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FUTEBOL
Pároco em Araraquara, Nelson Ramos é empresário do Taquaritinga e repassa a templo parte do obtido com negócios
Igreja lucra com vendas de padre-cartola
LUÍS FERRARI
ENVIADO ESPECIAL A TAQUARITINGA
De manhã, ele dá sermões, ouve
confissões e veste batina. À tarde,
seu telefone celular não pára. Palavras religiosas em latim dão lugar a impropérios destinados a
juízes e bandeirinhas, num "português de alambrado". A Bíblia é
substituída pelo livro caixa, e o
objetivo maior é fazer negócios.
Essa é a rotina de Nelson Ramos,
padre e empresário de futebol.
As duas atividades começaram
paralelamente, há 11 anos. "Era
meu primeiro ano como padre e,
como trabalho social, fundei uma
escolinha de futebol em Novo Horizonte. O objetivo era tirar a
criançada da rua. O projeto foi
crescendo e passei a agenciar os
talentos que eram revelados pela
escolinha, como o Marcinho
Guerreiro, volante do Palmeiras.
Percebi que era um meio lucrativo para ajudar a ganhar a vida",
lembra o padre, que hoje, com 20
atletas, tenta um vôo mais alto.
Há um mês, ele assumiu o futebol do Taquaritinga, clube do interior paulista que joga a segunda
divisão do Estadual e que agora
disputa a Copa FPF. No início da
empreitada, tinha sociedade com
uma empresa. Mas a parceira o
deixou só e o padre decidiu continuar o projeto sozinho, com um
custo mensal de R$ 15 mil.
Levou seis atletas de sua empresa, que tem 70% dos direitos deles. O resto do elenco tem os direitos divididos meio a meio entre o
padre e o time. Na comissão técnica, outra novidade. O time é dirigido pelo ex-atacante Paulinho
McLaren, que teve boa passagem
pelo Santos nos anos 90 e estréia
como treinador.
Paulinho é o primeiro a elogiar
o padre. "O futebol atual carece de
ética, precisa de mais dirigentes e
empresários que demonstrem integridade. Com um padre exercendo esse trabalho, os envolvidos na operação tendem a confiar", diz o técnico, evangélico.
Hoje, a escolinha que surgiu como trabalho social não é mais do
padre. Mas ele diz que parte do
que lucra com futebol é da comunidade. "Pago à minha igreja o dízimo das vendas de jogadores."
Apesar de afirmar ser a mesma
pessoa na igreja e no estádio
-"não adianta ser santo só dentro da igreja"-, o sacerdote reconhece adotar atitudes diferentes
nas duas circunstâncias.
Ele descarta a possibilidade de
se deixar fotografar de batina no
campo de futebol, "para não ofender fiéis que poderiam achar o sagrado ridicularizado, o que não
seria o caso para mim".
E não se furta a fazer à Folha pedidos próprios de cartolas de
equipes em dificuldade financeira. "Dê uma força. Registre no seu
texto que temos à venda espaço
para publicidade na camisa", solicita o padre, listando outros empresários com quem tem parceria
(e que pede que também sejam citados) antes de sugerir ser fotografado diante de uma placa de
patrocínio do estádio.
Padre Nelson, 37, diz que sua
atividade como empresário não
infringe nenhuma lei eclesiástica.
"Desde o início, tenho a autorização do bispo, que dá apoio moral
à iniciativa", sustenta o pároco de
uma igreja em Araraquara. "Só
apoio moral mesmo, porque dinheiro ele nunca mandou..."
A reportagem então começa a
indagá-lo se já sofreu oposição de
algum fiel e é interrompida. "Se
alguma velha chata já criticou? Eu
não dou esse espaço. Na igreja,
sou mais linha-dura do que aqui
no campo", fala sorrindo, antes
de um jogador questioná-lo informalmente se o pagamento aconteceria em dia.
Ele diz até que não há rivalidade
entre ele e os freqüentadores de
sua paróquia quando o Taquaritinga enfrenta a Ferroviária, o time de Araraquara. "Já houve o jogo, torci pelo Taquaritinga que
ganhou de 2 a 0", lembra o padre,
que não tem reservas para assumir que torceu para seu time em
detrimento do da cidade em que
atua como padre. "Só teria dificuldade de torcer contra o Palmeiras. Torceria pelo empate."
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