São Paulo, domingo, 11 de agosto de 2002

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Agência "O Globo"
Torcedor vascaino saboreia um espetinho em São Januário, onde ambulantes pregam "conhecimento" para atuar dentro do estádio


Comer, beber...
torcer

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

Numa erudita tertúlia travada com alguns filósofos no botequim da esquina de casa, chegamos à conclusão de que as duas melhores coisas do mundo são futebol e comida (a TV ficou em terceiro lugar, e o sexo, no quarto, que, pensando bem, é o seu lugar).
Foi então que Nietzsche (o português dono do bar, que recebeu o apelido pelo seu vasto bigode) disse que o melhor mesmo era juntar os dois e comer no estádio. Nietzsche recebeu uma salva de palmas, e eu, tendo como desculpa a abertura do Brasileiro, me lancei na incumbência de fazer uma reportagem sobre comida nos estádios pelo país.
O primeiro que visitei foi o Arruda, no Recife, casa do Santa Cruz. Comecei com o pé direito, porque ali há uma grande variedade de acepipes, alguns muito bons. Se o time é de Série B (que também começa hoje), o cardápio é de Série A. O Arruda é uma espécie de Fasano dos estádios.
Antes de entrar no "Gigante da rua das moças" já se pode forrar o estômago nas barraquinhas. Aliás, a qualidade e o capricho mudam muito de uma para outra.
O salsichão em espiral é bem interessante (R$ 0,50), assim como os bons espetinhos de carne entremeados de cebola (R$ 1 a R$ 1,50) e os espetos mistos (vaca, frango e linguiça, R$ 1,50). Para os vegetarianos, há uma boa salada de fruta e, é claro, o tradicional queijo coalho (R$ 1 e R$ 1,50).
Já os mais corajosos podem enfrentar as asinhas de frango (um tanto desconfiáveis, R$ 0,25) e, principalmente, as largas fatias de fígado de boi (R$ 0,50). Eu, confesso, refuguei. Mas havia uma boa aceitação entre os locais.
No estádio, a variedade continua. Só de amendoim há três tipos: sem casca, com casca e cozido (todos a R$ 0,50 ou 3 por R$ 1). Já o saquinho com ovos de codorna sai por R$ 1. Os sorvetes (marca Só Mel, R$ 0,25) também possuem sabores diferentes dos do Sul, como graviola e cajá.
Os frequentadores dizem que há também roletes de cana (vendidos em tabuleiros, enfiados em palitinhos), mas são mais encontrados nos jogos vespertinos. Para meu azar, fui ao Arruda à noite.
Na região das sociais há uma certa sofisticação. Ambulantes oferecem doses de Johnie Walker e Teacher's por R$ 2. Há espetos de coração (raros na arquibancada), e o coalho vem com orégano.
Para os que conseguirem controlar a fome, na saída os preços em geral caem pela metade. E ainda mais em caso de derrota. Segundo os ambulantes do Arruda (que pagam R$ 15 para entrar no estádio), a vitória dá fome.

Sem peixe
Homenagem prestada, falemos agora da Série A. Começando pelo começo, por quem já começou no campeonato: o Santos, que ontem pegaria o Botafogo em casa.
Na Vila Belmiro há um comércio tradicional nas ruas que cercam o campo: pipoca, sorvete, espetinhos e dogões. De diferente, uma salsicha com queijo. As barracas têm qualidades muito diferentes entre si e é bom dar uma espiada na higiene dos ambulantes.
Dentro da Vila, há boas opções. O sanduíche de carne assada da lanchonete (R$ 2,50) é bem respeitável. O molho é caprichado, com bastante cebola e alho. Outra opção é a linguiça (em três versões: com alho, apimentada e com queijo, R$ 2,50). Curiosamente não há peixe no estádio do Peixe.
Quem foi ontem ao Morumbi, para ver o São Paulo estrear contra o Paysandu, pôde degustar as calabresas das barracas ao redor do estádio. Alguns vendedores dizem trazê-las de Bragança. Verdade ou não, meu estômago diz que elas são bem aceitáveis.
Já em São Januário, que ontem viu Vasco x Figueirense, as coisas não são tão saborosas. O Rio tem uma grande e merecida fama de possuir ótimos botequins, onde são encontradas obras de arte, como o sanduíche de pernil e abacaxi do Cervantes ou o bolinho de aipim do Bracarense. Porém a tradição de bons petiscos não chegou ao estádio do Vasco.
Há algumas lanchonetes e nenhum prato diferente. O hambúrguer (R$ 0,50) é comível, mas sua carne é muito fina (no mau sentido). O joelho italiano (massa com presunto e queijo, R$ 1) é sólido demais, e os salgadinhos (coxinha, salsicha empanada, bolinho de carne, R$ 1) são medianos.
Podem-se encontrar alguns ambulantes que montam pequenas churrasqueiras e vendem salsichão e espetinho. Isso é proibido, mas um dos vendedores explicou sua presença: "Se tiver conhecimento, não tem problema".
Há também alguns produtos industrializados, mas as marcas são pouco conhecidas, como o biscoito de polvilho Sortilège (R$ 1), o guaraná Frutline (R$ 2) e um sorvete sem identificação, que os ambulantes chamam de Dragão Chinês (R$ 0,50, muito ruim). Para as partidas monótonas pode-se recorrer aos vendedores de café que ficam zanzando pelas arquibancadas com uma garrafa térmica (R$ 0,50). Sem Romário, eles devem ter mais trabalho neste ano.
No Mineirão, mesmo fora de campo já são encontradas algumas coisas curiosas. O cachorro-quente (R$ 1), por exemplo, usa aquela salsicha suspeita de sempre e aquela gama de molhos (mostarda, catchup, maionese, vinagrete, batata palha,...).
Mas não pára por aí. No rotidógui mineiro você ainda pode colocar frutas cristalizadas. É isso mesmo, aquelas coisas que vêm nos panetones. Não cheguei a experimentar, mas fiquei com a impressão de que as passas são um estranho no ninho. Mais ou menos como quando o Roque Júnior decide subir para o ataque: pode até dar certo, mas é perigoso.

Com jiló
Há também os espetinhos tradicionais (R$ 1,50). Uma variação interessante é o espetinho de frango enrolado no toucinho, onde um ajuda o outro e cada um sozinho não merece destaque. Uma espécie de Washington e Assis.
Nesta categoria, o melhor foi o espetinho-no-prato-com-cebola-e-jiló (R$ 2). O jiló sozinho é sem graça como um centroavante de um time sem meias, mas, com a carne e a cebola, faz uma bela triangulação. Na área dos doces, o destaque é uma farta pamonha com queijo, grande como um tijolo. E com o mesmo gosto.
Porém o grande sucesso culinário do Mineirão está dentro dos muros. É uma iguaria servida desde a inauguração do estádio, 30 e tantos anos atrás: o feijão tropeiro. Trata-se de uma verdadeira refeição e custa R$ 3,50.
O tropeiro vem numa embalagem de alumínio. O problema é que, para evitar assassinatos, não é servido com garfo e faca, mas apenas com uma colher de plástico. Por sorte, ou azar, o lombo é tão diáfano que quase sempre se consegue cortá-lo com a colher, a não ser onde a nervura é mais forte. Aí o jeito é tascar-lhe os dentes como um homem das cavernas.
O tropeiro vende cerca de 50% a mais nos jogos noturnos. Nas partidas vesperais, como a de hoje, do Atlético-MG contra o Corinthians, a torcida já vai almoçada e aí o sucesso é a cerveja.
Segundo Júlio Coelho, dono de 17 bares no estádio, em grandes jogos são vendidas mais de 10 mil quentinhas. Elas vêm com arroz (farto), feijão (decente), couve (seca), torresmo (bom), lombo (quase transparente), ovo (gema dura, mas salgadinho) e farofa.
A refeição mata a fome e é o grande sucesso do Mineirão, depois de Tostão e Reinaldo, é claro.
Quanto a petiscos, são decepcionantes. Como se trata de um estádio público, a Vigilância Sanitária só permite a venda de produtos industrializados, ou seja, batatas Chips, sorvetes Yopa...
Assim, acabaram com os "toreros" (vendedores ilegais que entram "na tora", "na marra"). Isso garante a saúde do torcedor, mas faz com que ele perca amendoinzinhos e sua família de pitéus.
Não sei porquê, mas o fim dos toreros me dá um frio na barriga.


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