|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Paz pelo esporte
Projetos que levam a prática esportiva para regiões em conflito são vistos como importante ferramenta humanitária e recebem cada vez mais apoio da ONU
MARIANA LAJOLO
DA REPORTAGEM LOCAL
CERTA tarde, o australiano Oliver Percovich
saiu às ruas para andar
de skate. Logo estava cercado
por crianças curiosas, animadas com suas habilidades sobre
aquela prancha com rodas.
Cena banal, não fosse pelo
cenário em que ocorreu: ruas
de Cabul, no Afeganistão.
A curiosidade das crianças
deu a ideia ao australiano, que
acompanhava a namorada,
transferida para o local a trabalho. Nascia a Skateistan (mistura de skate e Afeganistão, em
inglês), escola que ensina o esporte aos pequenos afegãos.
Iniciativas como essa, de governos, ONGs ou entidades esportivas, têm se tornado cada
vez mais comuns, como tentativa de melhorar a vida em regiões atingidas por conflitos ou
desastres naturais. E ganham
incentivo crescente da Organização das Nações Unidas.
A entidade alçou o esporte a
um novo status e o aponta como importante ferramenta para ações humanitárias, ao lado
de alimentação, educação, saúde e saneamento básico.
"Após um desastre, o esporte
pode ajudar comunidades a superar o trauma. Projetos benfeitos podem lhes dar novas
ferramentas e inúmeros benefícios psicológicos", disse à Folha Wilfried Lemke, assessor
especial de Esporte para Desenvolvimento e Paz da ONU.
"Esporte não é a panaceia para os problemas sociais, mas
não deve ser considerado luxo.
Minha missão é trabalhar por
seu reconhecimento como eficiente e inovador instrumento
de desenvolvimento e paz."
A ONU não implementa seus
próprios projetos. A entidade
dá suporte a quem quer pôr em
prática suas iniciativas, principalmente abrindo portas para
parcerias. Muitas ONGs, porém, iniciam as ações de forma
amadora e com pouca ajuda.
Foi assim que a Skateistan levou aulas de skate a Cabul, em
um circo, em um orfanato ou
em uma fonte abandonada feita
por soviéticos na Guerra Fria.
Após aperto financeiro em
2008, a entidade obteve apoios
e planeja erguer uma pista ao
lado do estádio olímpico, onde,
sob o regime do Taleban, o esporte deu lugar a execuções.
As aulas improvisadas
atraem igual número de meninos e meninas. Mas, aos 13
anos, muitas começam a faltar.
"A partir daí, elas não podem
mais praticar esporte. Algumas
sofrem preconceito na família,
dos irmãos mais velhos ou dos
pais, que acham que isso [skate]
não é bom para elas", afirma o
australiano Max Henninger.
"Mas, apesar disso, construímos uma relação de confiança,
e as famílias ficam felizes ao ver
os filhos aproveitando."
O esporte também tem sido
usado como ferramenta de medição de conflitos. Professor de
sociologia do esporte da Universidade de Brighton (Reino
Unido), John Sugden fez da experiência entre palestinos e israelenses uma pesquisa.
Ele é diretor da ONG Football for Peace (Futebol para a
Paz, em inglês), que leva o futebol a crianças palestinas e israelenses em Gaza e a protestantes e católicos na Irlanda.
Projeto semelhante leva
também o surfe a Gaza.
Sugden diz que sua maior dificuldade é ajudá-las a romper a
barreira criada entre seus povos. Apesar de não terem senso
político tão desenvolvido, são
ensinadas pela família, pelo governo, por líderes religiosos ou
pela mídia que devem ver o outro como inimigo. Muitas vezes
sem nem saber o porquê.
Segundo ele, no primeiro
contato as crianças ficam receosas, mas logo deixam as diferenças de lado. "Elas percebem que estão em um espaço
neutro em suas vidas, no qual
podem reconhecer que há mais
coisas que as aproximam do
que que as separam", afirma.
"E o esporte é ótima ferramenta para esse reconhecimento. É suporte importante
para resoluções políticas e econômicas que podem, sim, resolver os conflitos", completa.
Texto Anterior: Paulo Vinicius Coelho: O primeiro problema Próximo Texto: Frases Índice
|