São Paulo, domingo, 14 de julho de 2002

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FUTEBOL
Primeiro Mundo

JOSÉ LUIZ DATENA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os vikings, quando partiam para a guerra, pediam aos seus deuses um coração mais duro para suportar as atrocidades dos campos de batalha. Felipão deve ter feito o mesmo para aguentar Ricardo Coração de Cifrão & Cia (eu pediria estômago).
Mas vá lá.
O lábaro que ostentava de estrelas desmotivadas, quase apagadas, um astro ferido, prestes a implodir num buraco negro, dava a Scolari a tarefa mítica, digna de Zeus, de recriar o firmamento.
E fez-se a luz.
Quem esperava o Brasil tal como fênix renascido das cinzas nos adoráveis campos do Senhor?
Erres rápidos como Mercúrio desmoronando gigantes de papel, favoritos das bolsas de Londres, da terra do belo Beckham, Narciso da libra desvalorizada pelo real ao menos no futebol. Tarefa desse Hércules gaúcho chamado Felipe, que nem precisou de 12 trabalhos. Bastaram G-7.
Curiosa final contra o gigante germânico, outra potência da bola e da economia -sorte que também econômica no talento que transborda dos pés de Ronaldo, o Fenômeno.
Fenômeno este Brasil, onde os homens deste campo são milionários de origem humilde que ganham seu pão numa justa reforma agrária desprovida de sem-terra, mas com arte de sobra.
Gênios de pés calejados em chutes de infância pobre nas bolas de meia ou capotão dos quase extintos campos de pelada dos jardins Irene da vida. Peritos em tecnologia de penta. Um Brasil de Primeiro Mundo -pelo menos este com a taça. Mas ainda sem-teto.

Memória fraca
A conquista parece apagar tudo. Envolvidos em abraços de verde-amarelo das ruas, ao Palácio da Alvorada, em Brasília, na volta triunfal, poucos devem lembrar da medida provisória que pune com cadeia quem tira do futebol mais que o orgasmo do gol ou o delírio das massas.
Ninguém deve comentar que esta CBF, quase um Estado independente, esteve sob ameaça de intervenção pelos fatos apurados em duas CPIs no Congresso.
Intervenção que não aconteceu por quê? Talvez por obra do Espírito Santo.

Vergonha celestial
Quem entra no tradicional estádio das Laranjeiras parece estar voltando ao Rio de Janeiro antigo que o poeta definiu como "natureza que virou cidade". Vizinho ao Palácio do Governo popular do PT, um campo de linhas aristocráticas, como o passado campeão fluminense. Velhos tempos, novos dias, quando desmandos seguidos de péssimas administrações, como na maioria incontestável dos clubes brasileiros, jogaram um time grande numa crise tamanha que jogadores declararam greve de um dia.
O motivo? Noventa dias sem receber um centavo.
Nosso futebol, glorificado pelo mundo inteiro, vive a realidade tupiniquim de cofres quebrados, escândalos mal apurados, dirigentes ricos e jogadores implorando salários.

Em tempo
O bucólico estádio do Fluminenses tem ao fundo o Corcovado, com o Cristo Redentor de braços abertos, neste estágio, com grande vontade de erguê-los e cobrir os olhos.


José Luiz Datena é jornalista e apresentador da Rede Record

Tostão, em férias, volta a escrever neste espaço em 4 de setembro

Gustavo de Floripa

Quando entrar na quadra de Sttutgart, Guga lembrará os primeiros passos no saibro de sua ilha no Sul. Testará seu corpo explorado ao limite, preço de ter estado no topo do mundo -hoje é o 14º, num Brasil onde vice é sinônimo de último. Que ele seja o menino que chama os rivais de "caras" -Garrincha os denominava de "João". Pois foi assim que o Gustavo de Floripa virou o rei da França.

Ao mestre...

Wanderley é grande técnico. Mas, a exemplo de seu imponente sobrenome, duque de Luxemburgo prefere trabalhar com craques. Só que os tempos forçam a garimpar talentos no país do futebol a custo quase zero. Não foi assim que um dito "gasolina" virou Pelé, um magérrimo estudante de medicina virou Sócrates, um humilde garoto de Paulista, Rivaldo, e um carequinha, o Fenômeno?
E-mail
datena@uol.com.br

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