São Paulo, quarta-feira, 14 de novembro de 2001

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FUTEBOL

De "técnico do povo" a pior treinador das eliminatórias, como foram os cincos meses do gaúcho à frente da seleção

Saiba como surgiu e sumiu o mito Scolari

DOS ENVIADOS A SÃO LUÍS

O drama do técnico Luiz Felipe Scolari, 53, no comando da seleção verde-amarela de futebol começou há cinco meses, no coração do Brasil, mais precisamente em Brasília (DF), e pode acabar hoje, com ou sem final feliz, em São Luís, no Maranhão.
Gaúcho de Passo Fundo, Scolari quase sempre viveu longe das capitais do Sudeste.
Talvez por isso tenha aceitado o convite de Ricardo Teixeira, presidente da Confederação Brasileira de Futebol há 12 anos, para tomar posse, em 12 de junho último, na rústica mansão que a entidade mantinha na capital federal.
À época, Teixeira lá estava com a cúpula da CBF. Acompanhava in loco os capítulos finais da CPI que, na Câmara dos Deputados, investigava a entidade e estava prestes a apresentar seu relatório, um petardo contra o dirigente.
Na noite que antecedeu a apresentação do novo técnico, os vizinhos da Casa da CBF, no Lago Sul de Brasília, custaram a pegar no sono. Repórteres de todo o país, postados em frente ao portão de madeira do imóvel, quebravam a tranquilidade das ruas pacatas.
Lá dentro, Teixeira, afundado em um sofá, diante a um enorme aparelho de TV, zapeava entre os telejornais da noite e o programa "Roda Viva" (TV Cultura), no qual o deputado federal Aldo Rebelo (PC do B-SP), presidente da CPI da CBF/Nike, era o entrevistado da semana.
Camisa branca de mangas curtas, rosto grave e xícara de café na mão, Ricardo Teixeira, 54, era observado por Marco Antônio Teixeira, seu tio e secretário-geral da entidade, que, a poucos metros do sobrinho, fazia anotações em um laptop e dava bicadas em uma lata de cerveja da AmBev.
Só os celulares quebravam a concentração do presidente da CBF. Em um deles, a chamada era de Alvimar Perrella, vice-presidente do Cruzeiro.
Acertavam os últimos detalhes da chegada de Scolari a Brasília. A CBF sabia que, no dia seguinte, estaria jogando na mesa uma carta decisiva, um curinga, capaz de virar o jogo nas eliminatórias para a Copa e no Congresso.
Marco Antonio afirmava: "É o técnico que o povo pediu. A CBF fez a vontade do povo".
De fato, Scolari, como demonstravam pesquisas, era o preferido para substituir o desgastado Emerson Leão no cargo.
A lógica era simples.
Com ele no comando, a entidade seria capaz de diminuir um pouco da rejeição a Teixeira, minimizar os estragos no Congresso e, de quebra, ter à frente da seleção brasileiro um treinador com fama de vencedor nato.
A opinião pública e as CPIs -no Senado, a CPI do Futebol corria a plenos pulmões- já haviam obrigado Teixeira a demitir Wanderley Luxemburgo, investigado por sonegação de impostos e falsidade ideológica.
Mas com Leão, seu sucessor, a pressão piorou. Aparentemente impoluto fora do campo, o técnico não foi capaz de afastar a crise que afetava a seleção brasileira.
Pelo contrário, com ele no cargo, o Brasil desceu mais alguns degraus rumo ao fundo do poço. A seleção perdia, e o ataque das CPIs, embaladas pela insatisfação do torcedor, avançava.
Após apresentações sofríveis nas eliminatórias contra Colômbia (1 a 0), Equador (0 a 1) e Peru (1 a 1), o fiasco do time de Leão na Copa das Confederações, com derrota até para a fraquíssima Austrália, foi a senha para o convite ao preferido do povo.
Scolari caiu nas graças da torcida por dois motivos principais: sua eficiência como treinador e sua sinceridade desmedida, mesclada sempre com uma passionalidade rara hoje no futebol.
Ao levar Grêmio e Palmeiras aos principais títulos brasileiros e sul-americanos, ele, de quebra, comandava com o coração os times à beira do gramado, esgoelando-se, participando das partidas e, muitas vezes, chorando.
Era a alma que tanto faltava à seleção brasileira.
Mas, por uma dessas trapaças que só o destino consegue urdir, foram essas mesmas alma e sinceridade que começaram a complicar Scolari no cargo.
Desabituado ao turbilhão de pressões que enfrenta um técnico de seleção, o homem, que chegou a socar um repórter por não gostar de uma pergunta, estranhou.
Cedo, começou a se sentir perseguido. Aos poucos, foi achando que em sua própria comissão técnica havia inimigos.
Fora de campo, viu que teria de conviver com o mundo que envolve a CBF, que vai desde o envolvimento estreito com patrocinadores até negociações políticas que usam a seleção como moeda.
Dentro de campo, Scolari sentiu na pele as dificuldades dos antecessores, e sua equipe se mostrou amorfa, característica que mantém até hoje.
Caiu na desgraça de prometer que chamaria no máximo 32 jogadores até a Copa do Mundo.
Já convocou mais de 40.
Em sua gestão, o Brasil fez cinco jogos nas eliminatórias. Venceu dois, ambos em casa (Paraguai e Chile), e perdeu três, todos fora (Uruguai, Argentina e Bolívia), um aproveitamento pior do que o de Luxemburgo e o de Leão.
O time também fracassou numa esvaziada Copa América, em que foi eliminado por Honduras.
A sequência de resultados negativos contra adversários inexpressivos detonou especulações sobre a sua demissão após as eliminatórias da Copa do Mundo.
Teixeira jura que cumprirá a promessa, feita na entrevista coletiva de apresentação de Scolari, realizada em Brasília, de manter o técnico na Copa caso ele classifique o Brasil. Diz que tem forte apreço pelo técnico, "homem de personalidade forte", mas sofre pressões de outros dirigentes, de parte da imprensa e, a depender do que ocorra hoje, talvez até da mesma opinião pública que levou o treinador ao cargo.
No meio do cabo-de-guerra, o treinador está atordoado. A interlocutores, chegou a dizer que está cansado e pensa em entregar o cargo mesmo com a seleção classificada. Com a missão cumprida.
Vaidoso, porém, fica tentado com a possibilidade de disputar uma Copa do Mundo e acredita que pode fazer esses mesmos jogadores apáticos de hoje formarem um grupo campeão.
Em sua apresentação improvisada, Scolari, admirador confesso do general chileno Augusto Pinochet, entoou jargões do regime militar brasileiro (1964-1985), ganhou de Teixeira um agasalho de treinador. Eram os "novos tempos" que começavam.
Hoje, vencedor ou perdedor, pode pegar o boné. (FÁBIO VICTOR e JOSÉ ALBERTO BOMBIG)


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