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FUTEBOL
De "técnico do povo" a pior treinador das eliminatórias, como foram os cincos meses do gaúcho à frente da seleção
Saiba como surgiu e sumiu o mito Scolari
DOS ENVIADOS A SÃO LUÍS
O drama do técnico Luiz Felipe
Scolari, 53, no comando da seleção verde-amarela de futebol começou há cinco meses, no coração do Brasil, mais precisamente
em Brasília (DF), e pode acabar
hoje, com ou sem final feliz, em
São Luís, no Maranhão.
Gaúcho de Passo Fundo, Scolari
quase sempre viveu longe das capitais do Sudeste.
Talvez por isso tenha aceitado o
convite de Ricardo Teixeira, presidente da Confederação Brasileira de Futebol há 12 anos, para tomar posse, em 12 de junho último,
na rústica mansão que a entidade
mantinha na capital federal.
À época, Teixeira lá estava com
a cúpula da CBF. Acompanhava
in loco os capítulos finais da CPI
que, na Câmara dos Deputados,
investigava a entidade e estava
prestes a apresentar seu relatório,
um petardo contra o dirigente.
Na noite que antecedeu a apresentação do novo técnico, os vizinhos da Casa da CBF, no Lago Sul
de Brasília, custaram a pegar no
sono. Repórteres de todo o país,
postados em frente ao portão de
madeira do imóvel, quebravam a
tranquilidade das ruas pacatas.
Lá dentro, Teixeira, afundado
em um sofá, diante a um enorme
aparelho de TV, zapeava entre os
telejornais da noite e o programa
"Roda Viva" (TV Cultura), no
qual o deputado federal Aldo Rebelo (PC do B-SP), presidente da
CPI da CBF/Nike, era o entrevistado da semana.
Camisa branca de mangas curtas, rosto grave e xícara de café na
mão, Ricardo Teixeira, 54, era observado por Marco Antônio Teixeira, seu tio e secretário-geral da
entidade, que, a poucos metros do
sobrinho, fazia anotações em um
laptop e dava bicadas em uma lata
de cerveja da AmBev.
Só os celulares quebravam a
concentração do presidente da
CBF. Em um deles, a chamada era
de Alvimar Perrella, vice-presidente do Cruzeiro.
Acertavam os últimos detalhes
da chegada de Scolari a Brasília. A
CBF sabia que, no dia seguinte,
estaria jogando na mesa uma carta decisiva, um curinga, capaz de
virar o jogo nas eliminatórias para
a Copa e no Congresso.
Marco Antonio afirmava: "É o
técnico que o povo pediu. A CBF
fez a vontade do povo".
De fato, Scolari, como demonstravam pesquisas, era o preferido
para substituir o desgastado
Emerson Leão no cargo.
A lógica era simples.
Com ele no comando, a entidade seria capaz de diminuir um
pouco da rejeição a Teixeira, minimizar os estragos no Congresso
e, de quebra, ter à frente da seleção brasileiro um treinador com
fama de vencedor nato.
A opinião pública e as CPIs
-no Senado, a CPI do Futebol
corria a plenos pulmões- já haviam obrigado Teixeira a demitir
Wanderley Luxemburgo, investigado por sonegação de impostos
e falsidade ideológica.
Mas com Leão, seu sucessor, a
pressão piorou. Aparentemente
impoluto fora do campo, o técnico não foi capaz de afastar a crise
que afetava a seleção brasileira.
Pelo contrário, com ele no cargo, o Brasil desceu mais alguns
degraus rumo ao fundo do poço.
A seleção perdia, e o ataque das
CPIs, embaladas pela insatisfação
do torcedor, avançava.
Após apresentações sofríveis
nas eliminatórias contra Colômbia (1 a 0), Equador (0 a 1) e Peru
(1 a 1), o fiasco do time de Leão na
Copa das Confederações, com
derrota até para a fraquíssima
Austrália, foi a senha para o convite ao preferido do povo.
Scolari caiu nas graças da torcida por dois motivos principais:
sua eficiência como treinador e
sua sinceridade desmedida, mesclada sempre com uma passionalidade rara hoje no futebol.
Ao levar Grêmio e Palmeiras
aos principais títulos brasileiros e
sul-americanos, ele, de quebra,
comandava com o coração os times à beira do gramado, esgoelando-se, participando das partidas e, muitas vezes, chorando.
Era a alma que tanto faltava à seleção brasileira.
Mas, por uma dessas trapaças
que só o destino consegue urdir,
foram essas mesmas alma e sinceridade que começaram a complicar Scolari no cargo.
Desabituado ao turbilhão de
pressões que enfrenta um técnico
de seleção, o homem, que chegou
a socar um repórter por não gostar de uma pergunta, estranhou.
Cedo, começou a se sentir perseguido. Aos poucos, foi achando
que em sua própria comissão técnica havia inimigos.
Fora de campo, viu que teria de
conviver com o mundo que envolve a CBF, que vai desde o envolvimento estreito com patrocinadores até negociações políticas
que usam a seleção como moeda.
Dentro de campo, Scolari sentiu
na pele as dificuldades dos antecessores, e sua equipe se mostrou
amorfa, característica que mantém até hoje.
Caiu na desgraça de prometer
que chamaria no máximo 32 jogadores até a Copa do Mundo.
Já convocou mais de 40.
Em sua gestão, o Brasil fez cinco
jogos nas eliminatórias. Venceu
dois, ambos em casa (Paraguai e
Chile), e perdeu três, todos fora
(Uruguai, Argentina e Bolívia),
um aproveitamento pior do que o
de Luxemburgo e o de Leão.
O time também fracassou numa
esvaziada Copa América, em que
foi eliminado por Honduras.
A sequência de resultados negativos contra adversários inexpressivos detonou especulações sobre
a sua demissão após as eliminatórias da Copa do Mundo.
Teixeira jura que cumprirá a
promessa, feita na entrevista coletiva de apresentação de Scolari,
realizada em Brasília, de manter o
técnico na Copa caso ele classifique o Brasil. Diz que tem forte
apreço pelo técnico, "homem de
personalidade forte", mas sofre
pressões de outros dirigentes, de
parte da imprensa e, a depender
do que ocorra hoje, talvez até da
mesma opinião pública que levou
o treinador ao cargo.
No meio do cabo-de-guerra, o
treinador está atordoado. A interlocutores, chegou a dizer que está
cansado e pensa em entregar o
cargo mesmo com a seleção classificada. Com a missão cumprida.
Vaidoso, porém, fica tentado
com a possibilidade de disputar
uma Copa do Mundo e acredita
que pode fazer esses mesmos jogadores apáticos de hoje formarem um grupo campeão.
Em sua apresentação improvisada, Scolari, admirador confesso
do general chileno Augusto Pinochet, entoou jargões do regime
militar brasileiro (1964-1985), ganhou de Teixeira um agasalho de
treinador. Eram os "novos tempos" que começavam.
Hoje, vencedor ou perdedor,
pode pegar o boné.
(FÁBIO VICTOR e JOSÉ ALBERTO BOMBIG)
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