São Paulo, domingo, 12 de outubro de 2008

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JUCA KFOURI

Você, torcedor


A coluna "Nós, corintianos" rendeu. Rendeu até para dizer que você deveria rejeitar ser enganado

VOCÊ, SÃO-PAULINO, tem milhões de motivos para ser um torcedor orgulhoso. O tricolor é o maior vencedor do futebol brasileiro, apesar de ser o mais jovem dos grandes, tem o patrimônio que tem e, historicamente, alguns dos dirigentes mais competentes.
Além de ter a terceira maior torcida do país, com cada vez mais jovens engrossando suas fileiras.
Nem por isso, é claro, você, são-paulino, deve fechar os olhos para o fato de que pimenta não só arde como, às vezes, cheira muito mal e de que essa história de ser campeão e ladrão também já marcou a história do Morumbi, assim como um certo complexo de superioridade que até se justifica, mas faz mal à imagem.
Já você, palmeirense, da Academia, campeão do século 20, bem sabe o que é ser adepto de uma brava colônia, sem a qual o Brasil não seria o que é. Conhece o gosto amargo do pior dos sentimentos, o de ser injustiçado, vítima de preconceitos mesquinhos, da inveja do rival. E sabe como poucos apreciar a arte de se jogar futebol, embora tenha sido presa, recente, de quem dentro de casa só pensou em explorar sua paixão para fins inconfessáveis. Ou não?
E você, santista, também vítima, como todos os demais, de cartolas medíocres e/ou bandidos, poderia até se bastar por ter tido o melhor time de futebol de todos os tempos, passados, presentes e futuros, porque provavelmente jamais venha a ser repetido. Mas a pureza branca que caracteriza a sua fé nem se limita a Pelé, que não teve limites. Porque depois dele, você sabe, houve outros e outros e mais outros haverá, pois não.
E aqui poderia falar a todos os demais torcedores das grandes massas do país. Mas nem é preciso, porque cada uma tem motivos mais que suficientes para se sentir diferente, assim como o torcedor dos times menos grandes.
Porque cada torcida tem sua marca, tem sua história, tem seus motivos, seus orgulhos, suas vergonhas.
E esperar do torcedor um mínimo de racionalidade é o que de mais irracional alguém pode fazer, seja jornalista, intelectual, médico, engenheiro ou advogado, tudo isso, ou nada disso.
Mas gostar de ser enganado é coisa para personagem rodriguiano. Se era natural que carradas de corintianos reagissem encantados diante da última coluna aqui publicada, a irritação dos não-corintianos ficou um pouco além do razoável, ou melhor, muito além.
Será que você quer que o jornalista finja ser o que não é, e mais, esteja acima dos sentimentos de uma pessoa comum? Serão os deuses astronautas, os jornalistas marcianos, os leitores donos da verdade?
Pense nisso. Não será melhor saber exatamente o que vai pela alma de quem você lê, ouve, vê?
Fulano é a favor da legislação antitabagista porque não fuma ou apesar de fumar? Critica o governo por ser adepto de outro partido ou é mesmo apartidário? Não será melhor conhecer a posição de cada veículo para dele apenas exigir isenção na cobertura?
Ou, repita-se, você prefere ser enganado? Ou é adepto do auto-engano, como se vivesse num mundo sem interesses e contradições? Torça, até distorça, mas não mate seu rival. A vítima será você.

blogdojuca@uol.com.br


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