São Paulo, sábado, 09 de janeiro de 2010

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JOSÉ GERALDO COUTO

Futebol de lugar nenhum


Será que a mudança do Barueri para Presidente Prudente é o anúncio de uma era de clubes nômades?


A NOTÍCIA mais espantosa do jornal de ontem tinha o seguinte título: "Barueri muda para Presidente Prudente". Como assim? Uma cidade se transfere para outra cidade?
A aparente impossibilidade geográfica era esclarecida no subtítulo da reportagem: "Clube vai mandar jogos no Prudentão e cogita mudar nome para Prudentino". Ah, tá, pensei, emergindo lentamente das ressacas da virada do ano, então é o time do Barueri que vai mudar de cidade. Por conta disso, seu nome original também perde o sentido.
Mas a perplexidade continua, até porque no futebol da minha infância havia uma briosa Prudentina, que desapareceu nas brumas como tantos outros que faliram, mudaram de nome ou despencaram para divisões tão inferiores que não aparecem nem na imprensa especializada.
Pois bem, Barueri vai para Presidente Prudente, 600 km a oeste. Até que a mudança não é tão grande assim, se pensarmos no que aconteceu com o beisebol nos EUA em 1957.
Naquele ano, os dois clubes nova- -iorquinos mais tradicionais, o New York Giants e o Brooklyn Dodgers, ambos fundados em 1883, resolveram se mudar para o outro extremo do país, a Califórnia. No ano seguinte, estreavam na Liga da Costa do Pacífico dois "novos" clubes, o San Francisco Giants e o Los Angeles Dodgers. E a era de ouro do beisebol de Nova York chegava ao fim de um só golpe, ou melhor, dois.
Um amigo americano sessentão me contou que o repentino desaparecimento dos Dodgers da sua vizinhança foi um dos traumas da sua infância. Durante um tempo ele se esforçou para torcer pelos Dodgers de Los Angeles, mas não era igual.
Era como se um torcedor do Santos de Pelé passasse de repente a vibrar pelo Santos Laguna, do México.
"Quem se importa?", devem ter pensado os "top hats" (cartolas) de Dodgers e Giants, atraídos certamente pelas vantagens econômicas e logísticas oferecidas pela Califórnia. A vida é dura e o capital não respeita fronteiras geográficas e sentimentais. No caso do Barueri, digo, Prudentino, o trauma é bem menor, pois é um clube recente, sem tradição e sem torcida. Mas o fato dá o que pensar.
As últimas edições do clássico Corinthians x Palmeiras, o chamado "dérbi paulistano", foram disputadas também em Presidente Prudente. Eu não me surpreenderia se um dirigente "visionário" de um desses times resolvesse transferir o clube de mala e cuia para lá ou para outro ponto do interior, visando fugir de sei lá que transtornos e inconveniências da Pauliceia.
Já nos habituamos aos jogadores nômades e sem pátria. Talvez estejamos no limiar de uma era de clubes nômades. Mais ou menos como a Volkswagen ou a Fiat, que fecham uma determinada fábrica para abrir outra num Estado que ofereça mais vantagens tributárias.
Futebol sem raízes, capitalismo sem freios. Tradições, lealdades, paixões, tudo isso não passaria de resquícios de um sentimentalismo retrógrado, pré-moderno. Talvez ainda cheguemos a ver o futebol sem torcedores, no lugar dos quais haverá uma claque eletrônica semelhante às das séries de TV americanas.
Admirável mundo novo. A vida é dura ou não é?

jgcouto@uol.com.br


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