São Paulo, domingo, 11 de maio de 1997.



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XADREZ
Um dos criadores do supercomputador adversário de Garry Kasparov diz que hegemonia é questão de tempo
Deep Blue usa jeitinho para bater humano

JOÃO CARLOS ASSUMPÇÃO
de Nova York

O confronto de seis partidas entre o campeão mundial de xadrez Garry Kasparov e o computador da IBM Deep Blue termina hoje à tarde, em Nova York, nos EUA, em ambiente de final de Campeonato Brasileiro de futebol.
O clima entre o enxadrista russo Kasparov e a equipe de seis assessores do norte-americano Deep Blue está mais do que tenso.
O foco de divergência foi o segundo jogo do duelo, vencido pelo computador da IBM.
Depois daquela partida, Kasparov chegou a insinuar que Deep Blue estaria tendo ajuda humana.
Os comentários do campeão irritaram a equipe da IBM.
Chung-jen Tan, um dos principais pesquisadores da empresa, defendeu-a das insinuações e afirmou que a supremacia do computador é só questão de tempo.
Em entrevista exclusiva à Folha, Tan diz achar que a "manha" do Deep Blue foi a razão do descontrole que o campeão mostrou após a segunda partida.
Até ontem, a série estava empatada em 2 a 2, com uma vitória para cada lado e dois empates. A quinta partida estava marcada para as 16h de Brasília de ontem.

Folha - O confronto-revanche entre Garry Kasparov e Deep Blue está dando o que falar.
Agora, mais potente e bem preparado do que no duelo do ano passado, o computador está provocando muito mais tensão no campeão mundial.
Do ponto de vista da equipe da IBM, a melhora na performance de Deep Blue de fevereiro de 1996 para cá já é uma vitória?
Chung-jen Tan -
Já. Mostramos que somos capazes de melhorar, melhorar e melhorar. É a ciência que está se desenvolvendo,
Independentemente do resultado da final desta série, Kasparov está já percebendo que tem um adversário muito mais difícil do que da outra vez.
Folha - A supremacia do computador, então, é questão de tempo?
Tan -
Em relação ao xadrez, não tenho dúvida de que sim.
Folha - Depois da segunda partida, em que perdeu, Kasparov insinuou que estaria havendo interferência humana nas ações do Deep Blue. O que o senhor tem a dizer a respeito?
Tan -
Foi um equívoco dele; não há interferência alguma.
O Deep Blue tem uma velocidade assombrosa e a capacidade de examinar até 250 milhões de alternativas por segundo.
A reclamação de Garry Kasparov foi no sentido de que o Deep Blue estaria sendo dirigido para examinar apenas as alternativas plausíveis, quando, na verdade, diferentemente de um ser humano, o computador analisa, teoricamente, todas as possibilidades, até as mais idiotas.
O que ele se esquece é que, além de mais rápido e capaz do que no ano passado, o Deep Blue tem em sua memória todos os jogos já disputados por Kasparov e um ótimo conhecimento de xadrez.
Ele teve aulas com um grande mestre e tem um programa, que eu chamo de esperteza, para atrapalhar o adversário.
Folha - No Brasil, seria chamado de "jeitinho brasileiro". Como é que funciona?
Tan -
Ele pode apressar uma jogada para pressionar Kasparov com o relógio. Em outras ocasiões, pode retardar uma outra e fazer cálculos repetitivos para irritá-lo.
E tem conseguido. Kasparov se desequilibrou emocionalmente na segunda partida.
Folha - Depois do segundo jogo, um professor de filosofia de uma universidade norte-americana descobriu uma saída que poderia ter levado Kasparov ao empate.
O senhor não acha que é muito fácil fazer um comentário assim depois de o jogo ter terminado? Fica parecido com um jogo de futebol. Quando acaba, todo mundo teria feito aquele gol...
Tan -
Concordo com você que não é fácil a situação de Kasparov. Ele tem um espaço de tempo para decidir, tem a pressão da imprensa, os focos do mundo todo... É um grande campeão, um vitorioso.
Folha - Em relação ao clima pesado da disputa, muito mais tenso do que no ano passado, o que é que o senhor está achando?
Tan -
O clima mais tenso é devido simplesmente à melhora de nosso computador. Kasparov sentiu-se ameaçado, o que gerou uma competição mais forte, um clima de disputa mais pesado. A reclamação dele também advém daí, não tenho dúvida.
Folha - Para completar, o senhor tem o atributo de movimentar as peças seguindo as ordens do computador. Qual a sensação?
Tan -
Deve ser igual à de uma máquina. Só sigo ordens.



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