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AUTOMOBILISMO
Piloto alemão afirma que não se importa com o jejum da Ferrari, elogia Senna e descarta correr na Indy
Schumacher despreza a velocidade
na F-1
ANDRÉ BISSCHOP
especial para a Folha
Saindo da difícil curva Bucine
para a reta. Na metade do traçado,
ele pisa no acelerador. O sol reflete
na sua viseira. Michael Schumacher, 30, engata uma marcha mais
alta. E outra. Ele vai mais rápido.
Cada vez mais rápido.
É fascinante ver um ser humano
conduzindo essa máquina pela
pista de testes. A potência é desumana e a mente luta contra os momentos cinzentos, as frações de segundo em que o cérebro rende menos devido à força da gravidade.
O piloto afunda no assento e, se
não estivesse preso por um cinto
de segurança, seria arremessado
do carro já na largada.
"Medo?", diz Schumacher, parecendo surpreso com a pergunta.
"Quando falha um dos motores de
seu avião, aí você fica com medo."
Ele sabe do que está falando. Passou pela experiência há algumas
semanas, no seu jatinho particular.
O pouso de emergência evitou que
ele deixasse essa vida -"à qual
sou muito agradecido", afirma.
Schumacher é um homem religioso, mas que se enerva bastante
com motoristas que fazem manobras perigosas nas estradas. "Às
vezes, isso me amedronta."
Em Mugello (circuito da Ferrari,
no norte da Itália), não há mais
ninguém na pista. Ele está simulando um GP de F-1: 52 voltas, três
pit stops, 250 km. "Uma boa esticada", diz o bicampeão (94 e 95).
Ele é persistente. Quando o sol se
põe e a temperatura cai para alguns graus abaixo de zero, continua completando voltas.
O rugido do motor faz os tímpanos coçarem. Novamente, o F399,
modelo da Ferrari para o Mundial
deste ano, passa a 300 km/h.
"Não é muito, a não ser que meus
freios falhem", diz Schumacher,
indagado sobre o que a velocidade
significa para ele. "Mas a velocidade em si não me toca. Não ligo para
a velocidade em que estou. Só quero ser o primeiro a cruzar a linha
de chegada em uma corrida."
Ele concorda apenas em parte
com os versos de Françoise Sagan
(escritora francesa) que louvam as
belezas da velocidade: "Mesmo se
você estiver desesperadamente
apaixonado por uma pessoa que
não gosta de você, a 200 km/h esse
sentimento fica em segundo plano;
O sangue não circula tanto pelo coração, ele vai para suas extremidades, suas mãos, seus pés, suas retinas, que passam a ser as guardiãs
de sua própria vida; É louco como
seu corpo e suas sensações se tornam responsáveis por sua vida."
"Eu não sei", diz Schumacher,
distraído. Os versos de Sagan são
muito pomposos para ele.
"Você fala sobre velocidade, mas
receio que não entenda o que é velocidade e o que seja estar em um
F-1. Esses carros são feitos para
atingir quase 500 km/h. É a mesma
coisa que você sente quando está a
200 km/h em um carro de passeio.
O entusiasmo começa na freada.
Aí você tem que fazer sua aposta.
Quem vai frear do lado de fora da
curva, fechar a porta para você?"
Tese
Niki Lauda, tricampeão da F-1
(75, 77 e 84), divulgou sua teoria
recentemente. Mesmo se o carro
de Schumacher for três décimos de
segundo mais lento por volta, ele
ainda será dois ou três décimos
mais rápido que seus oponentes.
A diferença estaria na maneira
como ele faz as curvas, na introspecção e no arrojo que Schumacher mostra nas pistas.
"É só uma impressão, uma teoria
dele", afirma o alemão. "De qualquer maneira, isso não foi verdade
nos últimos dois anos."
Talvez, então, a diferença entre
os melhores carros e sua Ferrari tenha sido maior que os dois décimos de segundo. "Você está certo.
A diferença foi maior."
Ele não acredita, porém, que a
defasagem tenha ficado restrita à
velocidade. O McLaren de Mika
Hakkinen tinha melhor aerodinâmica, era mais constante e fazia
curvas melhor. O finlandês simplesmente tinha o melhor carro.
"No ano passado, precisávamos
ter melhorado em muitos aspectos", continua Schumacher. "Especialmente no início da temporada, a Ferrari não era boa o suficiente. Só saímos dessa situação porque trabalhamos muito duro."
Na última temporada, todas as
semanas Schumacher entrou no
carro para testar os ajustes criados
pelos engenheiros. Em algumas
oportunidades, começava às 10h e
não parava até as 22h.
Sua perseverança e perfeccionismo foram recompensados: ele
conseguiu tantos pontos que o
Mundial só foi decidido na última
etapa. Schumacher ou Hakkinen.
No Japão, o alemão conseguiu o
melhor tempo nos treinos e largou
na pole. Ou parecia que ia largar.
Instantes antes do início da prova, Jarno Trulli (piloto italiano da
Prost) teve problemas no motor.
Todos esperaram o reinício do
procedimento para a largada. A
tensão era insuportável.
Schumacher na pole, Hakkinen
logo atrás. Luz vermelha, os motores gritavam. Então Schumacher
calmamente levantou o braço.
Por causa do atraso na largada, o
motor e o câmbio estavam quentes
demais para funcionar. Schumacher, então, foi transferido para a
última posição do grid. E Hakkinen sagrou-se campeão.
"É melhor respeitar e aceitar", é
tudo o que declara. Schumacher
não gosta de comentar aquele GP.
História não significa nada para
ele. "Nunca me interessei pelo passado. Por que teria que me importar com o jejum de títulos da Ferrari? O que isso quer dizer?"
Mas, obviamente, ele sabe bem
que o último título ferrarista completa 20 anos. Jody Schekter foi o
feliz responsável pela façanha.
Schumacher conheceu o sul-africano, mas disse não ter se impressionado. "Na verdade, nem chegamos a conversar direito."
Ele gostaria mesmo de encontrar
Ayrton Senna, o melhor da história, na sua opinião. "Ele chegou
perto do ideal, foi quase perfeito."
Schumacher não consegue imaginar um piloto mais consciente.
Nem Hakkinen nem ele mesmo
podem ser comparados a Senna.
Mas, infelizmente, Senna está
morto. Outra coisa sobre a qual
Schumacher evita refletir.
"Você não deve nem pensar nessas coisas. Isso só vai te assombrar", diz o alemão.
Ele tenta esquecer o mais rápido
possível os acidentes em que se envolveu. É preciso tocar nesse assunto com cuidado.
Uma vez, provocou um acidente
com Damon Hill (Adelaide/94, sagrando-se campeão). Outra, bateu
com Jacques Villeneuve (Jerez/97,
mas foi punido com a perda dos
pontos). Mas ambos eram seus
concorrentes diretos pelo título.
Crítica
Certa vez, um jornal alemão escreveu o seguinte sobre Schumacher: "Durante a semana, ele joga
partidas de futebol para ajudar
crianças carentes. Nos finais de semana, joga com a vida de seus colegas de profissão."
Schumacher acha a descrição irreal, mas evita uma autodefinição.
"Você não pode falar sobre você
mesmo. Ninguém consegue."
Ele também evita usar -e discute- o rótulo de "pessoa pública".
"Quero ser um VIP para a minha
família, para as pessoas que me
querem por perto por razões sérias
e não só porque sou um milionário
ou uma celebridade. Fama e dinheiro não são tudo e não são minha meta final", declara o alemão.
"Eu vivo para o esporte. Automobilismo é a melhor coisa do
mundo. Eu acho que faço isso para
provar algo a mim mesmo. Nunca
vou me comparar a outra pessoa.
Estou muito satisfeito com o que já
consegui da vida."
Ele mantém silêncio sobre sua vida particular. "Não vou poder dar
um retrato exato de como sou. As
pessoas que vivem ao meu redor
poderiam fazer isso. Mas, para você, é uma pena que eles não vão falar nada. É um acordo que temos."
Então, o mundo tem que se satisfazer com alguns fatos vagos: ele
mora na Suíça, tem uma casa na
Noruega, uma coleção de carros
esporte, um jatinho privado à sua
disposição e joga em ligas amadoras de futebol dos dois países.
Frequentemente doa milhões de
dólares para o Unicef, Fundo das
Nações Unidas para a Infância.
O nome de sua mulher é Corinna, sua filha se chama Gina Maria
e, dentro de um mês, seu filho deve
estar nascendo.
Crianças são o fraco de Schumacher. Quando o assunto vem à tona, a entrevista muda de rumo.
"As crianças transformam você.
Em alguns pontos, você se torna
mais sério. Mas sempre fui um cara sério no esporte. Eu não faço
loucuras e não abuso da sorte. Isso
não me faria melhor, e o automobilismo não permite isso. O fato de
ser pai não mudou essa minha atitude. Por outro lado, estou vivendo na lua, nas estrelas."
Risco
Schumacher diz que deixa de
correr se a F-1 se tornar muito arriscada. "Não vou arriscar minha
vida só porque gosto de correr. Se
tivesse que me transferir para a
Indy, para pilotar naqueles ovais,
passando tão perto do muro, aí eu
iria dizer: é isso, estou arriscando."
Segundo ele, a monotonia dos
ovais é um perigo. "Os pilotos perdem a concentração, e as chances
de acidente crescem. Mas eu gostaria que na F-1 a disputa fosse mais
equilibrada, para que as ultrapassagens fossem frequentes. Eu gosto de uma briga, é o que faz as corridas serem excitantes."
Em Mugello, não há ninguém a
ser ultrapassado. Em uma volta,
logo após completar a Bucine, seus
freios travam, criando uma nuvem
de fumaça. Reduzir bruscamente
de 250 km/h para 80 km/h é uma
proeza. Os freios ainda estão incandescentes e o piloto pode ter sérios problemas se não for cuidadoso. Frear é uma lição difícil na F-1.
Schumacher decide encerrar seu
treino do dia, satisfeito. "O novo
carro é mais estável. É definitivamente melhor que o anterior."
E ele, claro, se considera o melhor piloto do mundo. "Eu não sei,
realmente não sei. Parece que sou
bom, mas ganhei essa reputação
por ter sido um competidor forte
nos últimos anos. Não toco o bumbo para mim mesmo. Nunca vou
dizer que sou o melhor piloto."
Então, ele apenas faz as coisas
melhor que os outros? "É uma
combinação de fatores. Eu piloto
rápido e amplio ao máximo as possibilidades que tenho. Em 94, eu tinha o melhor carro e fui campeão.
Desde então, nunca mais tive o
melhor carro, e mesmo assim consegui um título. Venci corridas
simplesmente pela estratégia, fazendo três pit stops em vez de dois
e lançando mão, na hora certa, de
táticas traçadas pela equipe."
Schumacher é incansável. Agora
são 18h30 em Mugello, está escuro.
Enquanto recebe os aplausos dos
fãs que estiveram na pista até o fim
do treino, ele aquece o volante de
seu carro com um aparelho elétrico. A empunhadura não estava
perfeita, seus dedos não estavam
confortáveis. E, se você pode melhorar algo, é bom fazê-lo rápido.
Depois, sai e começa a cumprimentar os mecânicos. Seguem-se
risadas e tapinhas nas costas. "Essa
equipe é a melhor que existe", diz.
"Só que ainda não conseguimos
coroar tudo isso com um título."
Schumacher vai continuar com a
Ferrari até 2002. "Estou confortável, mesmo sem o título. O importante é que estamos evoluindo."
Ele entra em seu carro esporte
vermelho, estacionado atrás dos
pits, e dirige até o aeroporto de
Florença, onde seu jatinho o espera para levá-lo de volta à Suíça.
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