São Paulo, domingo, 13 de agosto de 2006

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JUCA KFOURI

Decisão com gosto de redenção

Na Libertadores, não faltou luta nem faltou técnica. Não faltaram gols e belas jogadas. Faltou apenas ser civilizado

O PRIMEIRO jogo da decisão da Taça Libertadores deveria ter passado ao vivo para o mundo inteiro.
Seria uma boa maneira de redimir o abalado prestígio do futebol brasileiro depois do fiasco na Copa do Mundo da Alemanha. Melhor ainda se os jogadores da seleção espalhados pelo mundo pudessem vê-lo.
Eles veriam que há uma porção de coisas que fazem de um jogo de futebol um espetáculo sem igual.
É possível, por exemplo, segurar a atenção de milhões de pessoas com uma partida em que se destaquem, essencialmente, a abnegação e o espírito de luta.
Foi o que se viu no primeiro tempo no Morumbi, quando o São Paulo ficou logo reduzido a dez jogadores e precisou se desdobrar diante de um Inter que, mesmo quando havia igualdade numérica, jogou com cativante personalidade e sem a ansiedade que o atrapalhou quando enfrentou o Libertad, do Paraguai, nas semifinais.
Depois, no segundo tempo, dez contra dez, começou outro jogo.
Com mais espaço, os dois times não abriram mão de disputar cada palmo do gramado, mas, aí, houve lugar, também, para que cada lado exibisse belas jogadas e criasse inúmeras situações de gol, o que havia faltado na primeira metade.
E ninguém consegue ficar indiferente diante de um jogo como o da quarta-feira passada.
Entre outras razões, também porque o jogo teve pelo menos um aspecto curioso. Por mais que ninguém aponte uma restrição sequer à vitória gaúcha, maiúscula, firme, categórica, o fato foi que Clemer trabalhou muito mais (e muito bem) que Rogério Ceni. E normalmente essa simples constatação levaria a se pensar que o São Paulo mereceria melhor sorte.
Mas não.
Não só a constatação passou despercebida, como, ao contrário, se alguém viu injustiça no placar, a viu por considerar a diferença mínima como madrasta para o Inter.
Sim, foi o gol de Edcarlos que permitiu ao São Paulo ainda sonhar com o tetracampeonato, por mais árdua que a missão pareça no estádio adversário. Com 2 a 0 beiraria o impossível. E com 3 a 0, que só não saiu porque o quicar da bola levou Rafael Sobis a chutar de canela com o gol escancarado, seria mesmo impraticável.
Nada está perdido, mas algo já está ganho, e não é o que, compreensivelmente, o torcedor colorado já se apressa em comemorar. O torcedor brasileiro recuperou alguma fé na capacidade do nosso futebol, capaz de ser intenso, capaz de ser inteligente, capaz de ser emocionante e cativante.
Pena que mais uma vez tenhamos visto o quanto falta para sermos convenientemente civilizados.
A pedrada no ônibus colorado é dessas coisas insuportáveis, e a acomodação da torcida gaúcha embaixo da paulista revelou uma falta de atenção (ou terá sido proposital?) dos anfitriões não menos revoltante, alvo que os visitantes foram de toda sorte de detritos.
Imagina-se que, agora, o revide virá em Porto Alegre, muito embora a direção do Inter já tenha manifestado a intenção de não dar o troco na mesma moeda.
O que seria um formidável tapa com luvas de pelica, sem abdicar das bombachas. Porque, se a valentia não se confunde com depredações e falta de consideração, a covardia se revela nas pedradas e no desrespeito ao sagrado direito do adversário torcer em paz.
Enfim, se ninguém tem a pretensão de convencer tricolores e colorados que o mais importante eles já fizeram, resta aos que não são nem uma coisa nem outra agradecer pelo resgate da auto-estima futeboleira.


blogdojuca@uol.com.br

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