São Paulo, Sexta-feira, 09 de Julho de 1999
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Seleção brasileira, 100% negra

JUCA KFOURI
Colunista da Folha

Dida; Evanílson, João Carlos, Odvan e Roberto Carlos; Flávio Conceição, Vampeta (Beto), Zé Roberto e Alex (Christian); Amoroso (Ronaldinho) e Ronaldo.
Se é verdade que o presidente da República, FHC, tem um pé na cozinha, como gosta de dizer, o dono do segundo cargo mais importante do país, o técnico da seleção, Wanderley Luxemburgo, tem os dois.
E, por sua obra e graça, os 22 pés que entraram em campo para enfrentar o Chile representavam o que o Brasil tem de melhor -a magia de seus negros craques de futebol.
E não só os 22 que entraram, diga-se de passagem. Some mais os seis pés que entraram no decorrer do jogo e nenhum era branco.
Para não correr o risco do racismo ao contrário, é bom desde logo explicar o porquê dessa saudação.
Houve um tempo, mais remoto, em que se decretou que goleiro negro não servia, porque ficava nervoso e outras bobagens -todas inventadas desde que Barbosa foi escolhido como o bode expiatório da derrota diante do Uruguai, na Copa de 1950.
Depois, em 1958, no mais famoso documento jamais visto na história de nosso futebol, consta que havia um conselho para que a seleção fosse composta pelo maior número possível de brancos, o que explicaria a presença de De Sordi no lugar de Djalma Santos; de Orlando e não de Zózimo; de Joel em vez de Garrincha e de Mazzola na vaga de Pelé, na estréia brasileira em gramados da alva Suécia.
Verdade ou lenda, o fato é que o futebol brasileiro foi mesmo embranquecendo, a ponto de os ídolos maiores dos anos 80 serem todos brancos -Zico, Sócrates, Falcão- , tendência que um pioneiro censo feito pela revista ""Placar", à época, constatou.
Era a supremacia dos que começaram a chutar bola na escola e não na rua, nos clubes e não na várzea, fruto da especulação imobiliária que dizimara os terrenos baldios que revelaram tantos e tantos craques brasileiros.
E os brancos não corriam atrás da bola como de um prato de comida, célebre definição do filósofo da praia carioca Neném Prancha.
Pois Luxemburgo trouxe os negros de volta, e, coincidência ou não, eis que diante dos chilenos a seleção brasileira fez sua melhor apresentação nesta pobre Copa América.
Por coincidência, esta coluna foi escrita em Salvador, capital remodelada, restaurada e novamente adorável, da Bahia, onde se vê o povo ostentar com orgulho, estampada em suas camisetas, a frase ""100% negro", que serve como luva ao time de Luxemburgo.

Dida pega pênaltis como se pegasse ônibus; João Carlos está surgindo como uma solução buscada desde 1994; Flávio Conceição é mais jogador do que Émerson, embora não tenha a personalidade dele; Zé Roberto foi muito mais eficaz do que Rivaldo; Ronaldinho é mesmo o bicho; Ronaldo perdeu quatro gols por mero detalhe (bom dia, Carlos Alberto Parreira, agora ficou bem claro o que você quis dizer um dia e virou motivo de piada para nós que gostamos de uma maldade); e o Chile só não levou uma goleada, como a Venezuela, porque a bruxa estava solta, Vampeta e a neblina que o digam.


Juca Kfouri escreve aos domingos, às terças e às sextas-feiras

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