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FUTEBOL
Fuerte Apache é aqui mesmo
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Se o Corinthians for campeão,
como é provável, muitos dirão que esse destino estava escrito
desde que a MSI injetou dinheiro
e poder no Parque São Jorge.
A tese do determinismo absoluto dos fatores materiais (tradução: quem tem dinheiro pode tudo) é uma maneira de ver o mundo que não deixa de ter pontos de
contato com a velha e boa teoria
marxista: as relações econômicas
moldando a vida humana em todos os seus aspectos.
Em última análise é isso mesmo, mas não de modo tão mecânico. Entre a base material e as
nossas aspirações mais íntimas,
entre o feijão e o sonho (como diria Orígenes Lessa), há inúmeros
desvios, surpresas, acidentes de
percurso. Os indivíduos são muito
mais complicados e esquivos do
que qualquer teoria pode prever.
E o futebol é, por definição, um
terreno em que reina a imprevisibilidade.
Se assim não fosse, o clube mais
rico de um país seria sempre campeão nacional, o mais rico de um
continente seria campeão continental, e assim por diante.
Se analisarmos a trajetória do
Corinthians durante a presente
temporada, veremos que não foram poucos os imprevistos que
ocorreram.
Dos astros contratados a peso
de ouro, Mascherano e Sebá se
contundiram, Carlos Alberto passou um bom tempo na reserva,
Roger demorou para engrenar e
depois também se contundiu. O
treinador Passarella se desentendeu com o clube, fracassou e saiu.
Noves fora, sobrou Carlitos Tevez, que muitos consideram o craque do campeonato. Aparentemente, isso confirma a tese determinista: o atleta mais caro, o que
ganha o maior salário, é também
o mais efetivo.
Mas a meu ver Tevez é a maior
das surpresas. Quem diria que
aquele argentino insolente e marrento, que provocou a seleção
brasileira na final da Copa América, se tornaria uma das poucas
unanimidades nacionais num
torneio marcado pelas dissensões
violentas?
Tevez hoje é amado pelos corintianos e admirado pelos torcedores dos outros clubes, mas isso não
estava escrito nas estrelas. Eu
mesmo, quando o Corinthians o
contratou, pensei: "Não vai dar
certo".
O sujeito vinha para um time
do qual ele mal tinha ouvido falar. Trocava a bela Buenos Aires
pela infernal São Paulo, quando
na verdade sonhava com um clube de primeira linha na Europa.
Além disso, ganharia um salário
escandalosamente mais alto que
o de seus colegas de clube, o que
tendia a gerar ressentimentos e
até um possível boicote.
Mas em pouco tempo, com seu
talento e sua garra, Carlitos venceu as dificuldades de adaptação.
Levou botinadas, trocou socos,
apanhou da língua, sambou quadrado, mas no fim mostrou que a
arte, mesmo a plebéia arte de jogar bola, pode superar as fronteiras de país e de classe para criar,
ainda que de modo fugaz, uma
espécie de comunhão humana.
Entre Itaquera e Fuerte Apache,
as diferenças não são tão grandes
assim.
Legião estrangeira
Este Brasileirão foi mesmo o
dos estrangeiros. Tevez e Petkovic são os craques da temporada. Além deles, Lugano, Gamarra, Maldonado, Rentería e
outros ajudaram a manter elevado o nível de um torneio cada
vez mais desfalcado de craques
nacionais, levados em sangria
desatada para os quatro cantos
do mundo. Embora a "balança
comercial", nesse caso, seja
muito desigual, esse troca-troca
é saudável não apenas do ponto
de vista técnico e tático, mas
também do enriquecimento
humano. Gosto de ver os "gringos" se abrasileirando, aprendendo nossas gírias, amaciando seu estilo de jogar e de viver.
Petkovic, por exemplo, depois
de ter passado por Vitória, Flamengo, Vasco e Fluminense,
parece mais carioca que muita
gente nascida no Rio.
E-mail jgcouto@uol.com.br
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