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Utilidade e prazer dos dicionários (de futebol)
JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
Guimarães Rosa disse mais
de uma vez que seu grande sonho de escritor era fazer um
dicionário. Não se tratava de
uma "boutade". Há no mundo
poucas coisas mais belas e interessantes que um dicionário.
Pois bem. Essa introdução
vem a propósito do relançamento, em edição atualizada e
ampliada, de um livro clássico:
"Dicionário Popular de Futebol - O AB das Arquibancadas", de Leonam Penna (Editora Nova Fronteira).
Em suas 240 páginas, misturam-se expressões de uso ainda muito corrente ("cartola",
"lanterninha", "tapetão", "banheira", "bicicleta") e outras
já caídas em desuso, pelo menos em São Paulo.
São estas últimas que tornam delicioso esse dicionário.
Ficamos sabendo, por exemplo, que "leonor" era o tratamento carinhoso dado à bola
pelos jogadores do passado, e
que "lepra" é termo usado para designar o perna-de-pau ou
cabeça-de-bagre (expressões,
aliás, que também constam do
dicionário).
"Malaquias", por sua vez, é o
mesmo que "homem da mala",
o sujeito que suborna juízes ou
jogadores, supostamente levando o dinheiro numa mala.
Com frequência os verbetes
vêm acompanhados por uma
explicação da imagem sugerida. Por exemplo: usa-se "banheira" para designar a situação de impedimento porque o
jogador sem marcação está à
vontade, relaxado, gostosão.
Outro livro do gênero publicado recentemente é o catatau
de 450 páginas "Dicionário de
Futebol", realizado pela Fifa.
Foi distribuído como brinde
aos jornalistas que cobriam a
Copa do Mundo da França.
Não sei se será comercializado
em livrarias.
De todo modo, é uma obra
excepcional. Contém as principais expressões do esporte em
quatro línguas: inglês, francês,
espanhol e alemão.
Sua maior beleza está em
mostrar as diferentes imagens
que cada povo cria a partir de
uma mesma jogada ou situação.
Por exemplo, a cabeçada em
que o jogador tem de saltar para baixo para atingir a bola
-que nós chamamos de "peixinho"- é chamada pelos espanhóis de "palomita" (pombinha). Quer dizer, onde os
brasileiros viram um peixe, os
espanhóis (ou hispano-americanos) viram uma pomba.
Os ingleses, mais pragmáticos, chamam o lance, simplesmente, de "cabeçada mergulhadora" ("diving header"), o
mesmo acontecendo com os
franceses ("tête plongeante").
Já os alemães comparecem
com um expressivo e ameaçador "Kopfballtorpedo". Não é
difícil saber o que significa:
"Kopf" é cabeça, "Ball" é bola
e "Torpedo" deve ser torpedo
mesmo.
No fundo, é mais ou menos
como decifrar imagens nas nuvens: cada um vê o que seu espírito está propenso a ver
(pombas, peixes, torpedos).
Pensadas assim, essas diferenças linguísticas talvez digam muita coisa a respeito dos
distintos temperamentos e
sensibilidades dos povos.
Pena que o dicionário da Fifa não contenha a explicação
da origem das expressões. Só
assim poderíamos saber, por
exemplo, por que diabos os
"hispanohablantes" chamam
a bicicleta de "chilena".
E-mail: jgcouto@uol.com.br
José Geraldo Couto escreve às quintas
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