São Paulo, quarta, 11 de fevereiro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FUTEBOL
Jogador do América de São José do Rio Preto senta pela primeira vez em um carteira escolar para ser titular
Time obriga atletas à ir para a escola

Alexandre Costa/Folha Imagem
O atacante Marcinho lê livro no campo do América, time do interior que o obrigou a frequentar a escola


EDMILSON ZANETTI
em São José do Rio Preto

Além da habilidade em campo, o atacante Marcinho, 19, tem de provar a dedicação na escola se quiser garantir uma vaga na equipe principal do América de São José do Rio Preto (451 km a noroeste de São Paulo), que lidera a Série A-2 do Campeonato Paulista, invicto, com nove pontos em três jogos.
Na segunda-feira, o atleta sentou pela primeira vez em um banco de escola -precondição para poder ser registrado na Federação Paulista de Futebol e poder disputar a competição.
Marcinho só conseguiu o registro como profissional nesta semana, depois de se matricular na escola Ezequiel Ramos, onde fará o curso supletivo.
O campeonato começou no último dia 1º, e o atacante não pôde participar da partida de estréia do time -a vitória por 1 a 0 sobre o XV de Piracicaba, no campo do adversário.
Revelação da equipe de juniores -antes, ele passou pelo Rio Branco, de Americana, XV de Piracicaba, Corinthians e São Paulo-, o jogador afirma que aprendeu o pouco que sabe com a ""tia Novinha", professora que ensinava as crianças de sua família em Mossoró, sua cidade natal, no Rio Grande do Norte.
O América decidiu neste ano barrar jogadores analfabetos ou semi-analfabetos.
Além de cumprir uma exigência legal, a medida faz parte de um programa cultural implantado pelo técnico Cilinho, 59, que prevê até uma biblioteca no vestiário (leia texto abaixo).
Além de Marcinho, outros nove jogadores do América estão frequentando os bancos escolares.
Os boletins, a frequência e o comportamento disciplinar são acompanhados mensalmente pela diretoria do clube.
O zagueiro Vanderlei, 20, é o único do grupo de estudantes que cursa o nível superior.
Ele trancou o curso de Direito que fazia em Ribeirão Preto (319 km ao norte de São Paulo), mas afirmou que pretende retomar no segundo semestre.
A média de escolaridade dos 26 jogadores inscritos pelo clube é segundo grau incompleto, segundo o supervisor de futebol do América, Jairo de Oliveira, 30.
Em 14 anos de clube, o supervisor afirma que o caso de Marcinho é o primeiro.
No passado, situações semelhantes foram toleradas ou passaram despercebidas pela diretoria do clube -como o do ponta Marinho, ex-seleção brasileira, lembra o supervisor.
Incentivo
Para o técnico Cilinho, que tem segundo grau completo e ""muita leitura", ""a cabeça joga tanto quanto os pés".
""O atleta é um ser humano e, como tal, um ser político. Com estudo, ele tem mais capacidade para captar melhor as informações do treinador", disse o técnico.
Cilinho cita o exemplo de Garrincha, com quem chegou a trabalhar no Botafogo.
""Dentro de campo, Garrincha foi um dos maiores talentos do mundo de todos os tempos. Quando o mundo do futebol acabou, ele não estava preparado como figura política e social", afirmou Cilinho.
O goleiro Sérgio, 35, ex-Santos e Coritiba, o mais experiente da equipe, afirma que, dentro de campo, o estudo pode até ser dispensável. ""O craque é nato."
Mas, fora dos gramados, afirma, a formação intelectual do jogador é fundamental para uma carreira bem-sucedida.
""Para ser respeitado, precisa se impor, falar bem. É preciso saber o que está fazendo na hora de assinar um contrato", afirmou o goleiro, formado em eletrotécnica.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.