São Paulo, Quinta-feira, 09 de Setembro de 1999
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AUTOMOBILISMO
País celebra parentesco e adota o brasileiro, 66º piloto da mais tradicional equipe da Fórmula 1
Barrichello vira italiano na Ferrari

FÁBIO SEIXAS
enviado especial a Monza

Primeiro, houve uma ameaça de insurreição. "Por que logo um brasileiro se há tantos pilotos italianos promissores por aí?", perguntavam os jornais da Itália.
Mais tarde, já conformados, veio uma constatação: ele tem sobrenome italiano.
Pronto. Rubens Barrichello, 27, contratado pela Ferrari para correr as duas próximas temporadas da F-1, foi adotado pela Itália.
"Barrichello, uma história toda italiana" é o título do editorial desta semana da "Autosprint", a mais importante revista sobre automobilismo editada no país.
"Ele fala italiano, seu bisavô era de Treviso, e sua comida preferida é macarrão", afirma o jornal diário "La Gazzetta dello Sport".
É nesse ambiente que o brasileiro chega hoje a Monza para a disputa do GP da Itália, 13ª etapa do Mundial, sua primeira prova desde que foi anunciado, há cinco dias, como o 66º ferrarista da F-1.
Sua agenda já traz traços do que serão seus anos na Ferrari. Ainda hoje, participa de uma entrevista coletiva promovida pela FIA (entidade máxima do automobilismo) no circuito de Monza.
Cena comum na F-1, certamente será cercado pelos jornalistas ao fim do evento. E, certamente, dará respostas em italiano.
"Acho que falar a língua deles é uma coisa legal, mas quero ganhar o respeito e a simpatia dos torcedores da Ferrari pelo que eu fizer na pista", disse Barrichello à Folha, por telefone, de Cambridge, na Inglaterra, onde mora.
Mas sua "adoção" já aconteceu. Remexendo em sua história, a mídia italiana até destacou o fato de o piloto ter um passaporte italiano. E lembrou suas passagens pela Itália quando disputava as categoria de base.
Em 1990, morou em Scandicci, cidade perto de Florença, quando disputou -e venceu- pela equipe Draco-Morini o Campeonato Europeu de F-Opel.
Em 1992, voltou à Itália. Mas para correr a F-3000, o último degrau antes de chegar à F-1. Contratado pela equipe Il Barone Rampante, morou em Padova.
Não foi campeão -terminou o campeonato na terceira colocação-, mas chamou a atenção da Jordan, que o contratou para estrear na F-1 no ano seguinte.
Assim, segundo o editorial da "Autosprint", construiu-se a "história italiana" de Barrichello.
"Da Itália, ele partiu para conquistar a F-1. Agora, ele retorna para ocupar o volante da equipe mais prestigiosa. É um dos melhores do mundo", afirma Guido Schittone, diretor da revista.
Para a "Rombo", revista concorrente, Barrichello é o futuro da Ferrari. "Considerado o herdeiro de Senna, ele pode chegar a ser o primeiro piloto da equipe, já que ainda é muito jovem."
Três explicações podem ser dadas para a "adoção" do piloto.
Primeiro, a relação pura e simples com seu sobrenome.
Segundo, o fato de seu novo companheiro de equipe, Michael Schumacher, não falar italiano e não se esforçar para isso -só na base da ""decoreba" conseguiu falar duas frases no idioma em um comercial que gravou para a Fiat.
Por último, o fato de um italiano não ser um dos titulares da Ferrari desde a temporada de 1992.
O último foi Ivan Capelli, que formou dupla com o francês Jean Alesi e viveu o campeonato todo à sombra do parceiro.
Considerado um piloto de certo talento na ocasião, após amargar sete anos em equipes pequenas, não aguentou a pressão.
Deixou a Ferrari faltando duas provas para o fim do campeonato e deu por encerrada sua carreira de piloto -só faria mais um GP, pela Jordan, no ano seguinte.
Essa última hipótese para a "captura" de Barrichello fica clara no editorial da "Rombo".
"Penso nele (em Barrichello) na Ferrari desde que, uma vez, na fila da imigração do aeroporto de Montreal, eu estava pensando sobre a ausência de pilotos italianos na equipe. Aí, vi que Barrichello estava na minha frente e que trazia nas suas mãos um passaporte italiano", escreve o diretor da revista, Franco Panaritti.
Ainda com o boné da Stewart, sua atual equipe, Barrichello inicia hoje, em Monza, sua trajetória como piloto da Ferrari.
Começará a sentir a paixão que move os torcedores a todos os 16 autódromos que recebem a categoria e também a pressão pelo jejum de 20 anos da equipe sem título no Mundial de Pilotos.
Emoções que talvez nunca sentiria se tivesse adotado seu sobrenome do meio, Gonçalves, quando, aos nove anos, decidiu começar a correr de kart em Interlagos.


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