São Paulo, sábado, 10 de julho de 2010

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PASQUALE CIPRO NETO

Cabo da Boa Esperança


Caetano diz que os portugueses "inventaram" o globo terrestre. E nós estamos nele, em português


NA ÚLTIMA segunda-feira, véspera do jogo Uruguai x Holanda, fui de Johannesburgo para a encantadora Cidade do Cabo, palco da partida.
Embora tenha chegado à noite, pude perceber que Cape Town, como a chamam os sul-africanos, está a anos-luz da sombria Johannesburgo. Há pessoas nas ruas na Cidade do Cabo; os restaurantes não fecham após as 22h; os táxis são bem mais baratos; no aeroporto, há serviço de transporte organizado, que se pode pagar com cartão. E há o mar, um mar lindo, com aves que ciciam a noite toda.
Pois bem. Na terça, antes do jogo, um momento de lazer. E que lazer! Fomos ao cabo da Boa Esperança ("Cape of Good Hope", como está escrito na entrada do parque nacional em que fica o cabo).
O caro leitor certamente se lembra de ter ouvido na escola histórias a respeito desse acidente geográfico, também (e não por acaso) chamado de "cabo das Tormentas". Quantos e quantos navegadores não perderam a vida tentando dobrá-lo!
Pois o cabo existe mesmo! E o lugar, além de deslumbrante, é visivelmente perigoso: o mar é revolto, e uma bruma constante esconde as montanhas que estão do outro lado da baía, motivo pelo qual muitos navegadores entravam nela sem que se dessem conta de que se tratava de uma baía. Muitas vezes, só percebiam o equívoco quando era tarde demais...
Quando se está diante do cabo e se veem os motivos pelos quais muitos navegadores lá naufragaram, torna- -se inevitável relembrar o célebre poema "Mar Português" (de "Mensagem"), de Fernando Pessoa.
Lembra o que dizem os versos desse antológico poema, caro leitor? Vamos lá: "Ó mar salgado, quanto do teu sal / são lágrimas de Portugal! / Por te cruzarmos, quantas mães choraram, / Quantos filhos em vão rezaram! / Quantas noivas ficaram por casar / Para que fosses nosso, ó mar! / Valeu a pena? Tudo vale a pena / Se a alma não é pequena. / Quem quer passar além do Bojador / Tem que passar além da dor. / Deus ao mar o perigo e o abismo deu, / Mas nele é que espelhou o céu".
Pois foi o português Bartolomeu Dias, em 1488, o primeiro navegador a dobrar o cabo das Tormentas. Nessas horas, caro leitor, tudo somado, a pele fica arrepiada, tamanha é a emoção de saber que falamos português, isto é, que estamos umbilicalmente ligados a tudo isso. Como diz Caetano Veloso, foram os portugueses que "inventaram" o globo terrestre. E nós estamos nele, em português. É isso.


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