari".
A Inglaterra -cujo rei James 1º publicou, em 1617, um livro que afrouxava a proibição da igreja a jogos- tem papel decisivo na transformação das práticas lúdicas em esporte, definição que, a rigor, só nasce no final do século 19, com a regulamentação dessas atividades, incluído o futebol (1863).
O sociólogo americano Allen Guttman, em seu "From Ritual to Record" ("Do Ritual ao Recorde"), listou sete características que distinguiriam o esporte moderno das atividades físicas praticadas até o século 20, entre elas racionalização (utilização de conhecimentos científicos), secularização (troca do religioso pelo civil) e recorde. (FÁBIO VICTOR)


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