São Paulo, sexta-feira, 12 de setembro de 2008

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XICO SÁ

A pátria dos secadores


Logo vimos que a Bolívia, tão merecida quanto a gestão do índio Morales, legitimada em referendos, faria história


AMIGO TORCEDOR , amigo secador, só tive pena dos coitados dos gandulas, obrigados a devolver a bola para uma infinita sessão de sadomasoquismo, porque a bola parecia pedir "maltrata que eu gosto", gorduchinha perversa, como as melhores amantes deste mundo.
Sim, os locutores oficiais também sofreram em demasia, porque voltaram pollyaníssimos do Chile, uns Cândidos ludopédicos, mas esses são muito bem pagos, missionários da nobre causa, o patriotismo é um extra no contracheque.
Os gandulas, meu Deus, pareciam pinturas do Munch, aquele capaz de rascunhar o som de um grito, um grave mais histérico do que a defesa de uma foquinha assediada no elevador ou na escada por um velho tarado de jornal em um "pescoção" de sexta-feira. Nas redações, estão os tarados mais perigosos do universo.
"Pescoção", amigo, é o velho "serão" para deixar pronto o jornal de domingo; foca é o calouro, o inocente, puro e besta, como diria o Raul Seixas naquela história do rapaz do interior que foi morar em Ipanema.
A torcida não é idiota, vai por farra ou louca para vaiar, há um certo gosto por isso. Aliás foi para secar o Dunga, como nós, pois não conheço um brasileiro que não tenha vibrado com o belíssimo 0 a 0, o jogo do ano.
Porque não existe torcedor de seleção. Ora, se é seleção, nem importa que traga o caneco, eu quero é cinema, espetáculo, coisa fina, como nos raríssimos momentos de Garrincha, Pelé, Zico, Falcão, Sócrates e lampejos de Ronaldos e Rivaldos... Porque não existe torcedor de seleção brasileira permanente. A não ser nossas mães e irmãs, nossas mulheres... Ou aqueles primos lesados que não gostam de futebol em tempos normais, apenas em Copa do Mundo. Sem se falar na falsa torcida que ganha o ingresso de empresa e vai no estádio para pagar pau de VIP.
Quem gosta de futebol mesmo torce pelo seu time. Torcedor de seleção é tão abstrato quanto o conceito da pátria em chuteiras. No mais, adoramos quando dá errado. Uns inventam desculpas políticas, uns falam dos cartolas, outros sacam poemas românticos... Mas o certo é que toda paixão e paciência que temos com os nossos clubes se esgotam em segundos com anêmico catado de amarelo e branco.
E olhe que agora a relação é a mais cordial possível, a "torcida" chega a esperar 27 minutos e meio para iniciar o coro. Antes, começava pelo hino. Acontece que a música do lábaro estrelado foi tão banalizada nas nossas várzeas, com a obrigatoriedade de tocá-la antes das pelejas, que hoje está livre do vexame inicial. Menos em Pernambuco, claro, herdeiro das insurreições de Frei Caneca, que continua a ignorar o "ouviram do Ipiranga" e outros brados. Ah, mas só os gandulas, à vera, sofreram na quarta, porque ali nos arredores do Engenhão até o mais patriótico cochilava. Não sejamos hipócritas, todos despachamos os corvos particulares, os Edgares secadores que dormem no poleiro de nossas almas, para Engenho de Dentro. Claro que não acreditávamos, seria lindo demais para ser verdade o zero a zero que te quero, vida noves fora zero... Mas, quando a bola rolou, essa boterinha perversa, vimos que a Bolívia, tão merecida quanto a gestão do índio Morales, legitimada em urnas e referendos, faria história.

xico.folha@uol.com.br



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