São Paulo, domingo, 09 de setembro de 2007

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Roupa suja

Gravações da PF revelam o Corinthians da era MSI

Berezovski era investidor da parceria, Kia, laranja, e o clube, uma operação fraudulenta

Cifras milionárias e ameaças ditam diálogos de cartolas, que pediram a Lula asilo para russo

JUCA KFOURI
COLUNISTA DA FOLHA

"Conversei com ele a respeito do Corinthians, mas no momento ele não tem interesse no negócio. Hoje, não temos nenhum negócio juntos."
A frase acima é de Kia Joorabchian, na primeira entrevista dada pelo iraniano no Brasil, à Folha, em 25 de agosto de 2004, em que respondia sobre o russo Boris Berezovski, magnata acusado de vários crimes em seu país, como lavagem de dinheiro e assassinato.
Depois de três anos e de uma verdadeira devassa no acordo mais polêmico da história do futebol brasileiro, a constatação: Kia não falava a verdade, assim como a maioria dos participantes de um negócio que, como diz o dito popular, começou torto e, sabe-se, vai terminar ainda mais torto.
Interceptações telefônicas feitas pela Polícia Federal, com autorização judicial, revelam que Berezovski não só participava da MSI como era o grande financiador da parceria.
Esse é o ponto central de um relatório de 72 páginas da PF ao qual a Folha teve acesso. Resumem 14 meses de diálogos entre os principais personagens dessa novela. Revelam um Kia "laranja", subserviente a Berezovski; mostram atletas negociando com a parceria para receber dinheiro fora do país; atestam a tentativa de trazer o russo ao Brasil, sem pudores, até aos corredores da Presidência da República.
Os detalhes da operação da PF, batizada Perestroika, ainda revelam os cartolas corintianos negociando o pagamento de R$ 150 mil a um fiscal da Receita Federal para não autuar o clube, um crime. Ou um deles.
Tudo começou em 2004 com um encontro num luxuoso hotel da capital entre Kia, o presidente do clube, Alberto Dualib, e Renato Duprat, que apresentou os dois. A partir daí, montou-se uma operação que injetou no país milhares de dólares no Parque São Jorge por meio de cinco empresas situadas em paraísos fiscais. O acordo previa investimentos de US$ 35 milhões e o pagamento de dívidas no valor de R$ 60 milhões por um contrato de dez anos.
Meses depois, o Corinthians tinha um time milionário, fruto de transações suspeitas, e um punhado de autoridades no seu encalço. Em abril de 2005, o Ministério Público de São Paulo concluiu que Berezovski atuava nos investimentos da MSI. Apontou indício de lavagem de dinheiro. Como se tratava de suposto crime contra o sistema financeiro, o caso passou para a esfera federal.
As relações entre Kia e Dualib já estavam deterioradas. O corintiano cobrava dinheiro do iraniano, que reclamava do corintiano e da neta dele, que cobrava comissões pelos acordos de marketing e continuava a controlar o departamento.
O cartola foi à Europa, mais de uma vez, pedir a saída de Kia da MSI, mas não conseguiu.
Em meio à turbulenta união, o clube venceu o Brasileiro. O respiro durou pouco. Em abril de 2006, alegando problemas pessoais, Kia foi para Londres e não voltou mais ao Brasil. Aos poucos, a fonte da MSI secou.
Os que vieram com o iraniano também se foram. Em julho último a Justiça Federal aceitou denúncia. Kia e Berezovski tiveram prisão decretada. Dualib e Duprat viraram réus, acusados de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. O presidente acabou afastado, e o clube decretou o fim da parceria -o que, no entanto, não encerra a novela, longe disso.
Um cruel retrato do Corinthians, do país e do futebol.


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