São Paulo, domingo, 09 de abril de 2000


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FOLHA OLIMPÍADA 2000
Ciclismo avança na rota da agricultura


Modalidade cria pólo em Americana para buscar em 2004 a inédita medalha olímpica


RODRIGO BERTOLOTTO
da Reportagem Local

De Americana (SP), já saíram caminhões carregados de cana, café, algodão e produtos têxteis. Hoje saem de lá também levas de ciclistas, que dividem as estradas expressas e vicinais com os caminhoneiros.
Nessa cidade interiorana está surgindo o pólo da modalidade em pista e estrada no país. Ela foi escolhida por quatro motivos:
1) Ter o único velódromo nacional em perfeitas condições;
2) Possuir boas estradas ao seu redor (rodovias Anhanguera e Washington Luis);
3) Ficar próxima a um grande centro -está a 133 km a noroeste de São Paulo;
4) Ter uma topografia irregular, o que contribui na preparação para as provas de estrada, cheias de subidas e descidas.
No Brasil, só três cidades, além de Americana (SP), contam com velódromos: São Paulo, Curitiba e Contagem (MG).
Com essa realidade, há no país ainda ciclistas que se impressionam quando entram em um velódromo. Foi o que aconteceu com Roberto Pinheiro da Silva, 17, vindo do Rio Grande do Norte para entrar na seleção júnior.
""Ele ficou branco quando viu a inclinação da pista e que a bicicleta não tinha sistema de breque", afirma Gilson Alvaristo, técnico da seleção brasileira.
Para garotos como Roberto, o objetivo é obter os primeiros resultados só em 2003, nos Jogos Pan-Americanos na República Dominicana, e em 2004, na Olimpíada de Atenas.
Até agora, quatro ciclistas brasileiros têm vaga garantida em Sydney-2000 sem muitas chances de subir ao pódio.
Entre eles está Claudia Carceroni, especialista em estrada.
Ela treina em Montry, cidadezinha próxima a Paris (França), mostrando que o ciclismo de alto rendimento em localidades calmas é norma mundial.
""Há muitas coincidências tecnológicas entre a bicicleta e os carros, mas não há convivência. Onde há trânsito e poluição, o ciclismo é inviável. O ideal é treinar em um lugar calmo", diz Carceroni.
Conhecida por ter sido fundada por norte-americanos que migraram após a Guerra Civil dos EUA (1861-1865), a cidade recebeu grande números de italianos, e daí vem o gosto pelas bicicletas.
Isso foi reforçado pelo sucesso dos ciclistas locais em competições estaduais, como os Jogos Abertos do Interior, e também nas nacionais.
A equipe local é comandada pelo técnico Marcílio Stocco, e graças a seu trabalho foi criada uma infra-estrutura na cidade.
Agora, a prefeitura planeja completar o velódromo, afinal, faltam ainda arquibancadas, vestiários e uma torre no velódromo para posicionar o comissário.
Já a Confederação Brasileira de Ciclismo cuidará de equipar o lugar -até agora, há por lá só dez bicicletas de pista (não têm freio), quando o ideal seria dispor de 50.
Mas a iniciativa pode receber um reforço de peso. A inauguração oficial só vai acontecer em julho, quando estiver no Brasil Hein Verbruggen, o presidente da União Ciclística Internacional, centenária entidade que organiza o esporte no mundo desde a cidade suíça de Lausanne.
Verbruggen esteve no país em dezembro passado e prometeu instalar no Brasil e na Rússia centros nos moldes do criado na cidade suíça de Eigle, aberto há poucos dias.
Já certa está a vinda de um técnico da Europa para dar um curso aos colegas brasileiros.
""Se o projeto agradar, a UCI vai colocar à nossa disposição equipamento usado na temporada européia. Isso vai reduzir nossa defasagem com os países de ponta, que atualmente é de, pelo menos, 20 anos", afirma o presidente da Confederação Brasileira de Ciclismo, José Jorge Breve.
Essa doação disponibilizaria por aqui as bicicletas feitas com ligas ou metais raros, mais leves e resistentes que o alumínio e o cromo-molibdênio, tão correntes entre os ciclistas nacionais.
Os novos produtos da metalurgia são o titânio e o berílio. Uma bicicleta do primeiro material custa, em média, US$ 6.000, enquanto uma similar do segundo chega a US$ 30 mil, custo que fez a UCI proibir sua utilização em provas oficiais. O preço proibitivo, porém, aumentaria ainda mais a vantagem de EUA, Itália, Alemanha e França.
O berílio é considerado o quarto material mais duro na natureza, em uma lista que tem no topo o diamante. Já o titânio, 45% mais leve que o alumínio e mais resistente que o aço, tem como marca ter invadido vários esportes, ocupando desde tacos de golfe até ferraduras do hipismo.
De qualquer forma, é esperado que, a exemplo do que acontece na F-1, as equipes coloquem o metal na liga que compõe o veículo. No automobilismo, se proibiu os chamados ""materiais exóticos" também por razões ecológicas, tão em moda atualmente.
Outro ponto que aproxima as duas modalidades sobre rodas é a preparação física. Pelo menos, é assim no Brasil, onde José Rubens D'Elia trabalha há 15 anos com ciclistas e há 9 anos com pilotos.
Ele cuida do fôlego de Tony Kanaan e Christian Fittipaldi, da Indy, e Pedro Paulo Diniz e Ricardo Zonta, da F-1.
O mesmo D'Elia assinou uma parceria com a Confederação Brasileira de Ciclismo para o projeto em Americana. Ele foi o preparador da seleção brasileira de ciclismo em Seul-1988, Barcelona-1992 e Atlanta-1996.
D'Elia tem misturado procedimentos de um esporte no outro.
""Faço os pilotos andarem bastante com bicicleta. Por outro lado, mostro aos ciclistas que os ajustes da bicicleta são tão importantes quanto os feitos em um carro de F-1", afirma D'Elia.
Para ele, essas modalidades são diametralmente opostas. ""No ciclismo, 70% depende do homem e 30% do equipamento. No automobilismo, é o contrário."
Com objetivos diferentes, ele aplica nos pilotos um treino muito comum entre ciclistas: pedalar atrás de uma moto.
Esse exercício tem duas funções para os ciclistas. A primeira é simular a situação de vácuo que os atletas enfrentam quando estão em um pelotão durante a competição. A segunda é forçar o ritmo em final de preparação -a velocidade da moto chega a até 80 km/ h, com as bicicletas não podendo desgrudar do veículo à frente.
Em sua aplicação para a F-1, a prática ganhou novo propósito. ""Os pilotos fazem um exercício físico, mas também têm um certo risco de vida, assim mantêm a adrenalina", diz D'Elia.
Essa história sobre rodas inclui até o caso de uma indústria que abandonou os bólidos pelas magrelas. Foi a inglesa Lotus, que se notabilizou por seu carro preto.
Em 1994, a Lotus fazia sua última temporada de F-1. Dois anos depois, porém, voltava ao noticiário. Desta vez, o cenário era a pista inclinada do velódromo da Olimpíada de Atlanta. Seu cliente era a seleção norte-americana.
A bicicleta da Lotus impressionou todos os engenheiros, com suas ligas metálicas usadas em foguetes espaciais. Mas UCI proibiu sua utilização em competições.
Com essas restrições técnicas no mundo e o planejamento a longo prazo no país, o projeto do ciclismo de obter a inédita medalha olímpica tem alguma perspectiva.
Se isso dependesse só de sua inspiração no automobilismo, com seus campeões mundiais Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet e Ayrton Senna, seria fácil. Mas o caminho feito com a bicicleta é mais duro de atravessar.


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