São Paulo, quarta, 12 de novembro de 1997.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LEGISLAÇÃO
Medida provisória anunciada deve acabar com isenção do IR, a vantagem fiscal dos clubes tradicionais
FHC 'empurra' clube a virar empresa

MARCELO DAMATO
da Reportagem Local

A medida provisória que acaba com a isenção de Imposto de Renda de clubes esportivos no Brasil, a ser editada nos próximos dias pelo governo federal, poderá empurrar vários deles rumo à transformação em empresa.
Sem a isenção, que deve vigorar a partir de 1º de janeiro do próximo ano, os clubes perdem o maior benefício financeiro para manter a atual situação jurídica, de sociedade sem fins lucrativos.
A medida provisória vai alterar até mesmo o rumo da tramitação do projeto de lei Pelé no Congresso Nacional.
O projeto ainda está na comissão especial que deve votá-lo até o dia 26, segundo acordo firmado pelos líderes partidários.
O presidente da Câmara, deputado Michel Temer (PMDB-SP), prometeu fazer a votação diretamente em plenário se o prazo for descumprido.
"A medida provisória vai facilitar a discussão sobre o clube-empresa. Se acaba a questão tributária, já que todo mundo vai ter que pagar imposto, a discussão fica mais fácil", afirmou o deputado Tony Gel (PFL-PE), relator da comissão especial que analisa o projeto Pelé.
A transformação compulsória dos clubes ou de seus departamentos de esporte profissional em empresas é o ponto mais polêmico do texto enviado pelo ministro dos Esportes, Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, em setembro.
Os objetivos do ministro com esse artigo foram o de atrair investidores para o esporte, tornar a administração dos clubes mais transparente e obrigá-los a pagar impostos.
Terceira via
"Mudou completamente o eixo da discussão", reconhece o presidente do Clube dos 13, Fábio Koff.
Ex-presidente do Grêmio no quadriênio 93-96, Koff tornou-se famoso por implantar gestão empresarial no clube, mas, nos últimos meses, firmou-se como um dos mais ferrenhos opositores à transformação compulsória dos clubes em empresa.
Segundo ele, os clubes deveriam ter o direito de escolher o melhor momento para fazer essa mudança, com o objetivo de se associarem aos investidores em melhores condições.
Com a medida provisória, terão que fatalmente optar por uma das maneiras da transformação. Segundo ele, o essencial é preservar "seu caráter de expressão cultural de uma comunidade".
Pelo projeto de lei, os clubes têm dois caminhos: virar empresas como um todo ou cindir seu departamento profissional e transformá-lo em empresa.
Koff, que é advogado, sugere uma terceira via: "Poderia ser permitido que eles virassem sociedades civis com fins econômicos, como são por exemplo os escritórios de advocacia".
Essa proposta já tem apoio do relator. "Também acho que é um caminho. Já comentei isso numa reunião com o Pelé."
Ao contrário do que acha do projeto Pelé, Koff não considerou autoritário o pacote de medidas anunciado pelo governo.
"Neste momento que o país vive, todos devem dar sua contribuição. A posição em relação a essas medidas é até mesmo uma questão de nacionalismo, de patriotismo."
Problemas
O advogado Aires Barreto, especialista na área tributária, disse que o governo está mexendo num "vespeiro".
"Por definição, uma entidade sem fins lucrativos não tem lucro, e o Imposto de Renda é sobre o lucro. É muito complicado esse negócio de transformar uma entidade sem fins lucrativos numa com fins lucrativos."
Uma das questões mais importantes seria o mecanismo de transformação dos clubes em empresas.
"Quem serão os titulares dessa empresa? Ninguém sabe. Não é tão simples como achar que cada sócio patrimonial terá direito a uma cota."
Segundo ele, há um risco grande de haver "manipulações". "Num clube, os dirigentes podem fazer aprovar uma mudança no estatuto que dá a eles cinco cotas. Podem até ficar donos de toda a empresa. Essa questão é areia movediça."
Pôr na MP uma regra única para todos os clubes poderia, segundo ele, ser interpretado como violação ao direito constitucional de associação.
A única solução que ele viu, na entrevista à Folha, foi equiparar os clubes às empresas apenas para fins de IR. "Seria uma ficção jurídica, como já existem outras na legislação do IR."
Dessa maneira, os clubes seriam tributados sobre o superávit como se fosse lucro.
A medida provisória não só deve acabar com a desvantagem fiscal dos clubes-empresa em relação aos tradicionais, como também pode inverter a situação.
Clubes com pouca receita, que são a maioria das 501 entidades de futebol profissional do país, poderão tentar se encaixar nas regras que regem pequenas empresas ou optar por pagar IR sobre o lucro presumido.
Mas os clubes grandes, como os que disputam a Série A do Brasileiro de futebol, devem ultrapassar o limite para essa opção.
O presidente do Grêmio, Luís Carlos Silveira Martins, o Cacalo, afirmou que seu clube provavelmente terá de pagar impostos. Segundo ele, no último semestre, o Grêmio registrou superávit de R$ 8 milhões.
Como a alíquota é de 25%, o imposto a pagar seria de R$ 2 milhões, caso a MP estivesse em vigor.
"Uma das soluções será reaplicar todo o dinheiro antes do final de cada exercício."
Mas a Folha apurou que, para a Receita, certos gastos não podem ser computados como despesa, mas sim como investimento no patrimônio do clube. E, dessa maneira, o IR seria cobrado do mesmo jeito.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.