São Paulo, sexta-feira, 14 de junho de 2002

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Parece mas não é

No Oriente, o patriarca da "família Scolari" parece estar de cabeça virada. O técnico da seleção brasileira, que passou a reta final da preparação para a Copa incensado por sua "coerência", transformou-se, conforme o mais clássico jargão do futebol, em uma caixinha de surpresas. Em treinos, jogos ou entrevistas, Luiz Felipe Scolari faz na Ásia quase tudo diferente daquilo que pregou antes de sair do Brasil. Do jeito que as coisas andam, se pudesse chamar mais um atleta, seria bem possível que ele convocasse Romário.

DOS ENVIADOS A SUWON

Se a incoerência é virtude dos inteligentes, como alguns apregoam, a Copa do Mundo transformou o técnico Luiz Felipe Scolari em um fora-de-série.
Desde que chegou à Ásia, o treinador do Brasil tem feito tudo diferente daquilo que o senso comum esperava dele. Antes da Copa, o que para os críticos de Scolari era teimosia, para os admiradores chamava-se coerência.
Foi assim com o esquema 3-5-2, corpo estranho à tradição brasileira, e com o atacante Romário, artilheiro das principais competições nacionais no último ano. O jogador ficou fora da Copa, e o sistema de jogo ainda vigora.
Mas, antes mesmo da estréia no Mundial, contra a Turquia, o técnico surpreendeu a todos ao escalar Juninho no meio-campo do time titular. Com isso, o "defensivista" Scolari abriu mão de jogar com um segundo volante de marcação, algo que se tornou tradição desde 1986, quando Elzo e Alemão jogaram a Copa do México.
A escalação do pequenino meia foi só o começo. A exatas 24 horas da partida de estréia, o Brasil viu o volante Emerson, então seu capitão, se machucar e ser cortado da Copa Coréia/Japão. Para o lugar do principal marcador do time, homem de pouca criatividade e muita "pegada", foi chamado o corintiano Ricardinho, que nunca havia sido convocado por Scolari.
Depois de viajar dois dias, chegou a Ulsan, na Coréia do Sul, onde a seleção nacional se hospedou na primeira fase, em uma quarta-feira, e no sábado já entrou em campo contra a China.
Na entrevista que deu em seguida a esse jogo, o técnico gaúcho disse que a principal característica de Ricardinho era "pensar" e se derramou em elogios ao meia. Parecia a senha de que ele seria escalado desde o início no confronto contra a Costa Rica.
Foi quase isso. Ricardinho chegou a iniciar o último coletivo antes do jogo de ontem na equipe titular. Porém foi sacado ao final do treino e deu lugar ao atacante Edílson, que iniciou a partida.
Em entrevista, Scolari tentou se justificar, disse que com Edílson poderia abrir o jogo pelas pontas, o que em parte ocorreu ontem. Ao colocar o atacante, no entanto, o técnico deixou no banco não apenas Ricardinho, mas Luizão, um dos xodós da seleção.
Luizão chegou à Copa, a primeira a ser realizada na Ásia, longe de sua melhor forma, mas, segundo o técnico, seria um crime contra a coerência deixar fora do Mundial o jogador que fez os gols que classificaram o time para o torneio, contra a Venezuela, em novembro último (3 a 0, com o atacante balançando as redes duas vezes).
Até o relacionamento com a imprensa, frio antes do Mundial, mudou na Ásia. O técnico tem procurado conversar com os jornalistas para "discutir a relação", algo um pouco mais suave da pressão que exercia pessoalmente nos clubes que dirigiu, onde chegou a agredir profissionais.
Para os jogadores, a incoerência não incomoda. "Enquanto dá certo, enquanto o time está ganhando, vamos deixar como está", comentou o capitão Cafu.
O meia-atacante Rivaldo e o lateral-esquerdo Roberto Carlos, duas das principais estrelas do time, também são só elogios. "Ele [Scolari" está próximo da gente aqui, quer vencer e, para isso, tem tentado tudo", disse Roberto Carlos. "Temos que ser flexíveis para ganhar", completou Rivaldo.
A partir de hoje, no Japão, o treinador, que tem fama de "copeiro", inicia a preparação do time para os mata-matas, a fase decisiva da Copa. Espera-se dele o velho "sargentão" que levou times a títulos históricos com catimba, defensivismo e teimosia. Mas tudo pode mudar. (FÁBIO VICTOR, JOSÉ ALBERTO BOMBIG, PAULO COBOS, ROBERTO DIAS E SÉRGIO RANGEL)



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