|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
WILL SELF
A triste volta do Deus da Anarquia
"Parece o Dia da Vitória", me disse um antigo editor, referindo-se às cenas no centro de Londres, depois da vitória inglesa por
1 a 0 sobre a Argentina na Copa.
Ele tinha acabado de ir a um pub
próximo a seu escritório, onde,
segundo ele, em um dos espasmos
de êxtase pós-jogo, uma garota
atraente jogou-se em seu colo.
As referências ao V.E. (Victory
in Europe, 8 de maio, o dia em
que a guerra contra a Alemanha
nazista terminou) não têm sentido gratuito ou irrelevante.
Passados 57 anos, o Dia da Vitória ainda é lembrado pelos londrinos como um desordenado bacanal, quando o Deus da Anarquia iluminou a cinzenta cidade,
e nós, os ingleses, normalmente
um povo reprimido, nos comportamos durante algumas vertiginosas horas como carinhosamente imaginamos que pessoas como... humm... os brasileiros se
comportam a maior parte do
tempo, copulando nas ruas em
estado de avançada embriaguez.
De todo modo, foram essas as
cenas, e a Cruz de São Jorge (uma
bandeira particularmente feia,
simplesmente uma descorada
cruz vermelha sobre insípido fundo branco), que esteve estendida
em quase todas as partes nas últimas semanas, agora está em "absolutamente" todas as partes.
Minha mulher, que foi ao centro da cidade instantes depois da
inacreditável vitória, não chegou
a ver cenas de renúncia sexual da
multidão, mas presenciou casos
quase tão chocantes quanto. Pessoas eram "amigáveis" com as
outras -algo raro nesta cidade.
Pessoas pareciam "felizes" -o
que é ainda mais bizarro. A lembrança ao Dia da Vitória é apropriada porque, ao pressentir a vitória, o inglês torna-se marcial e
triunfalista. O "Daily Star" teve o
topete de manchetar "Gotcha!"
(Te peguei!) na manhã seguinte
ao jogo.
Fiel à natureza que havia delineado para você nas duas últimas semanas, consegui ficar felizmente afastado de tudo. Trabalhei em meu livro, dei atenção
a meus filhos. Estava absolutamente seguro sobre a capacidade
de a seleção inglesa fracassar.
Mais tarde, eu não me desapontaria. O empate sem gols com
a Nigéria repetiu a tradição inglesa de pateticamente obter sucesso sem valor, mascarando-o
como um triunfo.
David Beckham (cujo status na
Inglaterra e no Japão paira em
algum lugar entre William Shakespeare e Jesus Cristo) afirmou
sobre tão justo resultado: "Os cínicos vão dizer que não jogamos
bem e não fizemos muitos gols,
mas nós nos classificamos e tivemos um comportamento excelente". Com licença! Você não precisa ser cínico para dizer isso -só
realista. Não consigo imaginar o
capitão de uma respeitável seleção sul-americana reivindicando
que seja aclamado pelo bom
comportamento, em vez de gols.
A dura verdade é que isso se
ajusta com perfeição a minhas
predições feitas na semana passada. Eles têm de fazer por merecer
a derrota -e isso já aconteceu.
A seleção pode agora perder para a Dinamarca -ou avançar
para ser completamente arrasada pelo Brasil- e vai manter a
crença de que fez isso terrivelmente bem, porque se "comportou bem". A Inglaterra é a única
nação que prefere perder bem a
ganhar mal. O grande Robert
Scott (que morreu estupidamente
em sua viagem ao Pólo Sul, fracassando na tentativa de chegar
lá primeiro). O patético norueguês Roald Amundsen (que chegou lá primeiro e voltou vivo, tendo a ousadia de ser estrangeiro).
Enquanto isso, em Moscou e
São Petersburgo, os hooligans
russos, inspirados nos ingleses,
desatam sua fúria e matam um
homem após a derrota de sua seleção para os japoneses.
Há uma teoria para ser procurada aqui, ligando violência esportiva e declínio imperial. Mas
serei eu o homem certo para esse
trabalho? Veja neste espaço.
Will Self, 38, é autor de "Cock and Bull"
e "Quantity Theory of Insanity" e um dos
mais importantes nomes da nova
geração de escritores britânicos
Texto Anterior: Turista Ocidental: A torcida dos enforcados Próximo Texto: FOLHA ESPORTE Vôlei: Virna abandona seleção e aumenta crise Índice
|