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Roupa suja
Gravações da PF revelam o Corinthians da era MSI
Berezovski era investidor da parceria, Kia, laranja, e o clube, uma operação fraudulenta
Cifras milionárias e ameaças ditam diálogos de cartolas, que pediram a Lula asilo para russo
JUCA KFOURI
COLUNISTA DA FOLHA
"Conversei com ele a respeito do Corinthians, mas no momento ele não tem interesse no
negócio. Hoje, não temos nenhum negócio juntos."
A frase acima é de Kia Joorabchian, na primeira entrevista dada pelo iraniano no Brasil,
à Folha, em 25 de agosto de
2004, em que respondia sobre
o russo Boris Berezovski, magnata acusado de vários crimes
em seu país, como lavagem de
dinheiro e assassinato.
Depois de três anos e de uma
verdadeira devassa no acordo
mais polêmico da história do
futebol brasileiro, a constatação: Kia não falava a verdade,
assim como a maioria dos participantes de um negócio que,
como diz o dito popular, começou torto e, sabe-se, vai terminar ainda mais torto.
Interceptações telefônicas
feitas pela Polícia Federal, com
autorização judicial, revelam
que Berezovski não só participava da MSI como era o grande
financiador da parceria.
Esse é o ponto central de um
relatório de 72 páginas da PF
ao qual a Folha teve acesso.
Resumem 14 meses de diálogos
entre os principais personagens dessa novela. Revelam um
Kia "laranja", subserviente a
Berezovski; mostram atletas
negociando com a parceria para receber dinheiro fora do
país; atestam a tentativa de trazer o russo ao Brasil, sem pudores, até aos corredores da Presidência da República.
Os detalhes da operação da
PF, batizada Perestroika, ainda
revelam os cartolas corintianos
negociando o pagamento de R$
150 mil a um fiscal da Receita
Federal para não autuar o clube, um crime. Ou um deles.
Tudo começou em 2004 com
um encontro num luxuoso hotel da capital entre Kia, o presidente do clube, Alberto Dualib,
e Renato Duprat, que apresentou os dois. A partir daí, montou-se uma operação que injetou no país milhares de dólares
no Parque São Jorge por meio
de cinco empresas situadas em
paraísos fiscais. O acordo previa investimentos de US$ 35
milhões e o pagamento de dívidas no valor de R$ 60 milhões
por um contrato de dez anos.
Meses depois, o Corinthians
tinha um time milionário, fruto
de transações suspeitas, e um
punhado de autoridades no seu
encalço. Em abril de 2005, o
Ministério Público de São Paulo concluiu que Berezovski
atuava nos investimentos da
MSI. Apontou indício de lavagem de dinheiro. Como se tratava de suposto crime contra o
sistema financeiro, o caso passou para a esfera federal.
As relações entre Kia e Dualib já estavam deterioradas. O
corintiano cobrava dinheiro do
iraniano, que reclamava do corintiano e da neta dele, que cobrava comissões pelos acordos
de marketing e continuava a
controlar o departamento.
O cartola foi à Europa, mais
de uma vez, pedir a saída de Kia
da MSI, mas não conseguiu.
Em meio à turbulenta união,
o clube venceu o Brasileiro. O
respiro durou pouco. Em abril
de 2006, alegando problemas
pessoais, Kia foi para Londres e
não voltou mais ao Brasil. Aos
poucos, a fonte da MSI secou.
Os que vieram com o iraniano também se foram. Em julho
último a Justiça Federal aceitou denúncia. Kia e Berezovski
tiveram prisão decretada. Dualib e Duprat viraram réus, acusados de lavagem de dinheiro e
formação de quadrilha. O presidente acabou afastado, e o
clube decretou o fim da parceria -o que, no entanto, não encerra a novela, longe disso.
Um cruel retrato do Corinthians, do país e do futebol.
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