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São Paulo, terça-feira, 11 de fevereiro de 2003

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BASQUETE

A pedra filosofal

MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE

Quantos arremessos você espera dar por partida? Quantos de três pontos? Quantos rebotes você imagina que vá capturar?
O questionário, que relaciona várias estatísticas de jogo, aguarda a nova seleção brasileira.
Espécie de guia "você tem fome de quê?", ele foi aplicado por Lula Ferreira logo no começo de seu trabalho no Ribeirão Preto, atual bicampeão paulista.
É uma das novidades que o recém-nomeado técnico levará para o desafio da vaga olímpica.
Ao medir a "voluntariedade", as respostas ajudariam a traçar um perfil psicológico dos atletas, a antecipar eventuais rusgas no elenco, a enquadrar aspirações pessoais na desejada dinâmica de jogo e, principalmente, a fazer o time jogar por uma causa.
Lula gosta de trabalhar assim, com relatórios cruzados e números, na elaboração do plano de vôo de suas equipes. A presença, como seu assistente, de Flávio Davis, conhecido homem das pranchetas, só deverá assanhar essa vocação na seleção brasileira.
Tanto que, em bate-papo na madrugada de sábado, em plena ressaca do jogo que custou ao Ribeirão Preto a fantástica invencibilidade de 43 rodadas, o técnico usou um raciocínio estatístico para definir a filosofia que pretende implantar. "Ela é toda baseada em dados do Mundial. Não discutimos coisas aleatórias."
Lula partiu da média de posses de bola do Brasil em Indianápolis, 110, para lançar as projeções para o time que vai ao Pré-Olímpico: 10 bolas perdidas ("turnovers"), 25 faltas sofridas (e 25 lances livres como resultado disso), 25 tiros de três pontos e 50 de dois pontos. Estipulou também a meta de 20 chutes em contra-ataques -bandejas ou outras ações com superioridade numérica.
A fórmula embute potencial de 200 pontos, 25 a mais do que no Mundial. Para pagar a conta do ganho de volume, Lula quer 25% mais tentativas de três pontos e 25% menos "turnovers".
É natural que, aqui, o leitor iniciado torça o nariz.
Como investir nos tiros de longa distância se há tempos este fundamento não é mais uma reserva técnica do basquete brasileiro? A seleção não registrou pontaria de 39% em Indianápolis? E não é verdade que, na brilhante conquista do último Estadual, o aproveitamento do Ribeirão Preto não passou de 37%? Há, entre os convocáveis, alguém, além de Marcelinho, que possua técnica -e cacoete- para proporcionar salto tão ambicioso?
Como garantir menos erros no trabalho de bola se até Hélio Rubens concorda que está na hora de promover novos armadores na seleção? Não sabem que Valtinho, Leandrinho, Arnaldinho e os outros inhos não têm experiência internacional? Que, por conta disso, são fadados a fazer bobagens num primeiro momento? E não é uma ilusão achar que os "turnovers" vão diminuir se, ao mesmo tempo, há a intenção de "dar no fígado" do oponente com mais velocidade na transição de quadra?
Lula se diz otimista. Aposta no balanço de jogo para assegurar arremessos de três pontos equilibrados -menos difíceis de converter. Confia na aptidão para a infiltração dos novos armadores. Acha que uma seleção "sintonizada" pode vingar. Torçamos.
Mas é bom lembrar que até Arquimedes, gênio da lógica, pai das fórmulas matemáticas, sabia que, sem o braço, a alavanca não sobe, a pedra não se move.

Lula-lá 1
A primeira clínica foi cancelada; as seguintes, enxugadas de 12 para 4 dias. Mas os atropelos de organização não condenam o projeto Desenvolvimento de Talentos, que decola hoje em Ribeirão Preto.

Lula-lá 2
A Confederação Brasileira já avisou a Lula que a seleção masculina só não possui técnico exclusivo por falta de dinheiro. "Eu gosto de planejamento, de parar para pensar", sonha o treinador, que, por enquanto, precisa parar para pensar em como acomodar as reuniões de sua comissão com os compromissos do Ribeirão Preto.

Lula-lá 3
A seleção ainda não atuou em território nacional neste milênio (jogo-treino não vale!). Preocupado com essa distância, Lula promete quebrar o jejum. "É preciso contaminar o torcedor, a imprensa e até os jogadores." Só falta ser em Ribeirão Preto...

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