São Paulo, domingo, 13 de junho de 2004

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Com pouco ou nenhum conhecimento do idioma falado no Brasil, 15 treinadores formam o maior grupo de forasteiros do país nos Jogos

Pelo ouro, Brasil enrola a língua

GUILHERME ROSEGUINI
DA REPORTAGEM LOCAL

O sonho do ouro esbarrou na política. Sete dias antes da Olimpíada de Los Angeles, em 1984, Zdzislaw Szubski foi informado de que não poderia competir. Seu país, a Polônia, escolhera aderir ao boicote do bloco soviético.
Frustrado, o canoísta desfez a mala, rememorou os detalhes da preparação, o sacrifício que fez em cada treino e tomou a decisão de dar uma guinada na carreira.
Pouco tempo depois, Szubski deixou sua pátria e foi trabalhar em Portugal. Lá, aprendeu as primeiras palavras em português, idioma que utiliza desde 1994 para chefiar a canoagem brasileira.
"Eu não tenho vergonha de falar errado, por isso todo mundo me entende. Posso cometer pequenos erros, mas não existe atleta que fique sem compreender minhas recomendações", afirma.
Seu sotaque meio polonês, meio lusitano, não é o único dissonante no grupo brasileiro que vai para Atenas em agosto. Szubski, 46, engrossa o coro de 15 treinadores que nasceram fora do país e vestirão uniformes verde-amarelos.
É um recorde. Em Sydney, sete técnicos "importados" dirigiram atletas nacionais. Agora, os forasteiros partem de dez diferentes pátrias e promovem uma grande salada com o vocabulário.
Das 26 modalidades já classificadas para competir na Grécia, 11 têm estrangeiros no corpo técnico. A principal fornecedora dessa mão-de-obra é Cuba, que une tradição a uma política de exportação de know-how no esporte.
Só o Brasil levará quatro representantes da ilha aos Jogos. "Temos muitas oportunidades para nos aperfeiçoarmos. Mesmo que você não seja um bom atleta, pode se tornar um grande treinador", explica Juan Francisco Alvarez.
Ele vai acompanhar os cinco pugilistas brasileiros que subirão ao ringue para tentar derrubar o jejum de medalhas que perdura desde a Olimpíada de 1968.
A porta de saída dos técnicos tem nome: Cubadeportes. Criada para autofinanciar o esporte local, a empresa gerencia 75% do salário dos especialistas que são enviados para trabalhar no exterior.
Alvarez recebe R$ 2.000 mensais. Parte da verba é bancada por um patrocinador da Confederação Brasileira de Boxe. O restante vem da Lei Piva, que destina recursos das loterias federais ao esporte olímpico e paraolímpico.
Além do dinheiro oriundo do governo e de empresas privadas, parcerias com organismos internacionais ajudam a arcar com os custos da legião estrangeira.
O ucraniano Oleg Ostapenko, criador dos movimentos que alçaram a ginasta Daiane dos Santos ao posto de favorita a um ouro em Atenas, recebe seus US$ 3.000 mensais do programa Solidariedade Olímpica, bancado pelo Comitê Olímpico Internacional.
Para os atletas, a dificuldade é estabelecer uma comunicação eficaz com os mestres que vêm de longe. Linguagem gestual, improvisos e outros idiomas são os caminhos para realizar a tarefa.
Jacqueline Mourão, ciclista que vai aos Jogos competir no mountain bike, não teve muitas opções. Guido Visser, canadense que zela por sua preparação, não entende português. "Nós só falamos em inglês. Quem olha nem imagina que somos brasileiros", diz.


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