São Paulo, domingo, 10 de dezembro de 2006

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JUCA KFOURI

Cidadãos de segunda classe


Roubam sua paixão e em troca dão inundação, apagão aéreo, medo, doença. E você baba, inerte, passivo


DESCULPE, AMIGO , mas você não passa de um cidadão de segunda classe.
Se não for de terceira. De segunda, certamente, se votou para reeleger o presidente da República, a prefeita de São Paulo, que não levou, e o partido do governador do Estado.
Governador que já escolheu o famoso ninguém para o Esporte, como é tradicional, alguém sem nenhuma ligação com a área, apenas um político, de um partideco. Cidadão de terceira se, além do mais, você for torcedor do Corinthians ou do Palmeiras.
Porque nem os mais elementares de seus direitos como um simples habitante de uma grande cidade são respeitados e você não tem feito rigorosamente nada para mudar tal estado de coisas.
O que permite que se diga que você merece o apagão aéreo, as inundações, a falta de segurança, a falta de gols (no caso de torcer para um dos dois times citados) e a miséria que nos cerca.
Você merece ficar duas horas dentro de um carro, blindado, é claro, para ir do centro ao bairro na hora do pico, ou da chuva. Você colabora, com sua passividade bovina, para as filas intermináveis, o amontoamento de gente (gado?) e a nenhuma informação confiável nos aeroportos, apesar do preço salgado das passagens.
Você que nasceu em berço de ouro, sempre fez todas as refeições, comeu de garfo e faca, foi à escola, particular até o colegial e, quase certamente, à universidade pública, merece, ô se merece. Porque ninguém se indigna, ninguém nem sequer levanta a voz diante de uma "otoridade". Não precisa quebrar nada, mas, ao menos, protestar.
Fazer como, por exemplo, fizeram cerca de 50 mil torcedores do Bahia que tomaram a praça Castro Alves para exigir a renúncia de toda a diretoria do clube. Ou vaiar o cara que você encontra no restaurante.
Lembra do que fizeram os argentinos, não faz muito tempo, quando resolveram dar um basta? Não houve quem esquentasse a cadeira na Casa Rosada. Mas você, você não. No máximo você diz que o Brasil é uma merda, como se isso fosse novidade.
E o presidente da República diz que a saúde pública é nota quase 10; o governador fala que o Estado nunca esteve tão seguro, e o prefeito diz que jamais alguém fez tanto pela cidade, que só de piscinões... Para não falar, é claro, do ministro que garante que o controle aéreo brasileiro é modelar, homem desses que desmoralizam completamente a honestidade.
Ou do presidente do clube que se alia a mafiosos, rompe com eles não pelos melhores, mas pelos piores, motivos e ainda esconde da torcida que a parceria está morta e sepultada, por envenenamento. Ou do ex-presidente que derrubou seu time para a segunda divisão e quer voltar na eleição de janeiro. Desculpe, amigo, mas você de cidadão não tem nada.
De que adianta comprar esta Folha, se informar e, depois, babar? É babar aquela baba bovina a que Nelson Rodrigues se referiu. OK, você pode dizer que o mesmo acontece com este que vos escreve, reação boba, mas natural.
Só que, ao menos, o escrevinhador berra, sangra as mãos na ponta da faca, defende-se na Justiça dos bandidos que ataca. E você faz o quê? Conhece o Estatuto do Torcedor, o Código de Proteção ao Consumidor, o Civil, o Penal? Conhece não. Já leu a Constituição? Seja franco: já leu? Sabe de seus direitos e obrigações? Sabe nada.
Amigo, desculpe, mas você é um cidadão de segunda. Ou de terceira.

blogdojuca@uol.com.br


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