São Paulo, sábado, 10 de abril de 2004

Texto Anterior | Índice

MOTOR

A epidemia

JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
EDITOR-ADJUNTO DE ESPORTE

Raikkonen teve um grande momento em Sakhir, exatamente seu último ato na ópera-bufa protagonizada pela McLaren. No instante em que a telemetria acusou e o fraco motor Mercedes confirmou o novo fracasso, o finlandês se recusou a cortar a ignição, como seria prudente.
No lugar de apertar conformado aquele botão do painel e pôr um fim a todo um GP de pesadelo, Raikkonen surpreendeu e fez o contrário: afundou o pé no acelerador. A gasolina chegou com força ao motor e transformou a quebra em incêndio, em fiasco.
Sem dizer nenhuma palavra, sem cometer nenhum faniquito à beira da pista, Raikkonen foi eloqüente. Não fossem as chamas e sua transmissão via satélite, muito provavelmente a McLaren não viria a público afirmar que estava abrindo um inquérito em sua organização. Também a Mercedes não admitiria o óbvio que a persegue desde Melbourne, que sua unidade simplesmente explodiu.
Além de sublinhar um dos piores começos de temporada do time de Ron Dennis, a atitude de Raikkonen serviu para tirá-lo da maioria burra da F-1 atual, o enorme contingente que prefere completar as corridas a disputar qualquer coisa no asfalto. Algo que se via antes nos times pequenos, sem alternativas, mas que se espalha agora como praga. Com um regulamento que privilegia a sobrevivência, poucos são os que se predispõem ao risco ou tentam alguma estratégia diferente.
Parece piada, mas é uma constatação: quem faz isso, e faz muito bem, são Schumacher e a Ferrari, que não confiam nos pneus e largam com um sopro de gasolina. Como é disparado o melhor da turma, muitos creditam o sucesso a seu incontestável talento. A cada temporada, no entanto, sua estrela vem sendo polida também pela incompetência alheia.
Há casos críticos, como o da própria McLaren, que torra uma fortuna em sua fábrica de linhas espaciais e gasta outra para manter um projetista mais interessado em barcos. E o da Mercedes, que já causa indignação na Alemanha. A verdade, no entanto, é que o grid há tempos vem sendo habitado por fracos. O que dizer, por exemplo, de Villeneuve, que trocou um time campeão pela aventura de um amiguinho?
A BAR decolou logo depois de se livrar dos dois. E nas mãos de jovens pilotos antes desacreditados -Button, o terceiro homem no campeonato, e Sato, entre o temerário e o arrojo, mas capaz de colocar Ralf no seu devido lugar.
Mencionaria ainda os pilotos da Renault -mais Trulli do que Alonso neste momento- e Webber, a grande exceção, que morre tentando, mas pelo menos tenta. Tirando os pequenos, sobram os batedores de retaguarda do alemão, Barrichello, Montoya e Ralf, que não mais conseguem esconder, estão lá só pelos pontos.
Sakhir comprovou. A F-1 destes tempos só tem graça quando os transgressores conseguem, no braço ou pelo acaso, se intrometer no cinturão de resignados que involuntariamente protege o líder.
Que pelo menos esses resignados tenham a iniciativa de Raikkonen, lembrar que os fracos estão fora, não dentro do cockpit.

Bobagem
Outro jornal alemão colocou Ralf na Toyota por 10 milhões. Parece que a fábrica japonesa está próxima de um equívoco histórico na F-1.

Outra bobagem
Max Mosley voltou a falar que a velocidade está crescendo demais na categoria. E ameaçou medidas unilaterais se os times não propuserem mudanças urgentes. De fato, as máximas cresceram, apesar dos motores longa vida. A pasmaceira, porém, também evita acidentes.

Outra F-1
Com esse ritmo de parada militar, até teste empolga mais que GP. Anteontem, Schumacher deu show na pista molhada de Montmeló. Ontem, foi a vez da BAR: Button e Sato colocaram tempo no alemão.

E-mail: mariante@uol.com.br


Texto Anterior: Futebol - José Geraldo Couto: Cadê timão?
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.