São Paulo, sábado, 12 de novembro de 2005

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FUTEBOL

Fuerte Apache é aqui mesmo

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Se o Corinthians for campeão, como é provável, muitos dirão que esse destino estava escrito desde que a MSI injetou dinheiro e poder no Parque São Jorge.
A tese do determinismo absoluto dos fatores materiais (tradução: quem tem dinheiro pode tudo) é uma maneira de ver o mundo que não deixa de ter pontos de contato com a velha e boa teoria marxista: as relações econômicas moldando a vida humana em todos os seus aspectos.
Em última análise é isso mesmo, mas não de modo tão mecânico. Entre a base material e as nossas aspirações mais íntimas, entre o feijão e o sonho (como diria Orígenes Lessa), há inúmeros desvios, surpresas, acidentes de percurso. Os indivíduos são muito mais complicados e esquivos do que qualquer teoria pode prever. E o futebol é, por definição, um terreno em que reina a imprevisibilidade.
Se assim não fosse, o clube mais rico de um país seria sempre campeão nacional, o mais rico de um continente seria campeão continental, e assim por diante.
Se analisarmos a trajetória do Corinthians durante a presente temporada, veremos que não foram poucos os imprevistos que ocorreram.
Dos astros contratados a peso de ouro, Mascherano e Sebá se contundiram, Carlos Alberto passou um bom tempo na reserva, Roger demorou para engrenar e depois também se contundiu. O treinador Passarella se desentendeu com o clube, fracassou e saiu.
Noves fora, sobrou Carlitos Tevez, que muitos consideram o craque do campeonato. Aparentemente, isso confirma a tese determinista: o atleta mais caro, o que ganha o maior salário, é também o mais efetivo.
Mas a meu ver Tevez é a maior das surpresas. Quem diria que aquele argentino insolente e marrento, que provocou a seleção brasileira na final da Copa América, se tornaria uma das poucas unanimidades nacionais num torneio marcado pelas dissensões violentas?
Tevez hoje é amado pelos corintianos e admirado pelos torcedores dos outros clubes, mas isso não estava escrito nas estrelas. Eu mesmo, quando o Corinthians o contratou, pensei: "Não vai dar certo".
O sujeito vinha para um time do qual ele mal tinha ouvido falar. Trocava a bela Buenos Aires pela infernal São Paulo, quando na verdade sonhava com um clube de primeira linha na Europa. Além disso, ganharia um salário escandalosamente mais alto que o de seus colegas de clube, o que tendia a gerar ressentimentos e até um possível boicote.
Mas em pouco tempo, com seu talento e sua garra, Carlitos venceu as dificuldades de adaptação. Levou botinadas, trocou socos, apanhou da língua, sambou quadrado, mas no fim mostrou que a arte, mesmo a plebéia arte de jogar bola, pode superar as fronteiras de país e de classe para criar, ainda que de modo fugaz, uma espécie de comunhão humana.
Entre Itaquera e Fuerte Apache, as diferenças não são tão grandes assim.

Legião estrangeira
Este Brasileirão foi mesmo o dos estrangeiros. Tevez e Petkovic são os craques da temporada. Além deles, Lugano, Gamarra, Maldonado, Rentería e outros ajudaram a manter elevado o nível de um torneio cada vez mais desfalcado de craques nacionais, levados em sangria desatada para os quatro cantos do mundo. Embora a "balança comercial", nesse caso, seja muito desigual, esse troca-troca é saudável não apenas do ponto de vista técnico e tático, mas também do enriquecimento humano. Gosto de ver os "gringos" se abrasileirando, aprendendo nossas gírias, amaciando seu estilo de jogar e de viver. Petkovic, por exemplo, depois de ter passado por Vitória, Flamengo, Vasco e Fluminense, parece mais carioca que muita gente nascida no Rio.

E-mail jgcouto@uol.com.br


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