São Paulo, domingo, 09 de julho de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Vítima do rei

Há 41 anos, alemão teve a perna quebrada por Pelé, lesão que abriu caminho para o surgimento do maior jogador da história de seu país, Franz Beckenbauer

RODRIGO BUENO
ENVIADO ESPECIAL A HAMBURGO

E se alguém lhe dissesse que teve a carreira arruinada por uma entrada dura de Pelé e que por causa dessa lesão Beckenbauer despontou para o futebol mundial? Você acreditaria?
Confira então a incrível história de Willi Giesemann.
O dia é 6 de junho de 1965. O local é o Maracanã. Brasil e Alemanha fazem amistoso. ""Havia umas 160 mil pessoas", conta Giesemann, que entrou no segundo tempo da partida no lugar de Höttges para marcar Garrincha. Seria sua última partida com a camisa alemã.
A seleção brasileira vencia por 1 a 0, gol de Flávio aos 25min da etapa inicial. Quando faltavam três minutos para o fim, Giesemann, 27 anos e versátil a ponto de atuar no meio e na defesa, avançou com a bola e já ultrapassava o meio-campo quando o inesperado ocorreu.
Pelé, que não fazia grande partida, atingiu sua perna direita. ""Fez crack. Soube na hora que era fratura", narra o alemão, que havia defendido seu país no Mundial de 1962 e já vislumbrava a Copa seguinte.
Segundo relatos, enquanto Giesemann deixava o gramado para ser socorrido, Pelé ouviu algumas vaias da torcida. O Rei, porém, anotaria de falta, minutos depois, o segundo gol do jogo, o que definiu o 2 a 0.
Giesemann não pôde ver o lance, pois estava sendo atendido no vestiário. ""Uma índia cuidou dele, com curativos e gesso. Não tinha televisão, e soube da fratura pelo rádio. Depois, fui buscá-lo no aeroporto", lembra Edda, mulher de Giesemann.
O casal recebeu a Folha de forma bastante simpática em sua residência no bairro de Tonndorf, em Hamburgo.
Edda, 66, tratou de servir café até Willi, 68, chegar. ""Hoje ele só faz compras, cuida da casa, assiste à TV e vê os jogos de futebol", diz a apaixonada mulher. ""Eu o conheci com sete anos. Quando o vi, sabia que era meu homem. Nos casamos aos 20 anos. Pelé teve várias mulheres. Ele teve só uma."
Willi, ainda chamado pelo apelido de Tille, caminha com dificuldade. Além da fratura na perna direita, sofreu cirurgia no joelho esquerdo. Marcas de um homem que fez 14 jogos por sua seleção e defendeu times importantes, como Bayern de Munique, Hamburgo e Wolfsburgo -fez 18 gols pelo Bayern e 13 na Bundesliga, que começou em 1963.
""Esse problema [contusão] interferiu na vida dele. O futebol acabou, o futebol era dinheiro, hoje ele não anda direito. Futebol é sua vida", fala Edda, que ganhou as páginas dos jornais alemães ao recepcionar com um beijo o marido em cadeira de rodas na volta do jogo no Brasil. Ela estava no último mês de gravidez.
""Foi só um jogo. A federação brasileira e o Brasil não tinham nada a fazer por mim e pela minha perna. Eu tinha o seguro da Alemanha. Recebi o dinheiro", afirma Giesemann, que diz não odiar Pelé, que reencontrou uma vez num programa de TV.
""A última vez que o vi foi em 1966", diz o alemão, que logo em seguida assistiu bem de perto à aparição do maior jogador de seu país, Beckenbauer.
Passados pouco mais de três meses do fatídico amistoso no Maracanã, a Alemanha voltava a campo. Contra a Suécia, estreava o garoto Franz, 20 anos.
Era amigo de Giesemann no Bayern e pintava como um jogador versátil também. Giesemann era venerado pelos principais treinadores alemães, como Sepp Herberger e Helmut Schön, mas após a lesão no Rio nunca mais foi o mesmo.
""Voltei a jogar umas oito semanas após a fratura, mas aí tive problema no outro joelho. Fiz cirurgia, mas foi um fiasco."
Enquanto via a aposentadoria forçada -tentou a sorte até 1968 no modesto Barmbeck-Uhlenhorst-, Beckenbauer ganhou espaço na seleção vice-campeã mundial em 1966 ocupando o que seria seu posto.
""Beckenbauer foi o melhor jogador da Alemanha. Pelé também foi muito bom. Pelé, o melhor no ataque, Beckenbauer, o melhor atrás", fala convicto Giesemann, ciente de que está na história dos dois monstros sagrados do futebol.
"Franz é amigo meu. Nos vemos de vez em quando."
Willi guarda enorme acervo de fotos e recortes dos tempos de atleta. Tem todos os relatos do jogo que marcou sua carreira. A imprensa alemã não perdoou Pelé: ""Pela falta em Giesemann, merecia a expulsão", mostra manchete da época.
""Gosto do Brasil. Recife, Rio, Santos...", fala Giesemann.
Giesemann já havia enfrentado clubes brasileiros antes do amistoso da seleção em 1965. Travou bons duelos com Garrincha, mas foi Pelé que o marcou por toda a vida.
O Rei, que está na Alemanha comentando a Copa, causou outras lesões em adversários no Brasil, mas o país do futebol praticamente ignorava essa entrada em renomado representante do futebol-força. A reportagem não conseguiu falar com Pelé para comentar o caso.
Ele poderia ao menos dizer que, de uma certa maneira, projetou Beckenbauer.


Texto Anterior: Bordéis se queixam de prejuízos
Próximo Texto: Filhos não jogam bola
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.