São Paulo, terça-feira, 12 de dezembro de 2000

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FUTEBOL

SAF, a nova doença brasileira

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

"E desde quando ele está assim, fora do ar?", perguntou o dr. Nestor, olhando para aquele homem com olhar esgazeado, cabeça inclinada para o lado e nenhum movimento nos braços e nas pernas.
"Desde ontem de manhã, doutor", respondeu Rosa, a esperançosa, esposa de Alaor, o torcedor. "Ele terminou de ler o caderno de esportes de manhã e, de repente, pluft, eu vi que ele tinha entornado a xícara de café."
"Mmm", disse o médico.
"O senhor poderia dar um diagnóstico?"
O médico então levantou, andou em círculos e, quando já estava ficando um pouco tonto, perguntou: ""Vocês têm TV a cabo?"
"Imagine! O senhor sabe o preço disso!?"
"Algum video game de futebol?"
"Também não.""
"Já sei! É um caso de SAF!"
"Sáfi?"
"Esse, ponto, a, ponto, efe, ponto: SAF!"
"O que é isso, doutor?"
"Síndrome de Abstinência de Futebol, dona Rosa. É uma doença nova, mas muito grave."
Dona Rosa coçou a cabeça. O médico entendeu que ela não havia entendido e disse que, com o excessivo aumento do número de jogos sendo transmitidos pela TV, criou-se no cérebro de alguns teletorcedores uma espécie de dependência neuroquímica em relação ao esporte bretão. ""E isso piora sensivelmente aos domingos", acrescentou o dr. Nestor.
Rosa baixou a cabeça e começou a soluçar. O médico continuou: "O que aconteceu com seu marido é que, ao ler o caderno de esportes e ver que nenhum jogo estava programado, ele entrou num estado catatônico".
"Mas como é que não tem nenhum jogo no domingo?!"
"As duas partidas do Campeonato Brasileiro aconteceram no sábado."
"Duas no sábado e nenhuma no domingo?"
"Há mais mistérios entre a Rede Globo e a CBF do que sonha a nossa vã medicina", disse o dr. Nestor enquanto mordia pensativamente a ponta do estetoscópio.
"Terei o meu marido de volta?"
"Há esperanças", respondeu. "Vamos tentar um tratamento intensivo. Três vezes ao dia mostre-lhe uma fita de vídeo com jogos da Copa de 70; durante as refeições toque um CD com os hinos dos clubes e, se possível, alimente-o só com o que costuma comer em frente à TV: pipoca, batatinhas, cerveja e amendoim japonês.""
"Farei isso, doutor."
"Mas prepare-se: entre o Natal e o Ano Novo, quando não há jogos, os pacientes de SAF costumam ficar irritadiços."
"Obrigada, doutor."
"Obrigada, não. São R$ 200."
Sem remédio, a doce Rosa fez um cheque e pagou a salgada conta. Voltando para casa, ela sintonizou um programa esportivo. Uma lágrima caiu pelo seu rosto quando ela viu Alaor mexer alguns dedos da mão direita.
E mais exultante ela ficou ainda ao ouvir que para o ano que vem já estavam programados Taça São Paulo, Rio-São Paulo, Sul-Minas, Copa Nordeste, Copa Norte, Copa Centro-Oeste, Paulistão, Mundial de Clubes, Libertadores, Campeonato Brasileiro, Copa dos Campeões e Mercosul, fora as eliminatórias, os amistosos da Nike. A SAF pode ser uma doença terrível, mas com os nossos dirigentes e o nosso calendário, Rosa pode ter esperanças.

Nélson Rodrigues que me perdoe, mas o videoteipe é inteligente. E muito. Tanto que no futebol americano já é utilizado para dirimir dúvidas em lances polêmicos. E, se tivesse sido utilizado sábado no jogo do Palmeiras, talvez o time do Parque Antarctica é que estivesse classificado.

E, falando em Nélson Rodrigues, caso ele ainda escrevesse sua coluna, talvez escolhesse como personagem da semana a bandeirinha de escanteio. A maneira como ela, caprichosamente, impediu a bola de sair, entregando-a a Galeano, foi algo muito raro de se ver (quase tão raro quanto o cruzamento perfeito de Galeano). E, depois do passe, ainda ficou balançando-se, dançando como se comemorasse sua jogada imponderável.

E-mail: torero@folhasp.com.br


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