São Paulo, domingo, 10 de novembro de 2002

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Marcas rivalizam com distintivos nas camisetas e acabam dando primazia a multinacionais no lugar das antigas empresas locais

20 anos de patrocício

RODRIGO BERTOLOTTO
DA REPORTAGEM LOCAL

A primeira publicidade em um grande clube no Brasil foi política, ou melhor, cívica. O escrito ""Dia 15 Vote" nos ombros corintianos convocava para as primeiras eleições diretas e pluripartidárias ainda no regime militar (1964-1985).
Era início de novembro daquele 1982, e, em poucos dias, as empresas fariam sua estréia nos uniformes de futebol. Dez anos depois, em 1992, aconteceu outro marco: a entrada da Parmalat no Palmeiras, impondo uma co-gestão de craques e milhões de dólares.
Essa administração tirou o time do jejum de 17 anos e, de quebra, concedeu 11 troféus -saudosos para o atual Palmeiras.
Hoje em dia, porém, as firmas voltaram a ser o que eram no início: apenas patrocinadores. Só que agora com uma maior presença de capital estrangeiro.
Os quatro grandes do Estado, por exemplo, pela primeira vez são todos bancados por dinheiro internacional: o São Paulo, pelos coreanos da LG; o Corinthians, pelos americanos da Pepsi; enquanto o Santos e o Palmeiras, pelos italianos da Cirio e da Pirelli.
Foi-se o tempo em que tinham na camisa, respectivamente, produtos nativos, como Seguro Educação, duchas Corona, Afonso Veículos e Brandiesel.
Mas também é passado uma época como 1993, quando a Parmalat injetou US$ 10 milhões no Palmeiras, ou 1999, quando o HMTF gastou US$ 25 milhões em contratações corintianas.
""Exagerou-se muito a importância do patrocinador. Na verdade, ele é só um componente, um detalhe na estrutura dos clubes, que, bem administrados, podem prescindir dele", afirma o publicitário Washington Olivetto, que foi o responsável por um dos primeiros anúncios no futebol.
Em dezembro de 1982, o Corinthians decidia o Campeonato Paulista com o São Paulo, Olivetto era o vice-presidente na ""Democracia Corintiana" e conseguiu convencer a Bombril, cujos donos eram são-paulinos, a ornamentar o uniforme alvinegro.
Já o São Paulo apareceu em campo com a inscrição Cofap, outra empresa para a qual o publicitário fazia as campanhas.
Ambas as marcas se localizavam só nas costas da camisa. Era uma entrada tímida no futebol, mas que, depois, tomaria conta da porção frontal do uniforme.
Naquele momento, havia receio dos dois lados. Os clubes não queriam ""macular seu manto", enquanto as empresas temiam que os torcedores dos outros times evitassem seus produtos (o único registro aconteceu em 1995, quando panificadores seguidores da Lusa propuseram um boicote à Parmalat pelo palmeirense Tonhão ter pisado na camisa rival).
No início dos anos 80, os executivos preferiam investir no emergente vôlei, sem paixão clubística e com visibilidade para os logos da Supergasbrás ou da Pirelli.
O futebol, contudo, buscava novas receitas, fora a renda dos ingressos, das TVs, da venda de atletas e da loteria esportiva. O medo inicial passou, e veio uma enxurrada de anunciantes.
No Paulista-84, por exemplo, o São Paulo envergou inscrições como Perdigão e Ovomaltine. Já o Palmeiras usou no mesmo torneio anúncios do Pão de Açúcar Veículos e Marte Rolamento.
Mas a agremiação do Parque Antarctica faria pior: em 1986 divulgava uma loja da galeria Pagé, conhecido entreposto de contrabando no centro de São Paulo.
""Os clubes não entendiam que deviam escolher, e não serem escolhidos", analisa Olivetto.
As primeiras publicidades eram recortes de algodão costurados sobre as camisetas, e eram comum soltarem durante os jogos.
Um exemplo disso foi o Corinthians de 1984, com um pano branco que mostrava o desenho de ducha elétrica. O remendo não resistia aos puxões e irremediavelmente terminava pendurado.
O Corinthians, porém, começaria no ano seguinte uma parceria com a Kalunga, atacadista de papelaria de propriedade de Damião Garcia, frequentador das instalações do Parque São Jorge.
Kalunga ficou no espaço nobre durante dez anos (1985-1995), dando exposição nacional para uma firma local. Ela resistiu até na temporada de 1987, quando a Coca-Cola acertou com todos os clubes, menos com Corinthians e o Flamengo -cujo acordo com a Petrobras é o mais duradouro do país, cumprindo já 18 anos.
""A Kalunga era um patrocinador-torcedor. Seu Damião ia no ônibus com os atletas. Tinha paixão. Não entrou no clube para lucrar como os posteriores", afirma a ex-dirigente Marlene Mateus.
A comparação dela é com o fundo norte-americano HMTF, que se associou ao time em 1999 -seu homem-forte, o texano Thomas Hicks, nunca havia entrado em um estádio de futebol.
Antes, em 1997, o clube já havia feito uma parceria com o banco Excel, que gastou US$ 17 milhões em passe de atletas. Tanto Excel quanto HMTF tiveram representantes embutidos na hierarquia corintiana. O primeiro colocou lá Mário Sérgio, e o segundo trouxe do vôlei José Roberto Guimarães.
O parâmetro era o Palmeiras, que mantinha parceria com a multinacional italiana Parmalat.
A empresa alimentícia, que era personificada pelo ex-treinador de vôlei José Carlos Brunoro, ganhou nos seus oito anos do clube boa parcela do mercado brasileiro de leite, derivados e afins.
Por seu lado, o São Paulo sempre resistiu a esse tipo de parceria, mas teve de enfrentar percalços, como a falência de dois de seus patrocinadores: o da IBF Formulários em 1993 e o da escola de informática Datacontrol em 1997.
As camisas sem publicidade, ainda bastante presentes em meados dos anos 80, voltaram com força no início do ano passado.
Santos, Palmeiras, Lusa, Botafogo-RJ e Vasco ficaram com as camisas ""limpas" devido ao fim de seus contratos de patrocínio.
Alguns culparam a situação econômica, outros responsabilizaram as CPIs que investigavam dirigentes. O Vasco é o caso extremo: está desde dezembro de 2000 sem patrocinador. Só abriu exceção para estampar grátis a logomarca do canal ""SBT", uma vingança de seu presidente, Eurico Miranda, contra a TV Globo.


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