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JOSÉ GERALDO COUTO
Os sábios da bola
Além dos lances de Pelé e Mané, o filme "1958" traz o pensamento vivo de craques como Nilton Santos e Zito
LEMBRA DA coleção "Os Pensadores"? Foi -e é- uma preciosidade editorial que tornou
acessíveis aos leitores brasileiros
obras de filósofos como Platão, Hegel e Nietzsche.
Pois bem: acho que deveríamos
ter uma coleção parecida, em livro e
em DVD, chamada "Os Sábios da
Bola", ou algo parecido. Nela estariam reunidos depoimentos, experiências e reflexões dos nossos
maiores craques.
Essa idéia, que me ocorreu ao assistir ao documentário "Futebol", de
João Moreira Salles e Arthur Fontes, ganhou um reforço com o longa-metragem "1958 - O Ano em que o
Mundo Descobriu o Brasil", de José
Carlos Asbeg, que entrou ontem em
cartaz nos cinemas.
No filme, que reconstitui a trajetória vitoriosa da seleção brasileira na
Copa de 1958, vemos os depoimentos de gente como Nilton Santos,
Djalma Santos, Zito, Pepe e Zagallo,
além dos franceses Fontaine e Kopa
e de suecos, russos e austríacos que
tiveram o azar de topar pela frente
com Pelé, Garrincha e companhia.
O discurso verbal deles de certa
forma complementa seu outro modo de expressão, mais sutil e ao mesmo tempo mais exuberante: o futebol que jogaram em campo.
Na tal coleção com que sonho, as
duas coisas viriam juntas: palavra e
imagem, o pensamento e o corpo. O
futebol, afinal, não deixa de ser uma
maneira de pensar e sentir o mundo.
Para inaugurar essa enciclopédia
ludopédica, nenhum nome seria
mais indicado do que o de Nilton
Santos, ele próprio chamado de
"Enciclopédia do Futebol", por sua
sabedoria com a bola nos pés.
Ocorre que o ex-lateral da seleção
está internado com demência senil
numa clínica na Gávea, no Rio. Alterna momentos de lucidez com outros de ausência e esquecimento.
Os velhos amantes do bom futebol
-como o botafoguense José Rosa
Filho, meu leitor e amigo virtual,
que me deu a triste notícia há uns
dois meses- são capazes de avaliar a
dimensão trágica do apagamento
progressivo da memória de Nilton.
Ainda bem que nos últimos anos,
além de publicar sua autobiografia,
o eterno craque brindou os aficionados com preciosas entrevistas. Tomara que ainda conceda muitas outras, desde que isso não perturbe o
merecido repouso do guerreiro.
Dito isso, é uma delícia ouvir, em
"1958", as histórias contadas por
Nilton, Djalma, Zito, Dino Sani, Pepe, Zagallo e Didi (em entrevista de
arquivo). Só por isso já valeria a pena
ver o filme. Mas há também os gols
de Pelé, os dribles de Garrincha, os
passes de Didi, as defesas de Gilmar.
Que coisa linda o futebol brasileiro
em seus grandes momentos.
Paixão cega
Não há espécie mais irracional e
ingrata que o torcedor fanático. Até
outro dia, Felipe era herói corintiano. Foi só cometer uma falha contra o Sport, virou vilão, com direito
a pichação no Parque São Jorge.
Os pichadores devem ter esquecido que Felipe já falhara contra o
Botafogo, na semifinal, e se redimira ao pegar o pênalti decisivo. Se o
Corinthians tivesse marcado um
golzinho contra o Sport, a história
poderia ter se repetido em Recife, e
Felipe teria saído de campo nos
ombros da torcida. Assim se descaminha a humanidade.
jgcouto@uol.com.br
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