São Paulo, domingo, 12 de novembro de 2006

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JUCA KFOURI

O gato. E os ratos

É surpreendente que uma entidade tão rica como a CBF não tenha como fiscalizar a autenticidade das certidões

O CASO do jogador Carlos Alberto, do Figueirense, é exemplar. E conhecido. Como ele, tantos outros gatos já foram descobertos, muitos mais não foram, e sabe-se lá quantos ainda serão na África brasileira. Parece pacífico que o atleta deva ser punido e que o clube nada tenha a ver com a falsificação.
E que, por mais comovente e convincente que tenha sido a confissão de Carlos Alberto, não será com um passar de mão em sua cabeça que a questão será resolvida, mesmo que esteja certo ao dizer que o futebol pode tê-lo impedido de virar ladrão e foi o meio que encontrou para tirar sua família da miséria e da fome. Seria grave precedente.
Até porque, mesmo que sem querer, ele prejudicou alguém que poderia estar em igual situação e que perdeu a vaga na seleção sub-20. A tentação de paternalizar o episódio é enorme, e é daqueles que um repórter sente orgulho de ter feito por um lado e profunda pena de outro, situação vivida por Sérgio Rangel, desta Folha.
Nada surpreende no caso, a não ser, talvez, a inexistência até da cidade que aparece no documento como sendo a do nascimento do jogador. O que pode revelar que a adulteração não foi feita, como é regra, por falsificadores profissionais, cúmplices de empresários e procuradores de um sem-número de garotos que tentam a sorte no futebol, um dos únicos meios de ascensão social neste país.
Porque só há gatos onde há ratos nos porões do futebol, composto por clubes que raramente comprovam a autenticidade da documentação que lhe é apresentada e que mais raramente ainda se preocupam em educar os garotos que recebem, meio mais eficaz para ensiná-los a se defender dos espertalhões e para prepará-los como verdadeiros cidadãos.
Dirão, é claro, que a culpa é da Lei Pelé, como se antes os gatos não proliferassem e a falta de preocupação em educar não fosse a norma, com as exceções de praxe.
Mas salta aos olhos que a rica CBF, que se gaba de ter os melhores contratos de patrocínio do futebol mundial, mais uma vez tenha um jogador que defendeu uma de suas seleções envolvido em tal trapalhada, manchando, de maneira irreversível, o título mundial sub-20 obtido em 2002. Que a Fifa deveria puni-la é ainda mais óbvio do que a necessidade de punir Carlos Alberto.
Só que tem mais: será que a moderna, a competente, a informatizada CBF não tem como fiscalizar a documentação, ao menos, dos jogadores chamados para servi-la? Alguém que note, por exemplo, que não existe nenhum município de São Matheus no Estado do Rio de Janeiro, sede da entidade.
Lembremos duas coisinhas. O Figueirense não teve benefício com a fraude; ao contrário, tem sob contrato um profissional cinco anos mais velho do que imaginava. Já a CBF se beneficiou, e muito.
Pôs um adulto de 25 anos para enfrentar meninos de menos de 20. E o que diz a CBF?
Só evasivas e cochichos. Provavelmente se eximirá de responsabilidade, dirá que nada fez e nada sabe, como habitual.
A ponto de, noutro dia mesmo, por sinal, ter publicado nota oficial para dizer que não é de sua responsabilidade, ao contrário do que diz o Estatuto do Torcedor, a publicação das súmulas do Campeonato Brasileiro, que ela organiza. Com o que quis se livrar da conivência com os atrasos das federações estaduais, direito que a lei não lhe dá.
Como a Justiça, registre-se, já resolveu em casos assemelhados.
Neste balaio de caranguejos, há gatos, ratos e percevejos.
Viva a Copa-2014 no Brasil!
A África somos nós.


blogdojuca@uol.com.br

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