São Paulo, sexta-feira, 12 de agosto de 2005

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FUTEBOL

Pároco em Araraquara, Nelson Ramos é empresário do Taquaritinga e repassa a templo parte do obtido com negócios

Igreja lucra com vendas de padre-cartola

LUÍS FERRARI
ENVIADO ESPECIAL A TAQUARITINGA

De manhã, ele dá sermões, ouve confissões e veste batina. À tarde, seu telefone celular não pára. Palavras religiosas em latim dão lugar a impropérios destinados a juízes e bandeirinhas, num "português de alambrado". A Bíblia é substituída pelo livro caixa, e o objetivo maior é fazer negócios. Essa é a rotina de Nelson Ramos, padre e empresário de futebol.
As duas atividades começaram paralelamente, há 11 anos. "Era meu primeiro ano como padre e, como trabalho social, fundei uma escolinha de futebol em Novo Horizonte. O objetivo era tirar a criançada da rua. O projeto foi crescendo e passei a agenciar os talentos que eram revelados pela escolinha, como o Marcinho Guerreiro, volante do Palmeiras. Percebi que era um meio lucrativo para ajudar a ganhar a vida", lembra o padre, que hoje, com 20 atletas, tenta um vôo mais alto.
Há um mês, ele assumiu o futebol do Taquaritinga, clube do interior paulista que joga a segunda divisão do Estadual e que agora disputa a Copa FPF. No início da empreitada, tinha sociedade com uma empresa. Mas a parceira o deixou só e o padre decidiu continuar o projeto sozinho, com um custo mensal de R$ 15 mil.
Levou seis atletas de sua empresa, que tem 70% dos direitos deles. O resto do elenco tem os direitos divididos meio a meio entre o padre e o time. Na comissão técnica, outra novidade. O time é dirigido pelo ex-atacante Paulinho McLaren, que teve boa passagem pelo Santos nos anos 90 e estréia como treinador.
Paulinho é o primeiro a elogiar o padre. "O futebol atual carece de ética, precisa de mais dirigentes e empresários que demonstrem integridade. Com um padre exercendo esse trabalho, os envolvidos na operação tendem a confiar", diz o técnico, evangélico.
Hoje, a escolinha que surgiu como trabalho social não é mais do padre. Mas ele diz que parte do que lucra com futebol é da comunidade. "Pago à minha igreja o dízimo das vendas de jogadores."
Apesar de afirmar ser a mesma pessoa na igreja e no estádio -"não adianta ser santo só dentro da igreja"-, o sacerdote reconhece adotar atitudes diferentes nas duas circunstâncias.
Ele descarta a possibilidade de se deixar fotografar de batina no campo de futebol, "para não ofender fiéis que poderiam achar o sagrado ridicularizado, o que não seria o caso para mim".
E não se furta a fazer à Folha pedidos próprios de cartolas de equipes em dificuldade financeira. "Dê uma força. Registre no seu texto que temos à venda espaço para publicidade na camisa", solicita o padre, listando outros empresários com quem tem parceria (e que pede que também sejam citados) antes de sugerir ser fotografado diante de uma placa de patrocínio do estádio.
Padre Nelson, 37, diz que sua atividade como empresário não infringe nenhuma lei eclesiástica. "Desde o início, tenho a autorização do bispo, que dá apoio moral à iniciativa", sustenta o pároco de uma igreja em Araraquara. "Só apoio moral mesmo, porque dinheiro ele nunca mandou..."
A reportagem então começa a indagá-lo se já sofreu oposição de algum fiel e é interrompida. "Se alguma velha chata já criticou? Eu não dou esse espaço. Na igreja, sou mais linha-dura do que aqui no campo", fala sorrindo, antes de um jogador questioná-lo informalmente se o pagamento aconteceria em dia.
Ele diz até que não há rivalidade entre ele e os freqüentadores de sua paróquia quando o Taquaritinga enfrenta a Ferroviária, o time de Araraquara. "Já houve o jogo, torci pelo Taquaritinga que ganhou de 2 a 0", lembra o padre, que não tem reservas para assumir que torceu para seu time em detrimento do da cidade em que atua como padre. "Só teria dificuldade de torcer contra o Palmeiras. Torceria pelo empate."


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