São Paulo, sábado, 14 de junho de 2008

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JOSÉ GERALDO COUTO

Os sábios da bola

Além dos lances de Pelé e Mané, o filme "1958" traz o pensamento vivo de craques como Nilton Santos e Zito

LEMBRA DA coleção "Os Pensadores"? Foi -e é- uma preciosidade editorial que tornou acessíveis aos leitores brasileiros obras de filósofos como Platão, Hegel e Nietzsche.
Pois bem: acho que deveríamos ter uma coleção parecida, em livro e em DVD, chamada "Os Sábios da Bola", ou algo parecido. Nela estariam reunidos depoimentos, experiências e reflexões dos nossos maiores craques.
Essa idéia, que me ocorreu ao assistir ao documentário "Futebol", de João Moreira Salles e Arthur Fontes, ganhou um reforço com o longa-metragem "1958 - O Ano em que o Mundo Descobriu o Brasil", de José Carlos Asbeg, que entrou ontem em cartaz nos cinemas.
No filme, que reconstitui a trajetória vitoriosa da seleção brasileira na Copa de 1958, vemos os depoimentos de gente como Nilton Santos, Djalma Santos, Zito, Pepe e Zagallo, além dos franceses Fontaine e Kopa e de suecos, russos e austríacos que tiveram o azar de topar pela frente com Pelé, Garrincha e companhia.
O discurso verbal deles de certa forma complementa seu outro modo de expressão, mais sutil e ao mesmo tempo mais exuberante: o futebol que jogaram em campo. Na tal coleção com que sonho, as duas coisas viriam juntas: palavra e imagem, o pensamento e o corpo. O futebol, afinal, não deixa de ser uma maneira de pensar e sentir o mundo.
Para inaugurar essa enciclopédia ludopédica, nenhum nome seria mais indicado do que o de Nilton Santos, ele próprio chamado de "Enciclopédia do Futebol", por sua sabedoria com a bola nos pés.
Ocorre que o ex-lateral da seleção está internado com demência senil numa clínica na Gávea, no Rio. Alterna momentos de lucidez com outros de ausência e esquecimento.
Os velhos amantes do bom futebol -como o botafoguense José Rosa Filho, meu leitor e amigo virtual, que me deu a triste notícia há uns dois meses- são capazes de avaliar a dimensão trágica do apagamento progressivo da memória de Nilton.
Ainda bem que nos últimos anos, além de publicar sua autobiografia, o eterno craque brindou os aficionados com preciosas entrevistas. Tomara que ainda conceda muitas outras, desde que isso não perturbe o merecido repouso do guerreiro.
Dito isso, é uma delícia ouvir, em "1958", as histórias contadas por Nilton, Djalma, Zito, Dino Sani, Pepe, Zagallo e Didi (em entrevista de arquivo). Só por isso já valeria a pena ver o filme. Mas há também os gols de Pelé, os dribles de Garrincha, os passes de Didi, as defesas de Gilmar.
Que coisa linda o futebol brasileiro em seus grandes momentos.

Paixão cega
Não há espécie mais irracional e ingrata que o torcedor fanático. Até outro dia, Felipe era herói corintiano. Foi só cometer uma falha contra o Sport, virou vilão, com direito a pichação no Parque São Jorge.
Os pichadores devem ter esquecido que Felipe já falhara contra o Botafogo, na semifinal, e se redimira ao pegar o pênalti decisivo. Se o Corinthians tivesse marcado um golzinho contra o Sport, a história poderia ter se repetido em Recife, e Felipe teria saído de campo nos ombros da torcida. Assim se descaminha a humanidade.


jgcouto@uol.com.br

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