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Vítima do rei
Há 41 anos, alemão teve a perna quebrada por Pelé, lesão que abriu caminho para o surgimento do maior jogador da história de seu país, Franz Beckenbauer
RODRIGO BUENO
ENVIADO ESPECIAL A HAMBURGO
E se alguém lhe dissesse que
teve a carreira arruinada por
uma entrada dura de Pelé e que
por causa dessa lesão Beckenbauer despontou para o futebol
mundial? Você acreditaria?
Confira então a incrível história de Willi Giesemann.
O dia é 6 de junho de 1965. O
local é o Maracanã. Brasil e Alemanha fazem amistoso. ""Havia
umas 160 mil pessoas", conta
Giesemann, que entrou no segundo tempo da partida no lugar de Höttges para marcar
Garrincha. Seria sua última
partida com a camisa alemã.
A seleção brasileira vencia
por 1 a 0, gol de Flávio aos
25min da etapa inicial. Quando
faltavam três minutos para o
fim, Giesemann, 27 anos e versátil a ponto de atuar no meio e
na defesa, avançou com a bola e
já ultrapassava o meio-campo
quando o inesperado ocorreu.
Pelé, que não fazia grande
partida, atingiu sua perna direita. ""Fez crack. Soube na hora
que era fratura", narra o alemão, que havia defendido seu
país no Mundial de 1962 e já
vislumbrava a Copa seguinte.
Segundo relatos, enquanto
Giesemann deixava o gramado
para ser socorrido, Pelé ouviu
algumas vaias da torcida. O Rei,
porém, anotaria de falta, minutos depois, o segundo gol do jogo, o que definiu o 2 a 0.
Giesemann não pôde ver o
lance, pois estava sendo atendido no vestiário. ""Uma índia cuidou dele, com curativos e gesso.
Não tinha televisão, e soube da
fratura pelo rádio. Depois, fui
buscá-lo no aeroporto", lembra
Edda, mulher de Giesemann.
O casal recebeu a Folha de
forma bastante simpática em
sua residência no bairro de
Tonndorf, em Hamburgo.
Edda, 66, tratou de servir café até Willi, 68, chegar. ""Hoje
ele só faz compras, cuida da casa, assiste à TV e vê os jogos de
futebol", diz a apaixonada mulher. ""Eu o conheci com sete
anos. Quando o vi, sabia que
era meu homem. Nos casamos
aos 20 anos. Pelé teve várias
mulheres. Ele teve só uma."
Willi, ainda chamado pelo
apelido de Tille, caminha com
dificuldade. Além da fratura na
perna direita, sofreu cirurgia
no joelho esquerdo. Marcas de
um homem que fez 14 jogos por
sua seleção e defendeu times
importantes, como Bayern de
Munique, Hamburgo e Wolfsburgo -fez 18 gols pelo Bayern
e 13 na Bundesliga, que começou em 1963.
""Esse problema [contusão]
interferiu na vida dele. O futebol acabou, o futebol era dinheiro, hoje ele não anda direito. Futebol é sua vida", fala Edda, que ganhou as páginas dos
jornais alemães ao recepcionar
com um beijo o marido em cadeira de rodas na volta do jogo
no Brasil. Ela estava no último
mês de gravidez.
""Foi só um jogo. A federação
brasileira e o Brasil não tinham
nada a fazer por mim e pela minha perna. Eu tinha o seguro da
Alemanha. Recebi o dinheiro",
afirma Giesemann, que diz não
odiar Pelé, que reencontrou
uma vez num programa de TV.
""A última vez que o vi foi em
1966", diz o alemão, que logo
em seguida assistiu bem de
perto à aparição do maior jogador de seu país, Beckenbauer.
Passados pouco mais de três
meses do fatídico amistoso no
Maracanã, a Alemanha voltava
a campo. Contra a Suécia, estreava o garoto Franz, 20 anos.
Era amigo de Giesemann no
Bayern e pintava como um jogador versátil também. Giesemann era venerado pelos principais treinadores alemães, como Sepp Herberger e Helmut
Schön, mas após a lesão no Rio
nunca mais foi o mesmo.
""Voltei a jogar umas oito semanas após a fratura, mas aí tive problema no outro joelho.
Fiz cirurgia, mas foi um fiasco."
Enquanto via a aposentadoria forçada -tentou a sorte até
1968 no modesto Barmbeck-Uhlenhorst-, Beckenbauer ganhou espaço na seleção vice-campeã mundial em 1966 ocupando o que seria seu posto.
""Beckenbauer foi o melhor
jogador da Alemanha. Pelé
também foi muito bom. Pelé, o
melhor no ataque, Beckenbauer, o melhor atrás", fala
convicto Giesemann, ciente de
que está na história dos dois
monstros sagrados do futebol.
"Franz é amigo meu. Nos vemos de vez em quando."
Willi guarda enorme acervo
de fotos e recortes dos tempos
de atleta. Tem todos os relatos
do jogo que marcou sua carreira. A imprensa alemã não perdoou Pelé: ""Pela falta em Giesemann, merecia a expulsão",
mostra manchete da época.
""Gosto do Brasil. Recife, Rio,
Santos...", fala Giesemann.
Giesemann já havia enfrentado clubes brasileiros antes do
amistoso da seleção em 1965.
Travou bons duelos com Garrincha, mas foi Pelé que o marcou por toda a vida.
O Rei, que está na Alemanha
comentando a Copa, causou
outras lesões em adversários
no Brasil, mas o país do futebol
praticamente ignorava essa entrada em renomado representante do futebol-força. A reportagem não conseguiu falar com
Pelé para comentar o caso.
Ele poderia ao menos dizer
que, de uma certa maneira,
projetou Beckenbauer.
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