São Paulo, domingo, 12 de julho de 2009

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Paz pelo esporte

Projetos que levam a prática esportiva para regiões em conflito são vistos como importante ferramenta humanitária e recebem cada vez mais apoio da ONU

MARIANA LAJOLO
DA REPORTAGEM LOCAL

CERTA tarde, o australiano Oliver Percovich saiu às ruas para andar de skate. Logo estava cercado por crianças curiosas, animadas com suas habilidades sobre aquela prancha com rodas.
Cena banal, não fosse pelo cenário em que ocorreu: ruas de Cabul, no Afeganistão.
A curiosidade das crianças deu a ideia ao australiano, que acompanhava a namorada, transferida para o local a trabalho. Nascia a Skateistan (mistura de skate e Afeganistão, em inglês), escola que ensina o esporte aos pequenos afegãos.
Iniciativas como essa, de governos, ONGs ou entidades esportivas, têm se tornado cada vez mais comuns, como tentativa de melhorar a vida em regiões atingidas por conflitos ou desastres naturais. E ganham incentivo crescente da Organização das Nações Unidas.
A entidade alçou o esporte a um novo status e o aponta como importante ferramenta para ações humanitárias, ao lado de alimentação, educação, saúde e saneamento básico.
"Após um desastre, o esporte pode ajudar comunidades a superar o trauma. Projetos benfeitos podem lhes dar novas ferramentas e inúmeros benefícios psicológicos", disse à Folha Wilfried Lemke, assessor especial de Esporte para Desenvolvimento e Paz da ONU.
"Esporte não é a panaceia para os problemas sociais, mas não deve ser considerado luxo. Minha missão é trabalhar por seu reconhecimento como eficiente e inovador instrumento de desenvolvimento e paz."
A ONU não implementa seus próprios projetos. A entidade dá suporte a quem quer pôr em prática suas iniciativas, principalmente abrindo portas para parcerias. Muitas ONGs, porém, iniciam as ações de forma amadora e com pouca ajuda.
Foi assim que a Skateistan levou aulas de skate a Cabul, em um circo, em um orfanato ou em uma fonte abandonada feita por soviéticos na Guerra Fria. Após aperto financeiro em 2008, a entidade obteve apoios e planeja erguer uma pista ao lado do estádio olímpico, onde, sob o regime do Taleban, o esporte deu lugar a execuções.
As aulas improvisadas atraem igual número de meninos e meninas. Mas, aos 13 anos, muitas começam a faltar.
"A partir daí, elas não podem mais praticar esporte. Algumas sofrem preconceito na família, dos irmãos mais velhos ou dos pais, que acham que isso [skate] não é bom para elas", afirma o australiano Max Henninger.
"Mas, apesar disso, construímos uma relação de confiança, e as famílias ficam felizes ao ver os filhos aproveitando."
O esporte também tem sido usado como ferramenta de medição de conflitos. Professor de sociologia do esporte da Universidade de Brighton (Reino Unido), John Sugden fez da experiência entre palestinos e israelenses uma pesquisa.
Ele é diretor da ONG Football for Peace (Futebol para a Paz, em inglês), que leva o futebol a crianças palestinas e israelenses em Gaza e a protestantes e católicos na Irlanda.
Projeto semelhante leva também o surfe a Gaza.
Sugden diz que sua maior dificuldade é ajudá-las a romper a barreira criada entre seus povos. Apesar de não terem senso político tão desenvolvido, são ensinadas pela família, pelo governo, por líderes religiosos ou pela mídia que devem ver o outro como inimigo. Muitas vezes sem nem saber o porquê.
Segundo ele, no primeiro contato as crianças ficam receosas, mas logo deixam as diferenças de lado. "Elas percebem que estão em um espaço neutro em suas vidas, no qual podem reconhecer que há mais coisas que as aproximam do que que as separam", afirma.
"E o esporte é ótima ferramenta para esse reconhecimento. É suporte importante para resoluções políticas e econômicas que podem, sim, resolver os conflitos", completa.


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