São Paulo, terça-feira, 13 de janeiro de 2004

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"A administração dele ainda está sob investigação"

Folha - Em seu discurso de posse, o sr. afirmou que teria orgulho de dizer a seus netos que Eduardo José Farah "corajosamente ousou e criou o que nenhum outro presidente do mundo do futebol o fez". Passados cinco meses, qual avaliação o sr. faz de seu antecessor?
Marco Polo Del Nero -
Ele viveu uma época de ouro, com grandes negócios, grandes campeonatos. Faço elogios a 13 dos 15 anos de sua administração. Nos dois últimos, foi péssimo. Ele devia ter tomado providências para evitar déficits seguidos em 2002 e 2003.
Só quando eu assumi é que soube da situação. Cobrei isso dele ontem [quinta]: "Como você não viu isso?". Ele não respondeu. Quando o Rogério Caboclo [vice financeiro] mostrou a situação, nós nos assustamos e resolvemos cortar gastos [em R$ 6,2 milhões].

Folha - Mas o sr., como vice, não deveria ter ciência da situação?
Del Nero -
Ele não passava as finanças para mim.

Folha - Mas o Reynaldo Carneiro Bastos era vice de finanças...
Del Nero -
Mas na FPF não tinha duas pessoas. Tinha uma só. Só ele, Eduardo José Farah. Ele era o grande comandante com tudo o que fez e pelos erros que cometeu.

Folha - Como foi o processo de renúncia? Ele disse que você não cumpriu o que estava apalavrado.
Del Nero -
Ele comete um grande equívoco. Antes de ele se candidatar novamente [em outubro de 2002], ele teve uma reunião comigo e com o Reynaldo e perguntou se nós já tínhamos nos acertado. Nós conversamos bastante e decidimos que ele escolheria. Poucos dias antes das eleições, ele pediu uma reunião. Para surpresa nossa, disse que era candidato novamente. Alegou que queria fazer uma transição mais tranquila.
Depois, quis sair. Disse que estava cansado do futebol. Mas é evidente que ele não tinha todo o domínio do futebol brasileiro, muita gente contestava a presença dele. Não tinha um relacionamento com a Globo, com a CBF, com o Corinthians. Ele, sentindo tudo isso, preferiu sair.

Folha - Em sua posse, o sr. disse que o contrataria como consultor. Mas isso não vingou. Por quê?
Del Nero -
Ele já foi cortado. Não perguntei se ele gostou ou não. Eu penso na FPF. O vice financeiro me abriu os olhos. Não brincamos com o dinheiro dos outros, com o que pertence aos clubes.

Folha - O sr. tinha um relacionamento cordial com seu antecessor. A que se deve a mudança de postura de Farah? Vê relação com o fato de não tê-lo mantido como consultor e de ter demitido uma filha dele e tirado o salário de outro filho?
Del Nero -
Isso você tem que perguntar para ele. O que eu acho é que o presidente da FPF, não o Marco Polo, tem que ter total cuidado com as coisas que ele dirige. Tem que ter transparência total, tem que ter uma relação próxima a todos os filiados, tem que ter boa relação com os companheiros das demais federações porque não podemos ficar isolados, temos que nos dar bem com a CBF, com a Globo, fazer disso uma grande família. É obrigação do presidente da FPF fazer isso.

Folha - Quais as diferenças de sua gestão para a anterior?
Del Nero -
São essas que eu acabei de dizer, principalmente a transparência. Todos os presidentes de clubes, desde o mais importante da Série A-1 até um presidente de um time da B-2, todos merecem o meu respeito. Eu converso com todos eles, recebo todos. Não havia isso antes. Tem dirigente que nunca o conheceu. Ele errou também na parte política.
A Liga Rio-SP, que ele presidiu, matou o futebol do interior. Temos que analisar ainda que a FPF está sob investigação da Receita Federal e da Justiça, que vão apurar se a administração dele está ou não em ordem com a legislação do nosso país. Só vamos saber se ela foi boa daqui a algum tempo.

Folha - O Farah previu que este não será um grande Paulista por causa do número de clubes, 21. O sr. concorda?
Del Nero -
Ele realmente tem razão. E é uma herança deixada por ele. Por isso, em 2005 vai ter só 20.

Folha - Ele afirmou que volta à FPF quando quiser, que o mandato ainda é dele. Procede?
Del Nero -
Se ele entender que definitivo é a mesma coisa que transitório, ele tem razão. Juridicamente não pode. O afastamento dele foi definitivo.

Folha - Disse ainda que existem personagens que ficam ligados para sempre às entidades ou países que dirigiram, por mais que os sucessores tentem apagá-los.
Del Nero -
É verdade. Mas... e na Alemanha? (pausa) Quem ficou marcado foi Hitler. Na União Soviética? Stalin. E, no Iraque, foi o Saddam Hussein.

Folha - Ele está mais para Hitler, Saddam, Churchill ou Havelange?
Del Nero -
Prefiro não dizer.

Folha - O sr. tem outras pretensões no futebol?
Del Nero -
Sou uma pessoa que vai lutar para estar no lugar quando as coisas não estiverem bem. Não quero um lugar onde as coisas estejam caminhando bem, como na CBF. Quero só terminar meu mandato. Sou advogado, tenho profissão definida.

Folha - Está se referindo ao Farah? Ele é advogado também...
Del Nero -
A diferença é que eu sou militante. Há 37 anos.

Folha - O sr. ainda é advogado particular dele, não?
Del Nero -
Sou.

Folha - E continuará?
Del Nero -
Não estou brigado com ele. Ele está brigado comigo? Existe o Marco Polo advogado, existe o Marco Polo amigo e existe o Marco Polo presidente da FPF. Enquanto ele estiver à vontade e eu também, continuamos. Se não, ele pede subestabelecimento, e a vida segue normalmente.


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