São Paulo, sábado, 11 de novembro de 2006

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JOSÉ GERALDO COUTO

Antônio da paixão cearense


Ele nos deu uma lição ao atravessar o país para torcer, mas sem perder o senso crítico diante do seu time


COM AQUELA dose de risco sem a qual a vida não tem a menor graça, já dá para dizer que o São Paulo é campeão brasileiro de 2006. Mas o personagem da semana, a meu ver, é o cearense Antônio de Oliveira, que não tem nada a ver com o tricolor paulista.
O quê? Você não sabe quem é Antônio Oliveira? Eu também não sabia até anteontem, quando li uma pequena reportagem sobre ele neste caderno. Ele é o sujeito que saiu de Fortaleza e viajou 47 horas de ônibus para passar frio em São Paulo e ver o seu time, o Fortaleza, ser goleado pelo Palmeiras. De quebra, correu o risco de apanhar na saída do Parque Antarctica.
O que leva uma criatura pensante a fazer uma coisa dessas? "Muita paixão", responde ele. Bota paixão nisso. Mas o que me levou a simpatizar imediatamente com Antônio foi o fato de que a tal paixão não obscureceu seu raciocínio crítico. Disse ele que seu amor é pelo clube, mas que o time atual do Fortaleza "não vale nada". Parece pouco, mas muitos torcedores não conseguem fazer essa distinção.
Quantas vezes, ao criticar uma atuação, uma campanha ou a atual direção de um time, o comentarista não é acusado por sua torcida -sobretudo por suas facções bélicas, também chamadas de organizadas- de ser contra o clube? Quem, entre comentaristas e cronistas esportivos, não foi acusado alguma vez de antivascaíno por criticar Eurico Miranda ou de anticorintiano por denunciar o malfadado acordo Alberto Dualib-MSI?
Criticar a má gestão de um clube, a formação deficiente de um elenco, a incompetência de uma comissão técnica, eventualmente até a grossura de um jogador é, muitas vezes, demonstrar respeito por um clube, sua história e seus torcedores.
Se vivo falando mal de Eurico Miranda e de seus métodos coronelistas é por admirar o Vasco da Gama e tudo o que ele representa para o futebol brasileiro. Se abomino Dualib e considero o acordo com a MSI um dos maiores desastres recentes do futebol brasileiro é por amar o Corinthians quase com a mesma paixão que o Antônio Oliveira tem pelo seu Fortaleza.
Essa confusão entre um clube e sua atual chefia, ou seu atual elenco, é análoga à idéia de que, se falamos mal do governo, estamos falando mal do Brasil. Ora, criticar os erros dos governantes é uma obrigação de quem quer o bem do país.
Quem atravessa de ônibus meia dúzia de Estados para se enfiar no meio do alçapão inimigo e apoiar seu clube, mesmo que este seja um dos lanternas do campeonato, tem todo o direito de vaiar, xingar e protestar quanto quiser. Deveria ter também o direito de participar de alguma maneira da gestão do clube que ama. Mas essa é uma questão ainda mais cabeluda, que exigiria uma coluna à parte. Por enquanto, brindemos ao cearense Antônio e sua paixão.

SALVE O TRICOLOR
Os 3 a 0 sobre o Botafogo que praticamente sacramentaram a conquista do título pelo São Paulo mostraram muito bem o poderio do time. Não que o placar reflita o que foi o jogo, muito mais equilibrado, em posse de bola e chances de gol, do que o marcador pode fazer crer. Numa analogia com o boxe, se o resultado fosse por pontos, o São Paulo talvez ganhasse por pouco. Mas foi por nocaute. O tricolor aproveitou as poucas falhas de marcação do rival e matou o jogo. O primeiro golpe foi no primeiro tempo, quando o time tomava uma canseira da marcação e, desfalcado de Danilo, não encontrava o caminho do gol. Os outros foram golpes de misericórdia, quando o Botafogo tentava afoito tirar o prejuízo. Jogadas de objetividade mortal, em que até os erros deram certo. Vitória de campeão, em suma.

jgcouto@uol.com.br


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