São Paulo, sábado, 08 de novembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JOSÉ GERALDO COUTO

Vasco desde criancinha


Pior que o rebaixamento é ver Eurico Miranda ressurgir como o "salvador da pátria" em São Januário

O VASCO da Gama, como todos sabem, corre o sério risco de cair para a Série B.
À primeira vista, nada de mais. Já passaram pela Segundona gigantes como o Palmeiras, o Fluminense, o Grêmio, o Botafogo e, claro, o Corinthians. Por que o Vasco não poderia seguir o mesmo destino?
O problema é que a eventual queda do Vasco tem implicações políticas e simbólicas profundas.
Se o clube for rebaixado, o raciocínio simplista que vigora no mundo do futebol vai associar diretamente o desastre à nova diretoria. O tirano deposto Eurico Miranda ressurgiria então como o Messias que poderia tirar o Vasco do buraco e reconduzi-lo à glória.
Afinal, foi durante a gestão de Eurico que o time teve suas maiores conquistas, com destaque para a Taça Libertadores da América de 1998. E o velho oligarca sabe como poucos explorar o estado de espírito do torcedor. Os opositores do estilo autocrático do cartola colheram o ressentimento de muitos vascaínos, que viam as críticas a Eurico como ataques ao próprio Vasco.
Pior: até torcedores de outros clubes diziam "Bem que eu queria ter um Eurico no comando do meu time". Os fins (conquistar títulos) justificavam os meios (prepotência, tráfico de influência, pressões sobre a arbitragem, negócios pouco transparentes).
Não por acaso, o capítulo dedicado ao Brasil no livro "O Futebol Explica o Mundo", de Franklin Foer, é centrado na figura de Eurico Miranda como símbolo máximo da velha cartolagem. Ele encarnava a mentalidade do "rouba, mas faz", do "levar vantagem em tudo".
É esse tipo de questão que está em jogo no atual drama do Vasco.
Todos os homens de bem que são amantes do futebol torcem hoje para que o time da cruz de Malta não caia.
E não apenas por conta da briga imediata Roberto Dinamite x Eurico Miranda, mas do papel singular desempenhado pelo Vasco na história do nosso futebol.
Surgido na época em que imperavam o elitismo e o preconceito, o Vasco da Gama foi decisivo no processo de popularização do futebol, abrindo suas fileiras para os jogadores negros e mestiços, acelerando a profissionalização do esporte.
Um dos recursos baixos que os clubes de elite cariocas lançaram mão para tentar excluir o Vasco de sua liga e de seus torneios foi estabelecer a exigência de um grande estádio próprio para os clubes participantes.
Com grande esforço e tenacidade, a colônia portuguesa no Rio de Janeiro fez uma "vaquinha", mobilizou gente de todas as classes, sobretudo das mais populares, e construiu em menos de um ano o estádio de São Januário, que foi inaugurado em 1927. Até a construção do Pacaembu, em 1940, foi o maior do país.
O Vasco tem em sua história personagens trágicos como Barbosa, dramáticos como Edmundo, picarescos como Romário. É um patrimônio esportivo, cultural e afetivo do povo carioca e brasileiro, cantado em prosa e verso por Aldir Blanc, Paulinho da Viola, Luiz Melodia. Por isso, amigos, "vamos todos cantar de coração: a cruz de Malta é o meu pendão".

jgcouto@uol.com.br



Texto Anterior: Cruzeiro: Thiago Ribeiro será reavaliado hoje
Próximo Texto: Palmeiras vê Grêmio desafiar seu maior bem
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.